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EUROPA
Apesar dos protestos há vários dias, o primeiro-ministro diz que não vai desistir de polêmica medida trabalhista
Governo francês resiste à pressão sobre lei
JOHN LICHFIELD
DO "INDEPENDENT", EM PARIS
Depois de um fim de semana de
fortes manifestações estudantis, o
governo francês está diante da
possibilidade de uma séria crise
social que talvez só possa ser evitada com a suspensão da nova lei
do primeiro emprego. Ontem,
porém, o primeiro-ministro Dominique de Villepin disse lamentar a incompreensão, mas que
não voltará atrás.
Pesquisa do instituto BVA divulgada ontem pelo "Nouvel Observateur", diz que 60% dos franceses querem a suspensão da lei.
Prevendo a possibilidade de capitalizar politicamente o episódio,
líderes sindicais consideram organizar uma greve nacional.
Mais de 500 mil estudantes, centrais sindicais e simpatizantes da
causa se reuniram em marchas
pacíficas em 160 cidades no último sábado. Em Paris, foram seis
horas de manifestações. Uma delas, nos arredores da praça De la
Nation, na região leste da capital,
pareceu envolver gangues multirraciais de subúrbios mais pobres e
terminou com carros queimados
e vitrines de lojas quebradas.
Num outro tumulto, próximo
da Sorbonne, estudantes entraram em conflito com a polícia na
tentativa de entrar na universidade. Houve 167 prisões, e cerca de
cem pessoas ficaram feridas.
A imagem dos incêndios e o
cheiro de gás lacrimogêneo na região inevitavelmente traziam à
mente as memórias de estudantes
e trabalhadores parisienses no
Maio de 68. Comentaristas políticos e sociais -e até líderes de
1968, como Daniel Cohn-Bendit- insistem que a dinâmica do
atual movimento é bem diferente.
Isso, no entanto, não o torna
mais fácil de controlar. Em 1968, a
França era economicamente
próspera, mas reprimida socialmente por dez anos de conservadorismo gaullista. Estudantes
franceses, influenciados pela cultura jovem norte-americana,
acreditavam estar lutando por
uma sociedade mais livre e menos
repressiva. O protesto começou
porque eles queriam poder passar
a noite com os namorados em
seus dormitórios estudantis.
A França sofre, há mais de duas
décadas, com a alta taxa de desemprego, sobretudo entre os jovens. Os protestos são, de alguma
forma, uma manifestação conservadora e introspectiva. Os estudantes exigem as mesmas garantias trabalhistas a que seus pais
têm direito. Longe da liberdade
inspirada em costumes estrangeiros, muitos jovens franceses
-como na rejeição à Constituição única da UE, em 2005- são
hostis às nações ultracapitalistas.
Os protestos começaram com a
tentativa de Villepin de resolver o
crônico problema de desemprego
entre os jovens, fazendo com que
fique mais fácil para o empregador contratar e demitir jovens
com menos de 26 anos.
A nova lei é direcionada principalmente para jovens não-qualificados das periferias pobres, onde
o desemprego é de 70%, e não para os estudantes que integraram
os protestos. Eles, no sistema
francês, não estão prontos para
procurar o primeiro emprego antes dos 26 anos. Protestaram por
uma espécie de raiva transferida.
São parte de um sistema de "segunda classe" de educação superior, menos subsidiada e valorizada que o de universidades de elite.
Eles sabem que têm pouca chance
de conseguir emprego. A nova lei,
sendo voltada para eles ou não, se
tornou o símbolo do que vêem
como exclusão de privilégios.
O presidente Jacques Chirac
convocou uma consulta urgente
com os sindicatos trabalhistas sobre a nova lei na semana passada.
Mas os sindicatos -inclusive os
mais moderados- se recusam a
atendê-lo até que a lei seja cancelada ou, pelo menos, suspensa.
Se Villepin retroceder, suas
chances de concorrer à Presidência estarão destruídas. Os sindicatos e os políticos de centro-esquerda sabem disso e têm esperança esperança de que o sentimento despertado com os protestos vão virar o jogo a seu favor.
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