São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2006

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EUROPA

Apesar dos protestos há vários dias, o primeiro-ministro diz que não vai desistir de polêmica medida trabalhista

Governo francês resiste à pressão sobre lei

JOHN LICHFIELD
DO "INDEPENDENT", EM PARIS

Depois de um fim de semana de fortes manifestações estudantis, o governo francês está diante da possibilidade de uma séria crise social que talvez só possa ser evitada com a suspensão da nova lei do primeiro emprego. Ontem, porém, o primeiro-ministro Dominique de Villepin disse lamentar a incompreensão, mas que não voltará atrás.
Pesquisa do instituto BVA divulgada ontem pelo "Nouvel Observateur", diz que 60% dos franceses querem a suspensão da lei.
Prevendo a possibilidade de capitalizar politicamente o episódio, líderes sindicais consideram organizar uma greve nacional.
Mais de 500 mil estudantes, centrais sindicais e simpatizantes da causa se reuniram em marchas pacíficas em 160 cidades no último sábado. Em Paris, foram seis horas de manifestações. Uma delas, nos arredores da praça De la Nation, na região leste da capital, pareceu envolver gangues multirraciais de subúrbios mais pobres e terminou com carros queimados e vitrines de lojas quebradas.
Num outro tumulto, próximo da Sorbonne, estudantes entraram em conflito com a polícia na tentativa de entrar na universidade. Houve 167 prisões, e cerca de cem pessoas ficaram feridas.
A imagem dos incêndios e o cheiro de gás lacrimogêneo na região inevitavelmente traziam à mente as memórias de estudantes e trabalhadores parisienses no Maio de 68. Comentaristas políticos e sociais -e até líderes de 1968, como Daniel Cohn-Bendit- insistem que a dinâmica do atual movimento é bem diferente.
Isso, no entanto, não o torna mais fácil de controlar. Em 1968, a França era economicamente próspera, mas reprimida socialmente por dez anos de conservadorismo gaullista. Estudantes franceses, influenciados pela cultura jovem norte-americana, acreditavam estar lutando por uma sociedade mais livre e menos repressiva. O protesto começou porque eles queriam poder passar a noite com os namorados em seus dormitórios estudantis.
A França sofre, há mais de duas décadas, com a alta taxa de desemprego, sobretudo entre os jovens. Os protestos são, de alguma forma, uma manifestação conservadora e introspectiva. Os estudantes exigem as mesmas garantias trabalhistas a que seus pais têm direito. Longe da liberdade inspirada em costumes estrangeiros, muitos jovens franceses -como na rejeição à Constituição única da UE, em 2005- são hostis às nações ultracapitalistas.
Os protestos começaram com a tentativa de Villepin de resolver o crônico problema de desemprego entre os jovens, fazendo com que fique mais fácil para o empregador contratar e demitir jovens com menos de 26 anos.
A nova lei é direcionada principalmente para jovens não-qualificados das periferias pobres, onde o desemprego é de 70%, e não para os estudantes que integraram os protestos. Eles, no sistema francês, não estão prontos para procurar o primeiro emprego antes dos 26 anos. Protestaram por uma espécie de raiva transferida. São parte de um sistema de "segunda classe" de educação superior, menos subsidiada e valorizada que o de universidades de elite. Eles sabem que têm pouca chance de conseguir emprego. A nova lei, sendo voltada para eles ou não, se tornou o símbolo do que vêem como exclusão de privilégios.
O presidente Jacques Chirac convocou uma consulta urgente com os sindicatos trabalhistas sobre a nova lei na semana passada. Mas os sindicatos -inclusive os mais moderados- se recusam a atendê-lo até que a lei seja cancelada ou, pelo menos, suspensa.
Se Villepin retroceder, suas chances de concorrer à Presidência estarão destruídas. Os sindicatos e os políticos de centro-esquerda sabem disso e têm esperança esperança de que o sentimento despertado com os protestos vão virar o jogo a seu favor.


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