São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2008

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Bush e Rice enaltecem aliado apesar de falhas

De crucial na política de Washington para a região, Musharraf passou a ser dispensável

Apesar de vultosa ajuda financeira norte-americana, paquistanês falhou em neutralizar a atuação de grupos radicais na fronteira


DA REDAÇÃO

O presidente George W. Bush e a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, apressaram-se ontem em homenagear Pervez Musharraf, que renunciou à Presidência do Paquistão nove anos após tomá-la em um golpe de Estado.
Um dos porta-vozes da Casa Branca, Gordon Johndroe, disse que Bush "admirava os esforços de Musharraf rumo à transição democrática e seu comprometimento na luta contra a Al Qaeda e outros grupos extremistas".
Rice elogiou Musharraf por sua "delicada opção" pelo combate ao extremismo islâmico. "Por essa razão, ele tem nossa profunda gratidão."
As declarações traduzem um certo grau de personalização das relações entre Washington e Islamabad entre 2001, com o 11 de Setembro, e outubro do ano passado, quando Musharraf se viu obrigado a deixar a chefia das Forças Armadas e teve início o processo de esvaziamento de seu poder.
Tezi Shaffer, ex-embaixadora americana em Islamabad e hoje chefe de pesquisas do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, de Washington, destaca o quanto eram fortes, entre Musharraf e Bush, as relações pessoais.
Foi em parte por causa disso, diz o "Financial Times", que o ex-ditador paquistanês conseguiu facilmente se apresentar diante de Bush como a personificação da barreira que impediria os radicais islâmicos de se apoderarem de seu país -algo contestável, pois os partidos religiosos estão bastante divididos e totalizaram menos de um décimo dos votos nas eleições legislativas de fevereiro último.
Essa personificação teve um início menos amistoso. O "Financial Times" também diz que Musharraf, em suas memórias, afirma que, no final de 2001, "um alto funcionário americano" ameaçou bombardear o Paquistão e levá-lo de volta à idade da pedra caso ele não aderisse à guerra contra o terrorismo. Richard Armitage, o diplomata em questão, nega que tenha feito ameaça. Mas Musharraf parece ter captado a mensagem perfeitamente.
Rompeu com o Taleban, grupo fundamentalista que acabava de ser deposto no vizinho Afeganistão, e passou a receber os US$ 10 bilhões que somaria de então até agora em ajuda militar norte-americana.

Lição mal feita
A verdade é que Musharraf não fez sua lição de casa. Os grupos radicais islâmicos estão hoje mais atuantes na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. Disso resulta o aumento do número de mortes de militares ocidentais, sobretudo americanos, em solo afegão.
Há mais: a CIA, serviço de inteligência dos Estados Unidos, diz o "New York Times", monitora a entrada no Afeganistão de mais combatentes estrangeiros que usam o Paquistão como escala. A CIA também diz que permanecem sólidas as ligações entre a inteligência paquistanesa e Maulavi Jalaluddin Haqqani, um dos elos com a Al Qaeda na região de fronteira.
De um ano para cá a mídia americana vazou confidências de Washington sobre a incompetência do regime paquistanês. Os EUA acreditavam que a abertura democrática no país favoreceria seus objetivos. Arquitetaram o retorno do exílio da ex-premiê Benazir Bhutto. Vencendo as eleições legislativas, ela voltaria à chefia do governo e dividiria o poder com Musharraf.
Mas ela foi assassinada em dezembro, provavelmente por ter sido identificada pelos terroristas como a nova carta a ser jogada pelos americanos.

Dispensável
No ano passado, o número dois do Departamento de Estado, John Negroponte, qualificou Musharraf de "indispensável". Indagado ontem se a afirmação ainda era válida, o porta-voz em Washington disse que "a guerra ao terrorismo é mais importante que os indivíduos".
É também verdade que Washington não se movimentou para evitar o afastamento do ex-aliado. Há dias qualificou de "questão interna do Paquistão" as articulações para o impeachment do presidente. Ou, como afirma ao "Monde" a cientista política Marian Abou Zahab, para o governo americano Musharraf deixou de ser uma solução para se tornar parte do problema paquistanês.

Com agências internacionais



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