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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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Crise se esboça desde a eleição indireta de 2002

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A queda do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada não foi uma simples fatalidade na instável história política boliviana.
A crise que o levou à renúncia já estava de certo modo esboçada em agosto de 2002, quando ganhou o primeiro turno com só 22,5% dos votos. Precisou disputar o segundo turno no Congresso com seu mais radical adversário, Evo Morales.
Este dissera na época que não aceitaria a vitória do rival. "Não negociarei com os neoliberais", disse. E prometeu o bloqueio de estradas e manifestações.
Morales é presidente do MAS (Movimento ao Socialismo), partido marxista. É indígena -como cerca de 60% dos bolivianos- e líder dos cocaleiros, que se viram mais empobrecidos pelo Plano Dignidade, que os EUA financiam para erradicar o cultivo ilegal de coca.
A passagem de Morales ao segundo turno não fora prevista em pesquisas. Ele teria quase duplicado suas intenções iniciais de voto após inábil declaração do embaixador americano em La Paz de que seu país suspenderia os programas de ajuda se vencessem os "apoiadores do narcotráfico". A reação nacionalista funcionou.
Na verdade, Morales propunha que a coca, usada no país para mascar e fazer chá, tivesse uma área legal de cultivo maior que a estimada pelos EUA.
O cocaleiro rejeita quase tudo com o selo dos EUA, como a Alca. A crise começou quando Sánchez de Lozada anunciou o plano, apoiado pelo FMI, de exportar gás aos EUA, o que equilibraria as contas externas. Mas, para Morales, o gás deveria ser consumido pelos próprios bolivianos, que têm a segunda maior reserva regional.
Dizia também que pelo plano só 18% dos lucros ficariam na Bolívia. Outro agravante: estima-se que cerca 30% da população rural ainda use excremento animal como combustível para cozinhar. O governo argumentava que o consumo interno poderia ser suprido por menos de 1% das reservas.
Em meio às cifras, havia o fato de a exportação ser planejada via Chile, para o qual a Bolívia perdeu, no século 19, sua saída para o mar. Juntaram-se o fantasma do imperialismo e o da dignidade nacional. Os mais pobres tinham nada a perder.
O estranho é que o ex-presidente não tenha conseguido dialogar com o rival ou, na pior hipótese, fortalecer na oposição um interlocutor alternativo. Comportou-se com a empáfia dos oligarcas. Seu ministério era todo branco, sem um só índio, como Morales.
A crise foi contínua e durou 14 meses. As passeatas antigoverno ganhavam força, e mais cadáveres eram produzidos pela repressão militar e policial.
De nada adiantou que Sánchez de Lozada anunciasse a suspensão do projeto de exportação. A erosão de sua autoridade já era definitiva. O golpe fatal foi a perda de apoio político, como o do então vice, Carlos Mesa, após as 26 mortes em conflitos no domingo passado.



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