São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2010 |
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RUBENS RICUPERO Esta vez é diferente
COMO TODAS as modas chegam tarde ao Brasil, só agora é que começamos a sofrer da ilusão de que os atuais bons tempos são infinitos e eternos. Nos Estados Unidos, a doença afetou quase todos até o estouro da bolha imobiliária em agosto de 2007 e, sobretudo, a quebra do Lehman Brothers, dois anos atrás. Durante anos, economistas eminentes, ganhadores do Nobel, e o presidente do Federal Reserve, repetiam que tinha acabado a alternância de ciclos de expansão e recessão, que a "grande moderação" permitia a continuação indefinida da valorização dos imóveis, da liquidez financeira sem limites, deficits e dívidas explosivas, consumo sem poupança nem investimento. Atrás do paradoxo de Chesterton -"a história só nos ensina que a história não nos ensina nada"- se escondia a explicação: a memória é mais fraca que o humano desejo de eternizar a ventura do instante. É o espaçamento entre as grandes crises que explica o autoengano de que "esta vez é diferente", título do livro sobre 800 anos de crises financeiras de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart. Chegou nosso turno agora de anunciar que descobrimos a chave do paraíso. Podemos aumentar o consumo e os gastos do governo sem elevar a poupança; o deficit em conta corrente se encaminhando a 4,7% do PIB não preocupa, pois o mundo está disposto a financiar até loucuras como o trem-bala e a usina subsidiada de Belo Monte. Podemos multiplicar transferências de uma renda em contínua expansão como o universo após o Big Bang. O diferente desta vez no Brasil é o devaneio que deixamos a periferia para ser parte do centro. A razão é curiosa: éramos periferia enquanto a divisão internacional do trabalho nos condenava a vender café e cacau aos EUA em troca de máquinas e tecnologia. Quando essa mesma divisão nos força a vender soja em grão e minério de ferro à China e dela comprar celulares e computadores, fomos promovidos ao centro! Antes de nós, passaram pelo paraíso México e Argentina, o primeiro ao celebrar o Nafta, acordo de livre comércio com os EUA e Canadá, o segundo com a convertibilidade e dolarização de Menem e Cavallo. Neste ano do fatídico bicentenário da independência, a tônica dominante na Argentina foi a do decadentismo: em 1910, a conclusão dos primeiros cem anos encontrou o país muito melhor do que hoje. No México, a orgia de violência da guerra civil contra o narcotráfico obrigou a cancelar os festejos em várias cidades. Humilhados e ofendidos, os mexicanos tiveram de reagir à insolente comparação com a Colômbia dos anos 80 feita pela secretária de Estado Hillary Clinton. E ao nosso bicentenário, como chegaremos? Seguiremos vendendo commodities à China, que continuará a crescer a 10% ao ano? Ou, se a valorização excessiva do real tornar muito caras a soja e o ferro, venderemos petróleo como a Venezuela? Teremos dominado o narcotráfico nos morros, a corrupção política generalizada e o crime organizado que se espraiam do Oiapoque a Brasília? Embora não haja sinais de que isso comece a suceder, oxalá 2022 nos encontre tão perto do centro do paraíso que possamos dizer: "Desta vez foi diferente!". Texto Anterior: Violência marca dia de votação no Afeganistão Próximo Texto: Espanha: Entidade de ciganos diz que irá à Corte da UE contra Sarkozy Índice | Comunicar Erros |
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