São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Relatório revela "sala de tortura" dos EUA no país

ERIC SCHMITT
CAROLYN MARSHALL

DO "NEW YORK TIMES"

Como a resistência iraquiana estava se intensificando no início de 2004, uma unidade de elite de Operações Especiais converteu uma das antigas bases militares de Saddam Hussein em um centro de detenção ultra-secreto. Lá, os soldados norte-americanos transformaram uma das câmaras de tortura do ex-ditador iraquiano em sua própria sala de torturas. Chamam-na de Sala Negra.
Nessa sala sem janelas, alguns soldados davam coronhadas nos prisioneiros, cuspiam em suas rostos e, em uma área próxima, usavam detentos como alvo em jogo de paintball (simulação de combate por meio de armas carregadas de tinta).
A intenção dos soldados era extrair informações para ajudá-los a caçar os terroristas mais procurados do Iraque, como Abu Musab al Zarqawi, segundo funcionários do Departamento dA Defesa que serviram na unidade.
A Sala Negra fazia parte de um campo de detenção temporária em Camp Nama, os quartéis-generais secretos de unidade militar conhecida como Força Tarefa 6-26. Situado no Aeroporto Internacional de Bagdá, o campo era a primeira parada para muitos insurgentes em seu caminho para a prisão de Abu Ghraib, algumas milhas adiante.
Placas colocadas pelos soldados na área de detenção advertiam: "Sem sangue, sem violação". De acordo com especialistas do Pentágono que trabalharam na unidade, freqüentemente prisioneiros de Camp Nama desapareciam em um buraco escuro usado para detenção e cujo acesso era proibido a advogados ou parentes, chegando a ficar confinados por semanas. "A realidade é que lá não havia regras", disse uma autoridade do Pentágono.

Advertências
O relatório sobre a Força Tarefa 6-26, baseado em documentos e entrevistas com dezenas de pessoas, é a primeira descrição detalhada de como a unidade de contraterrorismo mais bem treinada dos EUA cometeu sérios abusos.
Ele vem se juntar ao quadro de práticas interrogatórias severas utilizadas em prisões militares norte-americanas, como a de Guantánamo, em Cuba, assim como nos centros de detenção secretos da CIA espalhados pelo mundo. O novo relatório ajuda a negar as afirmações do Pentágono segundo as quais os abusos nas prisões estariam restritos a um pequeno número de reservistas em Abu Ghraib.
Os abusos em Camp Nama prosseguiram apesar das advertências do Exército e da inteligência dos EUA, iniciadas em agosto de 2003. Para uma unidade de elite que não ultrapassa mil pessoas, a Força Tarefa 6-26 tem um grande número de soldados punidos por abusos contra detentos. Desde 2003, 34 foram punidos por maltratarem prisioneiros, e pelo menos 11 foram afastados.

Choque cultural
Algumas das acusações sérias contra a Força Tarefa 6-26 têm sido relatadas nos últimos 16 meses por órgãos de comunicação dos EUA. Muitos detalhes vieram à tona em documentos requisitados pela União Americana pelas Liberdades Civis.
Reunidos pela primeira vez, os documentos e entrevistas com civis e militares do Departamento da Defesa e de outros órgãos federais fornecem o retrato mais detalhado já feito do campo secreto e do funcionamento da unidade clandestina.
Os documentos e entrevistas também refletem um choque cultural entre os comandantes militares e os civis -mais cuidadosos- do Pentágono que trabalham com eles.
A maior parte das pessoas entrevistadas era de civis e militares que ocupavam cargos médios no Departamento da Defesa e que trabalhavam com a Força Tarefa 6-26. Eles afirmaram ter testemunhado abusos ou terem sido notificados a respeito deles. Foi garantido o anonimato a todos que concordaram em falar, de modo a encorajá-los a expressar-se sem medo de retaliação.


Texto Anterior: "Sair é como dar Alemanha aos nazistas"
Próximo Texto: Religião: Afegão é julgado por virar cristão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.