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São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

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ANÁLISE

Saddam será derrotado em terra

MICHAEL O'HANLON
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

De acordo com uma linha de raciocínio, as forças britânicas e norte-americanas estão preparadas para uma vitória fácil sobre o Exército de Saddam Hussein, graças à sua alta tecnologia e excelência nos bombardeios de precisão. Outros temem uma espécie de Mogadício escrito em maiúsculas -uma situação como a que as tropas norte-americanas experimentaram na Somália em 1993, mas em escala muito superior. Mas tanto as previsões de vitória facílima quanto as de atoleiro bélico estão provavelmente erradas.
Começou uma grande ofensiva contra as forças iraquianas. Talvez haja dois dias de bombardeio aéreo intensivo antes que as tropas terrestres britânicas e norte-americanas comecem a avançar rumo ao norte, para Bagdá, muito rapidamente, depois do início do conflito. A maior probabilidade é a de que a guerra culmine em uma batalha por Bagdá, a começar em prazo de cinco dias a duas semanas depois que as primeiras bombas forem lançadas contra as tropas iraquianas. É possível que a guerra acabe em um mês.
O poderio aéreo, embora crucial para o sucesso da operação, provavelmente não desempenhará papel tão dominante quanto o fez durante a operação Tempestade no Deserto, em 1991. As frustrações da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao combater a Sérvia em 1999 podem servir como uma orientação melhor; a Otan venceu a guerra sem prejudicar muito as forças sérvias em Kosovo. Nossa arma aérea mais precisa no momento, a bomba orientada por laser, é virtualmente a mesma de que dispúnhamos no conflito de 1991. Sistemas inovadores, tais como as bombas orientadas pelo sistema de satélite GPS (conhecidas como Joint Direct Attack Munitions, ou JDAMs), oferecem capacidade de ataque em todos os climas, mas tipicamente erram seus alvos por margens de cinco ou dez metros, e podem sofrer margens de erro ainda maiores caso sejam alvo de interferência de parte dos inimigos. Quando usadas contra alvos militares dispersos em meio a um ambiente civil, esse nível de precisão, combinado às dimensões consideráveis das ogivas de que essas armas são dotadas, limita a utilidade desse tipo de projétil.
Os veículos aéreos não tripulados podem obter imagens de televisão sobre os principais alvos a serem atacados. Mas o número limitado desses veículos que está disponível e a falta de frequências de rádio para o envio dos dados obtidos de volta para a base do aparelho fazem deles, na melhor das hipóteses, uma ferramenta para propósitos especiais. Os aviões de combate norte-americanos e britânicos poderão voar mais baixo do que em 1999, mas teriam de enfrentar cerca de 6.000 canhões das defesas antiaéreas iraquianas, além de 1.500 lançadores de mísseis antiaéreos (incluídas as armas portáteis). Mesmo assim, seria difícil encontrar, do ar, alvos em ambiente urbano.
Mas, embora a batalha por Bagdá não deva ser trivial, ela tampouco fará com que as tropas terrestres norte-americanas e britânicas fiquem numa situação de impasse. Os soldados usarão a velocidade e assaltos noturnos simultâneos e aproveitarão seus equipamentos de visão noturna avançados, o apoio de helicópteros e seu bom equipamento de proteção contra armas químicas, bem como redes de informação em tempo real. Acima de tudo, os EUA e o Reino Unido se beneficiarão da notável qualidade de suas tropas e de um plano de batalha muito bem ensaiado.
O melhor modelo para esse tipo de "blitzkrieg urbana", se bem que travada em escala menor, é a invasão dos Estados Unidos ao Panamá em 1989. Cerca de 22,5 mil soldados norte-americanos tomaram parte da operação. O ataque envolvia operações de desembarque aéreo noturno contra 27 alvos em todo o país. Unidades de forças especiais se infiltraram em alvos importantes pouco antes dos assaltos aeroterrestres que tomaram a infra-estrutura de comunicações panamenha, para impedir que as tropas do Panamá reforçassem os pontos sob ataque. O assalto maciço e simultâneo sobrepujou com facilidade os 4.400 soldados das forças de defesa panamenhas e os milhares de combatentes paramilitares que estavam disponíveis. Vinte e três norte-americanos morreram, bem como cerca de 125 soldados panamenhos e entre 500 e 600 civis.
Haverá perigos em um plano de ataque como esse, evidentemente, como sublinha a experiência norte-americana em Mogadício em 1993. Os Estados Unidos perderam 18 soldados em uma luta de soldados contra uma milícia oposicionista improvisada equipada com armas automáticos, granadas propelidas a foguete e minas, mas não muito mais que isso. Dois helicópteros norte-americanos foram derrubados por granadas propelidas a foguete; novas baixas norte-americanas foram sofridas nos esforços de resgate em terra subsequentes. Esses helicópteros e unidades terrestres estariam no mínimo igualmente vulneráveis diante dos mísseis e artilharia antiaérea e das armas antitanque iraquianas.
No entanto o fiasco da operação de Mogadício não se repetirá, mesmo que as forças de elite iraquianas combatam com ardor. Usando a cobertura da noite, as forças norte-americanas e britânicas estarão menos vulneráveis a fogo antiaéreo e antitanque. Apenas 2.000 soldados norte-americanos estavam presentes na Somália, e destes apenas 160 participaram da fatídica missão. Os ataques a Bagdá com certeza envolverão centenas de soldados para a tomada de cada objetivo (na medida em que seja necessário capturar e não destruir determinados alvos), com milhares de outros combatentes disponíveis para apoio.
O mais difícil de prever é o vigor da resistência iraquiana depois que a estrutura de comando das Forças Armadas do país for esmagada nessa blitzkrieg urbana. Os combates de casa em casa podem ser intensos, em determinados pontos. Mas o mais provável é que não mais que algumas dezenas de milhares de soldados das unidades de elite de Saddam continuem a combater depois que estiverem isolados de sua autoridade. As baixas norte-americanas e britânicas podem passar das centenas e chegar à casa dos milhares, mas a batalha por Bagdá quase certamente não vai durar mais que uma ou duas semanas. E os heróis do combate serão os soldados norte-americanos e britânicos, e não a tecnologia avançada ou planos de batalha ousados.


Michael O'Hanlon é pesquisador sênior do Brookings Institute (EUA)


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