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Academia reinventa polícia iraquiana
Força pública, que sob Saddam simbolizava opressão e arbitrariedade, investe hoje na qualificação de novos agentes
Atraídos pelos salários de classe média, recrutas, de todas as etnias e regiões
do Iraque, têm o passado checado pelo serviço secreto
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ
Em um corredor escuro, dezenas de homens de cueca aparentando 20 anos de idade fazem fila na frente de uma porta,
enquanto outros colocam de
volta suas roupas. O ar é abafado e cheira a suor. Volta e meia
a porta se abre, e um médico sai
para chamar o próximo rapaz.
Estamos no centro de recrutamento da Academia de Polícia de Bagdá, um dos pontos
mais representativos do Iraque
pós-Saddam Hussein. A força
pública, que por duas décadas
simbolizou opressão e arbitrariedade, aposta hoje na qualificação de novos agentes.
Atraídos pela estabilidade e
pelo salário de classe média
(iniciais US$ 700 por mês), homens e mulheres da polícia iraquiana são preparados para assumir o controle do país quando se completar a retirada americana, em 2011.
O exame médico é o primeiro
filtro. A seguir, os candidatos
enfrentam testes físicos e psicotécnicos e têm os antecedentes criminais e políticos submetidos ao serviço secreto.
Quem foi do partido Baath, de
Saddam, ou tem histórico de
militância religiosa ou étnica
tem quase zero chances.
Na última etapa, os candidatos respondem a perguntas de
uma banca de especialistas. A
ideia é detectar terroristas que
queiram se infiltrar na polícia.
Os recrutas moram, treinam
e estudam no complexo que
cerca o Ministério do Interior,
a poucas quadras da Zona Verde, área ultraprotegida que
abriga vários prédios oficiais.
Contrastando com o trânsito
caótico das ruas na volta, a academia tem ares de pacata vila
militar, com prédios amarelos e
marrons de no máximo três andares, estreitos, longos e cercados com telas de arame.
A academia abriga cerca de
9.000 pessoas, incluindo agentes em reciclagem e instrutores. Todas as fardas lembram
uniformes militares. Há gente
de todas as regiões e comunidades étnico-confessionais do
Iraque. As formações variam de
nove meses a três anos.
A Folha viu recrutas marchando em direção a salas de
aula e jovens correndo sob o sol
do meio dia numa pista de treinamento físico que lembra um
grande estacionamento vazio.
Nos prédios, há salas para
aulas teóricas, de inglês e de informática. Um dos maiores orgulhos da casa é o primeiro laboratório de exames de DNA
no Iraque -na versão oficial,
Bagdá comprou parte do equipamento e recebeu outra de
um "um país amigo".
A presença dos EUA é ostensiva. Oficiais americanos caminham pela academia escoltados por seus próprios agentes,
que carregam metralhadoras.
A reportagem contou no local
seis vans brancas das forças especiais de Washington.
O chefe da academia e principal responsável pela formação da nova polícia iraquiana,
major-general Jassim Hassan,
interrompeu a entrevista com
a Folha para receber uma delegação americana. Na conversa
com a reportagem, ele dissera
que os EUA só ajudam em treinamentos especiais e dividem
informações de inteligência.
A academia é a pedra angular
da estratégia de segurança do
governo iraquiano, que prefere
deixar o Exército fora de Bagdá
e das grandes cidades.
Autoridades dizem ter colocado nas ruas do país 500 mil
policiais desde 2003 -o regime
de Saddam tinha efetivo equivalente a 10% disso.
Segundo o governo, metade
dos que trabalharam com o regime anterior continuaram na
polícia. Acredita-se que a outra
metade tenha fugido do país ou
aderido a grupos insurgentes.
Norteada pelos EUA, a nova
polícia recrutou mulheres,
aboliu a tortura (ao menos oficialmente) e comprou equipamentos de ultima geração.
"O norte da mudança é a assimilação de novos valores, como direitos humanos e profissionalismo", diz Jasim Chalab,
um dos chefes da academia. "O
desafio é fazer com que a população confie na sua polícia."
Antes impensáveis, cenas de
motoristas discutindo com
guardas de trânsito ilustram a
mudança. Mas a polícia está sujeita a problemas graves.
Os agentes do governo são
um dos principais alvos dos
atentados. Ao menos 20 mil
policiais morreram em ataques
desde a mudança de regime.
Apesar do aumento nos salários, a corrupção ainda é estrutural. Os últimos atentados em
Bagdá (19 de agosto, 101 mortos) só aconteceram porque
policiais de alguns postos de
controle foram subornados.
Críticos citam a segurança de
Bagdá sob Saddam e dizem valer pouco uma polícia moderna
incapaz de conter a violência.
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