São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2008

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Acuado, Musharraf renuncia à Presidência do Paquistão

Ameaça de impeachment forçou saída de general; sucessão divide governo civil

Sem respaldo dos quartéis e apoio popular, situação do principal aliado regional dos EUA no pós-11 de Setembro tornou-se insustentável


Emilio Morenatti/Associated Press
Musharraf saúda guarda ao deixar a residência presidencial

DA REDAÇÃO

O general reformado Pervez Musharraf renunciou ontem à Presidência do Paquistão, acossado pela ameaça de impeachment após nove anos no cargo. A saída do líder paquistanês -que governou como ditador até o início deste ano, mas que desde então assistia à erosão de seus poderes- foi festejada por opositores de todo o espectro político e provocou alta das Bolsas de Karachi e Lahore.
Forjada na oposição a Musharraf, a coalização governista precisa agora equilibrar divergências internas e apontar o novo presidente.
O líder do Senado, Mohammad Soomro, assumiu interinamente o cargo. O novo presidente deve ser eleito em até 30 dias pelo Colégio Eleitoral, formado pelo Senado, pela Assembléia Nacional e pelas Câmaras das quatro Províncias. A escolha acirra tensões latentes no governo, liderado pelo PPP (Partido do Povo Paquistanês).
A disputa opõe Asif Ali Zardari -viúvo da ex-premiê Benazir Bhutto e co-presidente do PPP- a Nawaz Sharif, do PLM-N (Partido da Liga Muçulmana - facção Nawaz), deposto por Musharraf em 1999. A Presidência, que tem a prerrogativa de dissolver a Assembléia e é responsável por nomear o comandante das Forças Armadas, é estratégica para os partidos, rivais históricos. A superação do impasse pode envolver a reformulação do cargo, com redução de funções.
Enfraquecido pelo isolamento político, Musharraf despediu-se dos paquistaneses com um discurso de uma hora pela TV. Defendeu seu legado e afirmou que deixava o cargo por colocar o interesse do país acima de "bravatas pessoais". "[Os governistas] não percebem que, mesmo que tenham sucesso contra mim, o país sofrerá danos irreparáveis", disse, em trajes civis, o general, que concluiu sua fala com um emocionado "viva o Paquistão!".
Musharraf deixa um país menos pobre, que, sob seu governo, superou a crise de 1999 e manteve uma média de crescimento acima dos 5%. Os indicadores econômicos atuais são, porém, alarmantes. A inflação passa dos 20% ao ano, e a previsão de déficit em conta corrente beira 8% do PIB, um recorde histórico. O país enfrenta apagões energéticos, e a alta do petróleo e dos alimentos deixa entrever perspectivas sombrias.

Derrocada
Principal aliado regional dos EUA na guerra contra o terror desde o 11 de Setembro, o ditador viu seu governo ruir em 2007, com o recrudescimento do terrorismo e a crescente oposição democrática. Vitorioso no plebiscito de 2002, o governo perdeu o verniz de legalidade em setembro de 2007, quando Musharraf decretou estado de sítio, suspendeu a Constituição e cassou os juízes da Corte Suprema que contestavam a validade de sua eleição.
Musharraf deixou o Exército e, nos trajes civis exigidos pela Constituição, fez-se eleger presidente pelo Colégio Eleitoral, antes de convocar as eleições gerais deste ano. Mas a habilidade política que lhe permitiu controlar a abertura democrática sucumbiu à esmagadora derrota no pleito de fevereiro.
Mesmo o crucial apoio dos quartéis se esvaiu nos últimos meses. O general Ashfaq Pervaiz Kayani, escolhido por Musharraf para sucedê-lo à frente das Forças Armadas, não falou sobre o impeachment.
"Não há hoje condições políticas para apoiar Musharraf", disse o cientista político Rasul Bakhsh Rais, da Universidade de Administração de Lahore, por telefone à Folha. "A agenda de mudança que elegeu o governo civil é incompatível com sua permanência."
Rais afirma que a eleição do presidente dependerá das negociações na coalizão governista. "O vencedor será o processo democrático", diz o analista, que rejeita o suposto favoritismo de Zardari, e crê que um político de perfil mais conciliador seja escolhido. A indicação de alguém fora do cúpula partidária pode mitigar as disputas.
Conhecido como "Mr. 10%", Zardari cumpriu pena de sete anos por corrupção após o segundo governo da mulher, dissolvido em 1996. Com a morte de Benazir, o filho do casal, Bilawal, 19, assumiu simbolicamente a presidência do PPP.
Enquanto o rapaz conclui os estudos em Oxford, o pai exerce o cargo. Ao desembarcar ontem em Karachi, onde participou de reunião do governo, Bilawal disse que o próximo presidente, ainda indefinido, será do PPP.
(CLARA FAGUNDES)

Com agências internacionais



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