São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

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Fidel renuncia

Ditador alega razão de saúde para pôr formalmente fim a 49 anos de poder no único país comunista da América Latina

Anúncio, que saiu em jornal estatal, não foi comentado pelos demais dirigentes; sucessão será decidida por deputados a partir do dia 24


DA REDAÇÃO

O ditador Fidel Alejandro Castro Ruz, 81, anunciou ontem que renunciava à presidência do Conselho de Estado cubano, equivalente à Presidência da República, e ao posto de comandante-em-chefe das Forças Armadas. Em mensagem publicada pelo jornal "Granma", disse não ter mais condições físicas para exercer os dois cargos.
Ele estava afastado de fato desde o final de julho de 2006, quando se submeteu a uma cirurgia abdominal. Desde então não compareceu a nenhuma cerimônia pública. Sua mensagem de ontem formaliza o desfecho de mais de 49 anos no comando do único país comunista latino-americano.

Sucessão no dia 24
No próximo dia 24 toma posse o novo Parlamento, escolhido por um regime que não tolera partidos de oposição. Ele terá agora por missão indicar uma nova cúpula do governo. Cuba vem sendo governada nos últimos 18 meses por Raúl Castro, 76, irmão do ditador e ministro da Defesa.
Formalmente Fidel continua a ser deputado. Não esclareceu, em sua mensagem, se também abria mão do posto de primeiro-secretário do Partido Comunista. Mas anunciou que sua ambição é a partir de agora "combater apenas como soldado das idéias", publicando periodicamente "reflexões", já reproduzidas pela mídia oficial desde março do ano passado.
Em sua mensagem de 1.033 palavras o ditador lembra que foi primeiro-ministro por quase 18 anos -ele ocupou o cargo entre 16 de fevereiro de 1959, seis semanas depois que seus guerrilheiros derrubaram a ditadura pró-americana de Fulgencio Batista, até dezembro de 1976, tornando-se presidente nos 30 anos seguintes.
Fidel era em termos mundiais, e sem contar os monarcas coroados, o governante há mais tempo no poder. Precedeu em nove anos o ditador do Gabão, Omar Bongo, em dez o líbio Muammar Gaddafi, e em 20 o das Maldivas, arquipélago do Índico, Maumoon Gayoom.
Aliado da hoje extinta União Soviética durante a Guerra Fria, Fidel foi objeto de tentativas de derrubá-lo de dez sucessivos governantes americanos. A mais dramática foi a fracassada invasão da baía dos Porcos, em 1961, durante o governo do presidente John Kennedy.
Apesar de bons indicadores sociais -baixa mortalidade infantil, altos índices de alfabetização- a Cuba de Fidel constitui unanimidade nos relatórios de entidades de direitos humanos, que condenam o regime pela falta de liberdades política e de expressão e pela repressão aos dissidentes internos.
Phil Peters, especialista em questões cubanas no Instituto Lexington, dos Estados Unidos, disse ontem que "Fidel está deixando o poder nas condições que ele próprio escolheu. Não houve invasão externa, operação clandestina, novo embargo, radicalização das sanções econômicas ou novas iniciativas americanas".
Em sua mensagem, o ditador disse que há um ano e meio, ao ser operado, seus colegas na direção do partido e do Estado "relutaram em me considerar afastado", apesar "do estado precário de minha saúde". Mencionou os Estados Unidos, "um adversário que fez tudo de imaginável para se livrar de mim, e eu de maneira nenhuma gostaria de satisfazê-lo".
Citou uma carta endereçada ao apresentador de um programa da TV cubana. Nela afirmou que "meu dever fundamental não é me aferrar a cargos, e muito menos obstruir a ascensão de pessoas mais jovens, e sim contribuir com experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional em que me coube viver".
Disse em seguida pensar como o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer: "É preciso ser conseqüente até o final."

Havana
As emissoras cubanas de rádio e TV não interromperam sua programação e nem homenagearam Fidel como o fariam se ele estivesse morto. Limitaram-se a reproduzir nos noticiários trechos da mensagem em que ele anunciou seu afastamento formal.
Com certa indiferença, Esther, professor aposentada, disse em Havana que, para ela, é como se Fidel já estivesse há mais tempo aposentado, e que as coisas em Cuba prosseguiriam do mesmo jeito. "Ele não fala mais, mas escreve."
Já Alba, 67, enfermeira aposentada, disse à France Presse que esperava que Fidel fosse presidente por toda a vida e que "morreria com as botas nos pés". "Fidel está saindo? Impossível", foi a reação de Dayron Clavellon, 20. "Sabíamos que isso aconteceria, mas só agora estamos realmente sentido o impacto", afirmou ele.


Com agências internacionais


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