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HAITI EM RUÍNAS
Entrega caótica de comida é alvo de críticas
ONU reprova estratégias dos EUA e do Brasil para distribuir comida a haitianos e diz que papel de militares é só escolta
Aglomerações são critério para brasileiros entregarem mantimentos; já americanos vêm arremessando víveres de aviões com paraquedas
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
Uma semana depois do terremoto que deixou ao menos 2
milhões de pessoas em situação
de emergência no Haiti, a Minustah (Missão das Nações
Unidas para a Estabilização do
Haiti) ainda não consegue controlar a distribuição de ajuda às
vítimas, pulverizadas em iniciativas unilaterais de ONGs e
de países como Brasil e EUA,
ambos criticados pela coordenadora de ajuda humanitária
da ONU no país, Kim Bolduc.
No caso brasileiro, a distribuição de alimentos e água está
sendo feita sem nenhuma consulta ao Programa Alimentar
Mundial (PAM), encarregado
de planejar a logística da ajuda
internacional. As doações estão
sendo armazenadas na base
militar do país e são redistribuídas a instituições ou em locais selecionados na região sob
responsabilidade brasileira.
Anteontem à noite, a Folha
acompanhou um caminhão da
missão militar brasileira distribuindo alimentos na região da
avenida Jean Jacques Dessalines, a principal de Porto Príncipe, quase completamente devastada e às escuras.
O critério para a distribuição
era a concentração de pessoas
dormindo nas ruas. "Quanto tiver muita gente, paramos", disse o militar encarregado.
As condições de entrega mudavam a cada parada. Na primeira, onde havia pouca gente,
a fila foi ordenada, e a distribuição, tranquila. Já na terceira
parada, onde havia várias dezenas de pessoas, houve empurra-empurra, e os militares tiveram trabalho para controlar
quem tentava furar fila.
"É a primeira vez que recebemos comida desde o terremoto", disse Evodie Vanciné, 57,
que teve forças para carregar a
caixa por 15 metros até uma
tenda sobre o asfalto com quatro crianças, a sua área delimitada por tijolos no chão. Questionada sobre o que vinha comendo desde o terremoto, só
dizia "nada".
Um dos principais problemas foi o peso da caixa, que
traz sardinha em lata, açúcar e
leite em pó, entre outros produtos. Muitas vezes, as mulheres -algumas com filhos no colo- não tinham força para carregar e dependiam da disponibilidade de um soldado.
A organização se dividiu entre filas para "madame" e
"monsieur". "Manger, manger
(comer)", gritavam os soldados, para convocar à fila, formada em poucos minutos
diante do caminhão.
Os militares demonstravam
preocupação para evitar que a
distribuição aglomerasse muita gente. Por isso, cada parada
do comboio não durava mais de
cinco minutos, deixando vários
na fila sem nada.
Questionado se a distribuição parcial não geraria disputas
e violência, um militar respondeu: "Esse é o problema".
Já a distribuição americana,
em escala bem maior, vem sendo feita principalmente por via
aérea. Aviões têm lançado kits
de alimentos e comida com paraquedas, enquanto helicópteros jogam comida em voos rasantes sobre campos abertos.
Embaixo, mostram as imagens
divulgadas pela BBC, quem
corre mais e tem mais força
-geralmente homens- leva
vantagem.
Ontem, dezenas de militares
americanos chegaram de helicóptero ao semidestruído Palácio Nacional, no centro de Porto Príncipe, aparentemente para montar uma base ali.
Já há 5.000 militares americanos no Haiti -número que
deve subir até atingir 13 mil-
enquanto os capacetes azuis
somam 7.200. Pelo memorando assinado com a Minustah,
os americanos participarão
apenas de assistência humanitária, enquanto a ONU continuará a cargo da segurança.
"Presente"
Essas iniciativas individuais
têm sido criticadas pela coordenadora humanitária da ONU
para o Haiti, a canadense Kim
Bolduc, que pediu formalmente a todos os doadores que informem sobre seus locais de
distribuição e exigiu que os
EUA deixem de fazer distribuição aérea para evitar tumulto e
violência. "Nós exigimos dos
EUA que não continuem essa
prática devido à possibilidade
de perder o controle da multidão e de criar problemas de segurança", disse Bolduc, em entrevista à Folha ontem.
Segundo ela, há quatro dias
já houve um incidente em Cité
Soleil, a maior favela do país,
quando funcionários da ONU
testemunharam uma briga generalizada por causa de alimentos jogados do ar.
Bolduc também disse que
não é função da missão militar
brasileira distribuir comida
dentro do organograma da Minustah, e sim do PAM.
"Os militares brasileiros ou
americanos têm de fazer a escolta, proteger. Se eles estão
dando algo às pessoas, isso não
é distribuição de comida, isso é
presentear", afirmou.
"Se a China doar mil toneladas de arroz, que doe ao PAM",
exemplificou. "Estamos há décadas fazendo esse trabalho em
todo o mundo, o Haiti não é o
primeiro lugar. Por que querer
inventar algo novo?"
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