São Paulo, sábado, 20 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLÓVIS ROSSI

Todos querem a paz. A sua


Lula reconhece que pisou "campo minado" na sua viagem ao Oriente Médio, como alertou esta coluna


TEL AVIV- O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conta que todas as pessoas com as quais conversa sobre Oriente Médio juram que querem a paz. Promete contar aos jornalistas quem não quer, assim que descobrir. Não vai descobrir nunca, presidente.
Todos de fato querem a paz, exceto meia dúzia de tarados. Mas todos a querem nos seus termos, o que significa que a paz que querem pode ser o inferno para o outro.
Pegue-se o Irã. Imagino que seus aiatolás queiram a paz, desde que ela se faça à custa da aniquilação de Israel como Estado judeu. Nem se trata, no caso, de uma agenda oculta. Uma e outra vez, o seu presidente, Mahmoud Ahmadinejad, tem manifestado esse desejo publicamente.
Lula saiu da visita ao Yad Vashem, o museu do Holocausto, dizendo que todo aquele que quer dirigir um país deveria visitar o local. Aprenderia, como Lula diz ter aprendido, o que pode acontecer quando o ser humano é dominado pela "irracionalidade".
Se o presidente brasileiro acredita mesmo que carrega consigo "o vírus da paz" desde que estava no útero da mãe, bem que poderia sugerir a Ahmadinejad, ao encontrá-lo em maio, que faça a visita ao Yad Vashem.
Duvido que o convença do que quer que seja porque o conflito no Oriente Médio está embebido da explosiva mistura entre política e religião. Se eu acredito que está na minha Bíblia que devo destruir o outro, como posso conviver com ele sem desobedecer meu Deus?
Pegue-se agora Israel. Na segunda-feira em que Lula discursou na Knesset, o Parlamento israelense, o presidente da Casa, Reuven Rivlin, exibiu orgulhosamente o martelo com que impunha ordem às sessões, quando necessário. Disse que era o mesmo martelo que o brasileiro Oswaldo Aranha batera na sessão das Nações Unidas que criou o Estado de Israel em 1948.
No plenário, o deputado árabe-israelense Ahmad Tibi dizia a Marcelo Ninio, o excelente correspondente desta Folha em Jerusalém, que a ONU criara, sim, o Estado de Israel mas também um Estado palestino. O de Israel está orgulhosamente retratado em incontáveis murais no aeroporto Ben Gurion de Tel Aviv. O palestino é uma miragem.
Israel foi criando fatos consumados, depois das guerras de 1967 e 1973, invadindo territórios que resoluções da ONU determinam que sejam devolvidos aos palestinos.
Posto de outra forma, a paz que Israel deseja é uma paz que confine os palestinos a um território que não configurará um Estado viável.
Hoje, já são 500 mil os israelenses que vivem nos territórios que deveriam ser palestinos. Em Jerusalém, o avanço sobre áreas palestinas é cada vez maior. Não se trata de culpar governos de direita por esse avanço. Todos os governos, de todas as tendências, construíram residências para judeus em áreas árabes. E o fizeram -e fazem- com apoio popular: pesquisa de ontem do "Haaretz" mostra que 48%, uma maioria relativa, apoiam tais construções.
Acredito que eles também querem a paz. Desde que seja a paz deles e o inferno do outro.
É por isso que Lula admite estar pisando "campo minado" nesta região. Nenhuma novidade: era justamente o título desta coluna há uma semana.


Texto Anterior: Quarteto cobra recuo de Israel em Jerusalém
Próximo Texto: Ataque aéreo israelense fere 12 em Gaza
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.