São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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Potências emergentes não são ameaça aos EUA

China e Rússia têm meta comum, mas são rivais

ROBERT KAGAN

Desde o final da Guerra Fria e a emergência do mundo unipolar, muito se previu sobre o surgimento de um mundo multipolar, no qual os EUA deixariam de ser hegemônicos. Muitos já argumentaram sobre a insustentabilidade teórica e prática, para não falar do aspecto indesejável, de um mundo em que existe apenas uma superpotência. A teoria realista convencional presumiu que outros países deveriam inevitavelmente se unir para contrabalançar a superpotência.
Apesar disso, a hegemonia americana persiste. É verdade que Rússia e China compartilham uma meta comum e abertamente declarada de frear a hegemonia americana, mas não foi feito nenhum esforço conjunto ou cooperativo para contrabalançar o poderio americano. China e Rússia não confiam uma na outra e são rivais tradicionais. De qualquer maneira, China e Rússia não podem contrabalançar os EUA sem pelo menos alguma ajuda da Europa, do Japão, Índia ou pelo menos alguns dos outros países democráticos avançados. E esses jogadores poderosos não estão se unindo ao esforço.
A Guerra do Iraque tampouco vem tendo o efeito previsto por muitos. Embora existam teorias provisórias razoáveis que explicam por que a posição dos EUA deveria estar sendo enfraquecida em decorrência da oposição global à guerra e da impopularidade do atual governo, houve poucas mudanças nas políticas reais dos países, exceto por sua relutância em ajudar os EUA no Iraque.
O fato de o mundo não tentar contrabalançar a superpotência é ainda mais notável porque os EUA, apesar de suas intervenções difíceis no Iraque e no Afeganistão, continuam a ampliar seu poder e seu alcance militar. Hoje o orçamento militar dos EUA chega a aproximadamente US$ 500 bilhões por ano, sem contar os gastos suplementares no Iraque e Afeganistão, que totalizam mais de US$100 bilhões.
É claro que predomínio não é o mesmo que onipotência. A predominância americana nos primeiros anos do pós-2ª Guerra não impediu a invasão norte-coreana da Coréia do Sul ou a vitória comunista na China -todos esses reveses estratégicos muitos maiores do que os que os EUA já sofreram ou provavelmente ainda podem vir a sofrer no Iraque e Afeganistão.

Perder uma guerra
Já foi sugerido que uma derrota no Iraque pode significar o fim do predominância e da unipolaridade. Mas uma superpotência pode perder uma guerra sem deixar de ser superpotência, se as condições internacionais continuarem a favorecer seu predomínio. Enquanto os EUA permanecerem fortes -e enquanto os potenciais competidores inspirarem mais medo que solidariedade-, a estrutura do sistema internacional deve permanecer como é hoje descrita por estrategistas chineses: uma superpotência e muitas grandes potências.
Isso é bom, e a política externa americana deve continuar a ter como meta primária perpetuar essa configuração de poder internacional relativamente benigna. A ordem unipolar, com os Estados Unidos como potência predominante, é inevitavelmente repleta de falhas e contradições. Ela inspira temores e invejas. Como todos os outros países, os EUA não são imunes a erros. Comparado à ordem internacional ideal kantiana, na qual todas as potências do mundo seriam potências iguais e amantes da paz que se conduzem com prudência, sabedoria e na estrita obediência às leis internacionais, o sistema unipolar é ao mesmo tempo perigoso e injusto.
Comparado a qualquer alternativa plausível no mundo real, porém, ele é relativamente estável e menos tendente a gerar uma guerra de grandes proporções entre grandes potências. Também é relativamente benévolo, desde uma perspectiva liberal, e mais tendente aos princípios do liberalismo econômico e político valorizados pelos americanos e muitos outros.
A opção que existe não é entre um mundo dominado pelos EUA e um mundo que se pareça com a União Européia. A ordem internacional futura será moldada por aqueles que têm o poder de moldá-la. Seus líderes não vão se reunir em Bruxelas, mas em Pequim, Moscou e Washington.

ROBERT KAGAN é autor de "Dangerous Nation" e editor colaborador da "Weekly Standard"

Tradução de CLARA ALLAIN


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