São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

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Lula afirma que futuro só pertence aos cubanos

Presidente elogia "transição pacífica" e diz que Fidel Castro é "único mito vivo"

Para ministros brasileiros, haverá renovação política e abertura econômica na ilha; vice-presidente pede que "democracia prevaleça"

JANAINA LAGE
ENVIADA ESPECIAL A VITÓRIA

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Lula defendeu ontem que o povo cubano defina o seu próprio regime político após o anúncio da renúncia de Fidel Castro. "Se cada um tomar conta do seu nariz, já está bom demais. O que complica é quando a gente começa a dar palpite nas coisas dos outros. Acho que os cubanos têm maturidade para resolver todos os seus problemas sem precisar da ingerência brasileira ou americana", disse Lula.
A iniciativa de Fidel de renunciar ao poder foi elogiada pelo presidente, que destacou uma transição sem conflitos na ilha. "O grande mito continua. Fidel é o único mito vivo na história da humanidade. Acho que ele construiu isso à custa de muita competência, de muito caráter, força de vontade, muita divergência e muita polêmica", disse.
Lula afirmou que já havia percebido na visita a Cuba, no início do ano, que Fidel cogitava a renúncia: "Eu tive a impressão, sentia que ele estava analisando a situação política e querendo criar as condições para que isso pudesse acontecer". As declarações de Lula foram feitas em conversa com jornalistas na manhã de ontem, durante visita ao gasoduto Cabiúnas-Vitória.
Lula elogiou o irmão de Fidel Raúl Castro, que exerce o comando do país desde julho de 2006. Lula afirmou que já o havia convidado para vir ao Brasil e que pretende reiterar o convite em breve.

Amante da revolução
Lula destacou o relacionamento próximo com Fidel Castro e disse que sua geração se transformou em uma "amante da Revolução Cubana". Lula lembrou que, após perder as eleições presidenciais em 1989 para Fernando Collor, recebeu uma visita do ditador. "Quando ele veio para a posse do Collor, participou do ato oficial e foi a São Bernardo para almoçar comigo, numa deferência que para mim é inesquecível."
O presidente afirmou que espera continuar mantendo contato com Fidel porque ele "ainda vai viver muito tempo". Disse que há uma missão de Cuba fazendo treinamento com a Petrobras e que em breve deverão ser assinados acordos entre os países nas áreas de saúde, construção de estradas e recuperação da estrutura hoteleira.
Outros integrantes da cúpula do governo brasileiro aderiram ao coro dos elogios ao ditador. O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que Fidel Castro é "uma figura mítica da nossa época, assim como foi Nelson Mandela, que soube renovar a revolução sul-africana no momento adequado".
Genro elogiou a escolha de Fidel de se retirar do poder. "Foi uma decisão madura, não só porque suas condições de saúde apontam para a necessidade de sua retirada mas também porque tudo indica que está em curso, em Cuba, um processo de renovação política."

Amorim
O chanceler Celso Amorim afirmou, em entrevista exclusiva à Folha, que "não haverá nenhuma mudança drástica em Cuba" após a saída de cena de Fidel Castro. "Ele continuará a fazer suas reflexões e a escrever, mas essa saída do plano mais imediato naturalmente gerará mudanças de estilo, e mudanças de estilo não deixarão de ter sua importância."
O ministro, que conversou com a reportagem por telefone, se disse otimista sobre o futuro da ilha. "Há uma visão, sobretudo do ponto de vista econômico, bastante pragmática na liderança com quem tivemos contato durante a recente visita do presidente Lula. Isso vai levar a uma intensificação ainda maior das relações, sobretudo nos aspectos econômico e comercial", disse Amorim.
Amorim culpa o embargo comercial imposto pelos Estados Unidos a Cuba por muitos dos problemas que afetam o país e destacou que o futuro dos cubanos depende em grande parte da eleição presidencial americana, no fim do ano ano.
"Grande parte do que ocorre ou deixa de ocorrer em Cuba é resultado do embargo. É uma via de duas mãos. Vamos esperar para ver o que ocorre nos EUA, que também estão em fase de mudança de governo. Se for possível um diálogo, será bom para todo mundo", disse o chanceler brasileiro.
Um dos poucos que mencionaram o autoritarismo de Fidel foi o vice-presidente, José Alencar. "Sua saída pode abrir realmente oportunidades para que o regime democrático prevaleça naquele país."


Com a Sucursal de Brasília


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