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Para teólogo, "pesou mais o temor do que a ousadia"
RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO
O teólogo e historiador da Igreja
Católica José Oscar Beozzo afirma
que, na eleição do papa Bento 16,
"pesou mais o temor do que a ousadia". Rompendo uma tradição
de quatro papas "pastorais", ou
seja, acostumados a conduzir os
fiéis de dioceses, a igreja elegeu
um papa "da doutrina", da verdade da igreja, temendo o risco do
relativismo no campo dos valores.
Devemos ter um papado rígido
no campo doutrinal", diz padre
Beozzo, autor de "500 Anos de
Evangelização da América Latina" (Vozes).
Para ele, no entanto, a própria
eleição do cardeal Ratzinger traz
riscos à igreja, se de fato se confirmar a rigidez doutrinal. O espaço
de diálogo dentro da igreja pode
diminuir, e a questão central para
a igreja hoje, a seu ver, o Terceiro
Mundo, pode ficar deslocada do
foco de atenção do novo papa.
Folha - Foi uma surpresa a escolha do cardeal Ratzinger?
José Oscar Beozzo - Num certo
sentido, eu diria que sim, pois
quebra a tradição dos últimos papas. Todos, depois de Pio 12, não
saíram da Cúria Romana. É uma
certa ruptura. Os papas vinham
sendo escolhidos a partir de bispos que estivessem à frente de
uma diocese.
Folha - Havia alguma razão para
isso?
Beozzo - Foi uma opção de que a
igreja se guiasse mais pela pastoral. Foi essa a virada de João 23: a
de dizer que o centro da igreja não
era a doutrina. Claro, ela existe,
mas está subordinada à pastoral.
Quando elegem agora justamente
o cardeal encarregado da doutrina, vejo que o colégio se guiou por
um certo receio. Acharam que o
desafio maior era uma ameaça à
doutrina, e não os desafios que
vêm por exemplo do Terceiro
Mundo.
Folha - O papa pode ser diferente
do cardeal?
Beozzo - A escolha do cardeal
Ratzinger aponta para o fortalecimento da doutrina. Por outro lado, ele era a pessoa mais bem preparada dos que estavam lá dentro.
Teologicamente, intelectualmente, é a pessoa mais preparada e de
mais visão. Pode até surpreender,
porque agora não está mais como
guardião da doutrina, mas como
bispo da cidade de Roma, que tem
que atuar como bispo, como pastor. Ele tem que conduzir pastoralmente a igreja.
Espero que ele assuma as responsabilidades de pastor, e não
de guardião da doutrina -outro
terá que fazer isso agora. Agora
ele mudou de função, então a gente espera que ele mude também
de atitude. Inteligente e preparado, ele é.
Folha - O que o sr. acha que pesou
na escolha?
Beozzo - Acho que pesou mais o
temor do que a ousadia. O temor
de que a doutrina estaria em risco,
como o próprio cardeal Ratzinger
insiste. No sermão que fez aos cardeais antes do início do Conclave,
ele insistiu em que o risco era o relativismo, que seria hoje uma nova forma de fundamentalismo.
Devemos ter um papado rígido
no campo doutrinal.
Folha - A igreja corre algum risco
se assumir uma postura tão dura
frente ao que vê como relativismo?
Pode diminuir o espaço do diálogo?
Beozzo - Pode. João 23 percebia
muito esse risco, e dizia que uma
coisa é a doutrina, outra coisa é a
forma de apresentar a doutrina.
Uma fala atenta às questões novas
que não estavam contempladas.
Não é mal que se tenha doutrina,
o que não pode é se ter uma doutrina fechada em copas tanto às
novas questões como à necessidade de uma reformulação, de uma
nova apresentação, um esforço
novo de apresentá-la.
O risco maior... O cardeal Ratzinger vem da tradição européia,
centro-européia, uma tradição
brilhante. De outro lado, hoje dois
terços da igreja estão no Terceiro
Mundo -e emergiu aí uma teologia que não é aquela. Ele tem
muita dificuldade, ou pelo menos
teve até agora, de acolher essas
novas teologias [entre elas, a Teologia da Libertação], porque elas
não fazem parte da longa tradição
da teologia européia -que é ensinada na universidade, e lá produzida. Essas teologias da América
Latina, da Ásia e da África são
produzidas a partir da pastoral. É
uma tradição recente que tenta
conectar a teologia com a pastoral
e com as demandas que vêm da
sociedade.
Folha - Essas questões do Terceiro Mundo são centrais para a igreja
hoje, a seu ver?
Beozzo - Sim, porque quase três
quartos da igreja estão aqui, no
Terceiro Mundo. Ou ela é capaz
de dar resposta aos desafios que
vêm daqui, e produzir uma teologia capaz de dialogar com as nossas necessidades, ou ela não tem
futuro. A missão da igreja é levar
respostas às angústias de hoje.
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