|
Próximo Texto | Índice
SOB NOVA DIREÇÃO / O DIA DA POSSE
Obama chega "mais negro" à Presidência, e EUA, mais tolerantes
Um negro na Casa Branca "é uma coisa radical", disse o democrata, que assume hoje para mandato de quatro anos
Para 26% dos ouvidos em pesquisa feita pelo jornal "Washington Post", questão racial não é mais problema nos EUA; índice é recorde
Jim Young/Reuters
|
|
Obama pinta parede de abrigo para sem-teto em Washington
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Entre as várias correções de
curso que o presidente eleito
dos EUA, Barack Obama, vem
fazendo em relação ao candidato Barack Obama figura a questão racial. Conforme se aproxima o momento da posse, perto
das 12h locais em Washington
de hoje (15h de Brasília), o democrata se torna mais negro e
menos "pós-racial", epíteto
com o qual sua campanha acalmou a maioria branca do eleitorado americano.
Na semana passada, em encontro com o comando editorial do jornal "Washington
Post", o presidente eleito falou
pela primeira vez de maneira
realmente clara sobre o significado de os Estados Unidos estarem a momentos de terem
seu primeiro presidente negro
-não pós-racial ou birracial,
ambos rótulos legítimos, já que
ele é filho de um queniano negro e uma americana branca.
"Há uma geração inteira que
vai crescer achando normal
que o posto mais elevado do
planeta seja ocupado por um
afroamericano", disse ele. "É
uma coisa radical. Muda como
as crianças negras olham para
elas mesmas. Também muda
como crianças brancas olham
para crianças negras. E eu não
subestimaria a força disso."
A tomada de posição tardia
de Obama, 47, chega num dia
historicamente relevante e
num momento histórico único.
Ontem, data da publicação da
entrevista, foi também o Dia de
Martin Luther King, um dos
três feriados nacionais norte-americanos dedicados a uma
pessoa -os outros são ao descobridor Cristóvão Colombo e
ao primeiro presidente do país,
George Washington.
A véspera da posse foi marcada por eventos que lembravam
o aniversário do ativista negro
(1929-1968). "Amanhã [hoje],
nós vamos nos unir como uma
só pessoa no mesmo local em
que o sonho de dr. King ainda
ecoa", disse o presidente eleito,
referindo-se ao discurso "Eu
Tenho Um Sonho", feito em
1963, e ao passeio que liga o
monumento a Washington ao
Capitólio, sede do Legislativo.
Pela manhã, Obama e a mulher, Michelle, visitaram um
hospital para feridos de guerra
na região de Washington, onde
se encontraram com Martin
Luther King 3º, primogênito do
líder religioso assassinado aos
39 anos por um supremacista
branco. Depois, realizaram trabalhos voluntários, entre eles a
pintura de uma parede de um
abrigo para sem-teto pelo presidente eleito, para incentivar o
voluntariado.
Mais tolerante
No mesmo dia, foi divulgada
pesquisa feita pelo "Post" e o
departamento jornalístico da
emissora ABC em que os que
responderam que a questão racial não era mais um problema
no país chegaram a porcentagem recorde. Foram 26% dos
ouvidos, índice 2,5 vezes maior
do que os que responderam da
mesma maneira no início de
1996, último ano do primeiro
mandato de Bill Clinton.
Apesar de os brancos serem
mais otimistas -28% não veem
mais problema racial nos
EUA-, o número de negros que
pensam da mesma maneira
mais do que triplicou, pulando
de 4% em fevereiro de 1996 para 15%. Os índices melhoraram
em todos os quesitos: os negros
atingiram ou atingirão igualdade racial para sete em cada dez
ouvidos em geral e para seis em
cada dez entre os negros.
A pesquisa ouviu 1.079 adultos não identificados por raça e
204 negros entre 13 e 16 de janeiro e tem margem de erro de
três pontos percentuais. No levantamento dos dois veículos
de comunicação, a maior discrepância entre os grupos aparece quando se pergunta se
brancos e negros têm a mesma
chance de conseguir o emprego
para o qual são qualificados.
No geral, 76% diz que sim,
mas o número despenca para
38% entre os negros, ante 83%
entre os brancos. A noção de
que a cor da pele mais escura
exige mais empenho foi resumida com singeleza pela filha
mais velha do casal presidencial. Segundo disse Obama à
CNN no fim de semana, depois
de olhar os discursos de Lincoln no memorial ao 16º presidente, Malia, 10, disse ao pai:
"Primeiro afroamericano. Melhor [o discurso] ser bom".
Obama, que montou um gabinete com 20% de negros
-ante 12,7% da população dos
EUA em geral-, acha que o
maior desafio para a comunidade afrodescendente, e mesmo
latina, passa antes pela situação
econômica. "Se nós acertarmos
na economia, esse será um mecanismo para melhorar as relações raciais", disse, na mesma
entrevista ao "Post".
A partir de hoje, esse mecanismo estará nas mãos de um
negro, o primeiro na história a
ocupar o cargo.
Próximo Texto: Artigo: Um caso em que o homem é a mensagem Índice
|