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ANÁLISE
Saddam será derrotado em terra
MICHAEL O'HANLON
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
De acordo com uma linha de raciocínio, as forças britânicas e
norte-americanas estão preparadas para uma vitória fácil sobre o
Exército de Saddam Hussein, graças à sua alta tecnologia e excelência nos bombardeios de precisão.
Outros temem uma espécie de
Mogadício escrito em maiúsculas
-uma situação como a que as
tropas norte-americanas experimentaram na Somália em 1993,
mas em escala muito superior.
Mas tanto as previsões de vitória
facílima quanto as de atoleiro bélico estão provavelmente erradas.
Começou uma grande ofensiva
contra as forças iraquianas. Talvez haja dois dias de bombardeio
aéreo intensivo antes que as tropas terrestres britânicas e norte-americanas comecem a avançar
rumo ao norte, para Bagdá, muito
rapidamente, depois do início do
conflito. A maior probabilidade é
a de que a guerra culmine em uma
batalha por Bagdá, a começar em
prazo de cinco dias a duas semanas depois que as primeiras bombas forem lançadas contra as tropas iraquianas. É possível que a
guerra acabe em um mês.
O poderio aéreo, embora crucial para o sucesso da operação,
provavelmente não desempenhará papel tão dominante quanto o
fez durante a operação Tempestade no Deserto, em 1991. As frustrações da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao
combater a Sérvia em 1999 podem
servir como uma orientação melhor; a Otan venceu a guerra sem
prejudicar muito as forças sérvias
em Kosovo. Nossa arma aérea
mais precisa no momento, a
bomba orientada por laser, é virtualmente a mesma de que dispúnhamos no conflito de 1991. Sistemas inovadores, tais como as
bombas orientadas pelo sistema
de satélite GPS (conhecidas como
Joint Direct Attack Munitions, ou
JDAMs), oferecem capacidade de
ataque em todos os climas, mas tipicamente erram seus alvos por
margens de cinco ou dez metros,
e podem sofrer margens de erro
ainda maiores caso sejam alvo de
interferência de parte dos inimigos. Quando usadas contra alvos
militares dispersos em meio a um
ambiente civil, esse nível de precisão, combinado às dimensões
consideráveis das ogivas de que
essas armas são dotadas, limita a
utilidade desse tipo de projétil.
Os veículos aéreos não tripulados podem obter imagens de televisão sobre os principais alvos a
serem atacados. Mas o número limitado desses veículos que está
disponível e a falta de frequências
de rádio para o envio dos dados
obtidos de volta para a base do
aparelho fazem deles, na melhor
das hipóteses, uma ferramenta
para propósitos especiais. Os
aviões de combate norte-americanos e britânicos poderão voar
mais baixo do que em 1999, mas
teriam de enfrentar cerca de 6.000
canhões das defesas antiaéreas
iraquianas, além de 1.500 lançadores de mísseis antiaéreos (incluídas as armas portáteis). Mesmo assim, seria difícil encontrar,
do ar, alvos em ambiente urbano.
Mas, embora a batalha por Bagdá não deva ser trivial, ela tampouco fará com que as tropas terrestres norte-americanas e britânicas fiquem numa situação de
impasse. Os soldados usarão a velocidade e assaltos noturnos simultâneos e aproveitarão seus
equipamentos de visão noturna
avançados, o apoio de helicópteros e seu bom equipamento de
proteção contra armas químicas,
bem como redes de informação
em tempo real. Acima de tudo, os
EUA e o Reino Unido se beneficiarão da notável qualidade de
suas tropas e de um plano de batalha muito bem ensaiado.
O melhor modelo para esse tipo
de "blitzkrieg urbana", se bem
que travada em escala menor, é a
invasão dos Estados Unidos ao
Panamá em 1989. Cerca de 22,5
mil soldados norte-americanos
tomaram parte da operação. O
ataque envolvia operações de desembarque aéreo noturno contra
27 alvos em todo o país. Unidades
de forças especiais se infiltraram
em alvos importantes pouco antes dos assaltos aeroterrestres que
tomaram a infra-estrutura de comunicações panamenha, para
impedir que as tropas do Panamá
reforçassem os pontos sob ataque. O assalto maciço e simultâneo sobrepujou com facilidade os
4.400 soldados das forças de defesa panamenhas e os milhares de
combatentes paramilitares que
estavam disponíveis. Vinte e três
norte-americanos morreram,
bem como cerca de 125 soldados
panamenhos e entre 500 e 600 civis.
Haverá perigos em um plano de
ataque como esse, evidentemente,
como sublinha a experiência norte-americana em Mogadício em
1993. Os Estados Unidos perderam 18 soldados em uma luta de
soldados contra uma milícia oposicionista improvisada equipada
com armas automáticos, granadas propelidas a foguete e minas,
mas não muito mais que isso.
Dois helicópteros norte-americanos foram derrubados por granadas propelidas a foguete; novas
baixas norte-americanas foram
sofridas nos esforços de resgate
em terra subsequentes. Esses helicópteros e unidades terrestres estariam no mínimo igualmente
vulneráveis diante dos mísseis e
artilharia antiaérea e das armas
antitanque iraquianas.
No entanto o fiasco da operação
de Mogadício não se repetirá,
mesmo que as forças de elite iraquianas combatam com ardor.
Usando a cobertura da noite, as
forças norte-americanas e britânicas estarão menos vulneráveis a
fogo antiaéreo e antitanque. Apenas 2.000 soldados norte-americanos estavam presentes na Somália, e destes apenas 160 participaram da fatídica missão. Os ataques a Bagdá com certeza envolverão centenas de soldados para a
tomada de cada objetivo (na medida em que seja necessário capturar e não destruir determinados
alvos), com milhares de outros
combatentes disponíveis para
apoio.
O mais difícil de prever é o vigor
da resistência iraquiana depois
que a estrutura de comando das
Forças Armadas do país for esmagada nessa blitzkrieg urbana. Os
combates de casa em casa podem
ser intensos, em determinados
pontos. Mas o mais provável é
que não mais que algumas dezenas de milhares de soldados das
unidades de elite de Saddam continuem a combater depois que estiverem isolados de sua autoridade. As baixas norte-americanas e
britânicas podem passar das centenas e chegar à casa dos milhares,
mas a batalha por Bagdá quase
certamente não vai durar mais
que uma ou duas semanas. E os
heróis do combate serão os soldados norte-americanos e britânicos, e não a tecnologia avançada
ou planos de batalha ousados.
Michael O'Hanlon é pesquisador sênior
do Brookings Institute (EUA)
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