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CRISE
Linha dura fecha escritório do maior partido reformista e dois jornais independentes; eleitor segue apático para a votação de hoje
Irã reprime liberais na véspera da eleição
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A linha dura do Irã intensificou
ontem, véspera da eleição que renovará o Majlis (Parlamento), sua
ofensiva contra o movimento reformista, ordenando o fechamento de um escritório de campanha
do maior partido liberal do país, a
Frente de Participação do Irã Islâmico (FPII), e o bloqueio de seu
recém-criado site na internet.
A atual crise política iraniana teve início em janeiro, quando o
Conselho de Guardiães, órgão
que zela pelo respeito à Constituição no Irã, cujos 12 membros (clérigos e juristas) foram apontados
pelo aiatolá Ali Khamenei, o líder
supremo do país, bloqueou a candidatura de milhares de reformistas ao pleito legislativo de hoje.
Depois de uma intervenção de
Khamenei, o conselho decidiu
voltar atrás em centenas de casos,
mas ainda negou o pedido de candidatura de cerca de 2.500 liberais. Desde o anúncio dessa decisão final do órgão, 1.179 reformistas abandonaram a disputa.
As medidas contra a FPII, que é
liderada por Mohammad Reza
Khatami -irmão do presidente
do Irã, o reformista moderado
Mohammad Khatami-, foram
tomadas um dia depois do fechamento de dois jornais independentes, o "Yas-e No" e o "Sharq",
e de um site independente, o
Rouydad. Eles foram punidos
porque publicaram uma carta dos
liberais, enviada a Khamenei,
com duras críticas ao regime.
Para Olivier Roy, diretor do Laboratório Mundo Iraniano do
Centro Nacional de Pesquisa
Científica, da França, os "conservadores pragmáticos" deram início à recente ofensiva contra os
reformistas porque querem "recuperar a maioria no Parlamento
a qualquer custo". Em 2000, o bloco liberal conquistou cerca de
70% dos postos no Majlis.
"Há duas categorias de conservadores: os dogmáticos, como o
líder supremo, que não suportam
a oposição por princípio, e os
pragmáticos, como o ex-presidente Hashemi Rafsanjani, que
crêem que a reforma do regime
seja necessária, mas querem introduzi-la à sua maneira. Para
tanto, os pragmáticos precisam
de uma maioria confortável no
Parlamento", analisou Roy.
O Irã vive, na prática, uma crise
institucional desde que Khatami
foi eleito presidente, em 1997. Afinal, segundo a iraniana Shireen
Hunter, do Centro para Estudos
Estratégicos e Internacionais, dos
EUA, "a linha dura bloqueia as
iniciativas do presidente desde
então e as do Parlamento liderado
pelos reformistas desde 2000".
A crise pôs Khatami numa situação delicada. Afinal, boa parte
de sua base de apoio popular,
constituída sobretudo por jovens
(por volta de 60% da população
do Irã tem menos de 30 anos), não
mais crê que ele tenha coragem de
enfrentar os conservadores.
"O presidente perdeu credibilidade aos olhos da população.
Muita gente já diz que tudo o que
ele quer é permanecer no poder.
Ele não tem muita margem de
manobra. Contudo poderia impedir a realização da eleição, o
que geraria uma crise constitucional, que é algo mais grave. Mas
preferiu apenas criticar a linha
dura e autorizar seu partido a participar do pleito", apontou Roy.
De fato, Khatami se limitou a dizer que "o despotismo e a imposição de idéias" levariam à "corrupção". "A liberdade e um ambiente
de livre escolha podem até causar
alguns males, mas cultivam a virtude", acrescentou o presidente.
Ora, para os milhões de iranianos que comemoraram nas ruas
suas duas vitórias -em 1997 e em
2001- e a conquista da maioria
no Majlis pelos reformistas -em
2000-, a retórica conciliadora de
Khatami não é mais suficiente,
pois faltam mudanças concretas.
Apatia popular
Apesar da grave crise política, a
maioria da população parece permanecer indiferente. Levantamentos informais indicam que o
comparecimento às urnas deverá
ser muito baixo hoje. Há quatro
anos, 67% do eleitorado, composto por cerca de 46 milhões de iranianos de 15 anos de idade ou
mais, votou. Mas as eleições municipais de 2003 só foram prestigiadas por 15% dos eleitores.
Em tese, os liberais poderiam
exortar a população a sublevar-se
contra o regime. No entanto, como salientou Roy, "os reformistas
não são revolucionários". E, se os
"conservadores pragmáticos" inserirem certas reformas liberalizantes na pauta do Legislativo, o
eleitorado poderá aceitar uma
mudança gradual do regime.
Os analistas ouvidos pela Folha
divergem quanto ao desfecho da
crise atual. Segundo Saeid Zahed,
da Universidade de Shiraz, do Irã,
"ela acabará junto com o fechamento das urnas hoje". "O respeito às leis e às regras da democracia
são a solução para a crise."
Para Hunter, o regime islâmico
vem ruindo desde a morte do aiatolá Khomeini (1989). "A crise só
vai acelerar sua queda."
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