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EUA são ignorantes, diz ex-detido em Guantánamo
Para Moazzam Begg, CIA desconhece diferenças entre os grupos muçulmanos
Britânico deixou prisão americana em 2005; para ele, Brown mudou posição do Reino Unido a fim de ganhar "corações e mentes"
Kieran Doherty - 14.mar.2005/Reuters
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Begg, que afirma ter visto dois colegas morrerem no cárcere |
NATALIA VIANA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE LONDRES
Em 2005, a pedido do ex-premiê Tony Blair, nove cidadãos
britânicos foram libertados da
prisão americana na base militar de Guantánamo, em Cuba,
para suspeitos de terrorismo.
Um deles foi Moazzam Begg,
38, hoje presidente da associação Cage Prisoners, que milita
pelo fechamento da prisão.
Begg passou três anos sob
custódia americana, mas até
hoje não teve acesso às provas
que o levaram a Guantánamo.
Em 2006, ele publicou o livro
"Enemy Combatant -My Imprisonment at Guantanamo,
Bagram, and Candahar" (Combatente inimigo: meu encarceramento em Guantánamo, Bagram e Candahar), em que relata sua experiência desde a captura, no Paquistão. De sua casa
em Birmingham, no oeste inglês, Begg conversou com a Folha por telefone:
FOLHA - Como vê a atuação de Londres no caso dos residentes do Reino
Unido em Guantánamo?
MOAZZAM BEGG - Eu não poderia
ter sido preso sem o governo
saber ou colaborar. Desde o dia
em que eu fui mandado para
Candahar, para Bagram [ambas
no Afeganistão], havia oficiais
britânicos lá, eles sabiam de tudo. Mesmo assim, escreveram a
meu pai falando que não tinham acesso a mim. Foram
muitas mentiras todo o tempo.
FOLHA - Há 11 dias o governo britânico pediu pela primeira vez a retirada de Guantánamo de prisioneiros não-britânicos com residência
no Reino Unido. Como avalia a mudança de política?
BEGG - Isso faz parte da campanha para conquistar corações e
mentes da comunidade muçulmana, que está cada vez mais
alienada neste país. Estou feliz
com a mudança. Mas não é o
fim: onde estão as provas do
crime de que foram acusados?
Ao contrário do que se diz, não
acho que Guantánamo fechará.
FOLHA - Como você foi preso?
BEGG - Não fui preso, fui seqüestrado. Era 31 de janeiro de
2002, meia-noite, chegou um
grupo na minha casa, vestido
como civis mas apontando armas. Simplesmente me empurraram para um carro.
FOLHA - Ninguém falou: você está
sendo preso por tal razão...
BEGG - Não. Só comecei a entender quando um cara me
mostrou as algemas e disse que
as recebeu de uma das vítimas
do 11 de Setembro. Só aí soube
que era suspeito de terrorismo.
FOLHA - Para onde o levaram?
BEGG - Pra uma prisão em Candahar, onde fiquei sob custódia
americana e recebi o tratamento mais desumano. Eles batiam,
sentavam sobre nós, xingavam.
Deixavam-nos expostos, com
cachorros latindo. E sempre tirando fotos. Já em Bagran foi
uma operação da CIA, mais sinistra. Não havia luz do sol, fiquei preso quase 11 meses sem
ver luz. Ficava amarrado de cócoras. Vi ali dois presos morrerem. Um deles foi espancado
até a morte porque tentou fugir; o outro, foi amarrado de pé
com as mãos suspensas sobre a
cabeça e não resistiu.
FOLHA - Quando você foi enviado
para Guantánamo, sabia o que era?
BEGG - Sim, haviam me mostrado algumas fotos. Estava ansioso para ir pra lá. Achava que
não poderia haver nada pior do
que onde estava. Mas a viagem
já foi muito dolorida, estávamos amarrados com correntes,
de cócoras no chão. Tive que
pedir um sedativo. Quando
acordei já estava na minha cela.
FOLHA - Qual a sua ligação com a Al
Qaeda? A inteligência americana
alegava que foi encontrada uma
transferência em seu nome para um
integrante da Al Qaeda.
BEGG - Olha, o primeiro homem da Al Qaeda que eu conheci na vida foi em Guantánamo. Essa acusação é incorreta.
FOLHA - Por que o prenderam?
BEGG - Não posso responder.
Creio que acharam justo me
prender porque tive papel ativo
no apoio aos muçulmanos na
Bósnia e na Tchetchênia nos
anos 90. Dei apoio financeiro,
mas jamais peguei em armas.
Então acharam que eu tinha o
perfil de um terrorista envolvido no 11 de Setembro.
FOLHA - De que forma Guantánamo o afetou?
BEGG - Acho que me deixou
mais forte. Ser interrogado por
todo mundo -MI5 [serviço secreto britânico], FBI, CIA...
Também deixou mais claro a
ignorância que existe, e, como
resultado, quanto ódio e violência. Eles não entendem a diferença entre os vários grupos no
Afeganistão e no Paquistão,
acham que todos fazem parte
da Al Qaeda. Al Qaeda é usada
para descrever uma diversidade tão grande de pessoas que é
impossível ela ser tão abrangente. Ou eles não entendem
nada do que acontece no Oriente Médio, ou fingem não saber.
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