São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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Reeleição é essência da reforma de Chávez

Para analistas, estratégia do venezuelano para ficar no poder é eixo concreto de projeto "cosmético" de mudança na Carta

Dita socialista, proposta não exclui propriedade privada; governo poderia fazer alterações sem mexer na Carta, afirma professor

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

A proposta de reforma constitucional apresentada pelo presidente Hugo Chávez na última quarta inclui várias novas atribuições para o cargo que ele ocupa, como administrar as reservas internacionais, reorganizar o território e nomear vários vice-presidentes. Mas alguns críticos do governo venezuelano têm dito que todas essas propostas juntas são filigrana perto da eventual aprovação da reeleição indefinida.
"Evidentemente, haverá mais poderes para o presidente, mas a verdadeira mudança, grave, é a reeleição permanente. Todos sabemos que, na América Latina, os presidentes normalmente são reeleitos", disse à Folha Gustavo Linares, professor de direito administrativo da Universidade Central da Venezuela, a mais importante do país.
Em divergência com parte da oposição e contrariando a retórica chavista, Linares disse que, à exceção da reeleição indefinida, as propostas apresentadas são "cosméticas": "Esta reforma foi particularmente tímida, tem muito menos artigos do que se pensava e poderia ter sido feita por lei, como a redução da jornada de trabalho [de oito para seis horas diárias]."
O professor diz que nem mesmo propostas como alterações no direito de propriedade, uma das mais criticadas pela oposição, são significativas.
"A única mudança que poderia ter sido feita na Constituição era eliminar a propriedade privada, mas isso não aconteceu. Todas as Constituições comunistas, como a cubana, apenas permitem a propriedade sobre os bens de uso e consumo. Esta reforma diz expressamente que pode haver propriedade privada sobre os meios de produção, e isso é a definição mesma do capitalismo."
A tese de Linares é semelhante à do ex-candidato a presidente Teodoro Petkoff, outro influente crítico de Chávez: "Por que não se deixa de tecnicismos legislativos e se propõe de uma vez um artigo de uma só linha: "Hugo Chávez será presidente até quando ele quiser'?", escreveu.

Segunda vez
Caso consiga aprovar a reforma, será a segunda vez que Chávez aumenta suas chances de permanecer no poder. Eleito para um mandato de cinco anos sem direito à reeleição, em 1998, ele promoveu uma Constituinte no ano seguinte que, pela primeira vez, permitiu a reeleição, além de ampliar o mandato para seis anos.
Aprovada a Constituição, Chávez convocou eleições e se reelegeu em 2000, sob o novo regime. Em 2006, conseguiu seu terceiro mandato. Aos 53 anos, já é o segundo mandatário há mais tempo no poder na América Latina, atrás apenas do aliado cubano, Fidel Castro.
"O presidente Chávez nunca irá embora. Em 2030, ele inventará que o país o requer", prevê Linares, para quem Chávez já é o presidente mais poderoso entre os mandatários venezuelanos eleitos.
"Na Venezuela, os presidentes, mesmo muito poderosos, como no primeiro mandato de Carlos Andrés Pérez (1974-79), não eram reeleitos. Agora, pode haver uma reeleição indefinida e um presidente poderoso poderá ficar permanentemente. Estará rompida nossa principal garantia de liberdade."
Em sua defesa, Chávez tem dito que a reeleição contínua é comum em "muitos países", como Reino Unido: "[A reeleição contínua] é só uma possibilidade que depende de muitas variáveis: da vontade, da capacidade, dos fatores políticos e do mais importante, a decisão do povo soberano".
Para que a reforma seja aprovada, é preciso a aprovação em três discussões pela Assembléia Nacional, dominada pelos chavistas. Depois, será convocado um referendo nacional -o governo quer que a consulta ocorra em 9 de dezembro.

Oposição frágil
Menos seletiva do que Linares, a estratégia do principal partido de oposição, Um Novo Tempo (UNT), é atacar a proposta de Chávez como um todo.
"A reeleição indefinida afeta o princípio da alternância; as Forças Armadas viram um braço político do governo e o Banco Central se torna um caixa dois do presidente. E há uma série de outras propostas que tendem a reforçar o centralismo", disse o presidente do UNT, Omar Barboza.
Repetindo os dilemas das últimas eleições, a oposição não tem ainda uma estratégia para enfrentar a proposta governista. Segundo Barboza, os partidos antichavistas ainda discutem se agirão em bloco e se defenderão boicote ao referendo popular sobre a reforma.


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