São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

UNIÃO EUROPÉIA

Eleitores decidem hoje se aprovam texto que prevê reforma institucional para a expansão

Referendo irlandês pode atrasar planos da UE

John Cogill/Associated Press
Irlandeses passam por cartazes sobre o referendo, em Dublin


MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Os irlandeses decidem hoje se aprovam ou não o Tratado de Nice, que, entre outros pontos, prevê uma reforma institucional para permitir a entrada de novos membros na União Européia, num referendo crucial para a intenção do bloco de expandir-se para o leste do continente.
Em junho de 2001, os irlandeses rejeitaram o texto (53,9%). À época, apenas 34,8% dos eleitores compareceram aos postos de votação, o que prejudicou as chances de adoção do tratado. Por isso os partidários do "sim" apostam numa maior participação hoje.
De acordo com analistas consultados pela Folha, a resistência irlandesa ao tratado tem inúmeras razões, porém as principais são o medo de que o país venha a ser obrigado a abandonar sua tradicional neutralidade político-militar e o de perder uma parcela substancial de sua soberania.
"A aversão de uma parte significativa do eleitorado irlandês tem várias razões, mas a principal é a neutralidade, que poderia deixar de existir se a Irlanda fosse obrigada a participar de missões militares da UE. Ademais, a Europa é vista pelos conservadores irlandeses como difusora de uma moral liberal demais", apontou Christian Lequesne, especialista em UE do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (Paris).
"Há ainda uma grande preocupação na Irlanda, como em outros Estados da UE, com a possibilidade da perda da soberania, pois a sociedade irlandesa atravessou um processo de globalização acelerado, que, na verdade, ainda não foi totalmente digerido pela população", acrescentou.
A Irlanda, que era relativamente pobre e altamente agrícola quando aderiu à UE, em 1973, é hoje o país que tem as mais altas taxas de crescimento econômico do bloco, além de ter sofrido um forte processo de industrialização nas duas últimas décadas. Estima-se que ela possa crescer 10% em 2002.
Para Michael Gallagher, professor de ciência política na Universidade de Dublin, a neutralidade não será um grande problema desta vez. "Em junho passado, com a Declaração de Sevilha, os outros 14 países da UE aceitaram que a Irlanda mantivesse sua neutralidade, esvaziando o principal argumento dos que são contrários ao Tratado de Nice."
"Contudo há outro ponto crucial. Nice permite uma maior cooperação entre pequenos grupos de países, o que, em tese, abriria caminho para que alguns Estados avançassem na integração sem os outros. Isso inquieta os irlandeses, que temem ficar de fora por conta da vontade dos países mais poderosos", analisou Gallagher.
Além disso, o texto diz que, ao lado de outros países de menor população, a Irlanda (3,9 milhões de habitantes) perderá parte de seu peso político no Conselho de Ministros e no Parlamento Europeu, o que desagrada aos partidários do "não": os Verdes, o Sinn Fein (braço político do Exército Republicano Irlandês, da Irlanda do Norte), a extrema esquerda e uma miríade de movimentos pacifistas e antiglobalização.
Para o campo do "sim", que une os principais partidos do país, a boa notícia é que as pesquisas mostram que 42% dos eleitores são favoráveis ao tratado, enquanto 29% são contrários a ele. Há 19% que não se decidiram; 10% já sabem que não vão votar.
A Irlanda é o único país da UE que depende do crivo popular para aprovar o Tratado de Nice. Os outros 14 Estados, que já o ratificaram, só tiveram votação no Parlamento. Embora improvável, a vitória do "não", segundo os especialistas, atrasaria em ao menos um ano a adesão de oito Estados do Leste Europeu, além da de Chipre e de Malta, à UE.
"Politicamente, isso seria desastroso. Na prática, o problema poderia ser contornado, porém isso levaria tempo, pois o conteúdo do Tratado de Nice teria de ser adicionado à Convenção sobre o Futuro da Europa, que apresentará as propostas de reforma, ou aos tratados de adesão dos novos membros", apontou Lequesne.
"É por isso que muita gente já defende que as reformas institucionais sejam colocadas em prática assim que a maioria dos países-membros estiver de acordo. Isso não ocorre hoje, já que ainda prevalece a regra clássica da diplomacia, que é a busca do consenso."



Texto Anterior: Religião: Papa rejeita tolerância zero contra abuso
Próximo Texto: Rússia: Governador é morto no centro de Moscou
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.