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Eleição hoje no Paraguai é ameaça a Partido Colorado
Votação presidencial pode colocar fim em seis décadas de hegemonia da sigla
Aparelhamento do Estado pela "maior agremiação da América do Sul" não freia mais vontade do eleitor
de mudança democrática
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO
Não faz muitos anos, dirigentes do Partido Colorado, do Paraguai, diziam com galhofa que,
se o Pato Donald ou até um objeto inanimado, como uma garrafa d'água, fossem candidatos
a presidente pela sigla, venceriam facilmente. Algo mudou.
Apesar de ainda ter o controle
do Estado, o autoproclamado
"maior partido da América do
Sul" enfrenta, na eleição de hoje, o maior risco de deixar o poder em 61 anos de hegemonia.
As pesquisas no país variam
de acordo com o interesse de
quem as encomenda, mas quase todas mostram a liderança
do ex-bispo Fernando Lugo,
com a colorada Blanca Ovelar
em segundo e logo atrás o general reformado Lino Oviedo
-um ex-colorado.
Os números da Associação
Nacional Republicana, nome
oficial do partido, impressionam: 1,6 milhão de filiados,
mais da metade dos 2,8 milhões
de eleitores. No Brasil, 127 milhões de eleitores, só o PMDB
tem mais filiados, 2 milhões.
A manutenção por tanto
tempo do comando do país, um
recorde no mundo ocidental, se
deu graças principalmente a
um esquema de aparelhamento
da máquina pública que torna
difícil distinguir as fronteiras
entre partido e Estado.
Segundo o diário "ABC Color", que apóia Lugo, há 121,8
mil funcionários públicos filiados ao partido, ou 66% dos servidores federais. Sistematicamente, e há muitos anos, vêm à
tona denúncias de pressões para que esses funcionários e seus
familiares votem no Colorado.
Mas a votação dos "oficialistas", como são chamados no
Paraguai, minguou nos últimos
anos. Em 1998, o colorado Raúl
Cubas Grau teve 55,4% dos votos, contra 43,9% de uma aliança opositora. Ele renunciaria
após sete meses, acusado de
tramar o assassinato do vice,
Luis María Argaña, uma das
tantas crises do país desde a redemocratização, em 1989, que
incluem tentativas de golpe,
conspirações e corrupção.
Em 2003, o atual presidente,
Nicanor Duarte, venceu com
37,1%, menos que a soma dos
outros três principais candidatos (58,8%), o que é possível,
pois não há segundo turno.
A impopularidade de Nicanor, apesar de alguns avanços
macroeconômicos de sua gestão, é outro reflexo do descontentamento dos paraguaios
com os colorados. "Há um clima psicológico geral de busca
por mudança e uma efervescência social, gerada pelo fracasso das políticas de Estado. O
país cresceu 6,4%, mas isso não
chega aos setores populares",
analisa o sociólogo Domingo
Rivarola, professor da Universidade Nacional de Assunção.
"Com 20 anos de democracia, o eleitor se sente mais capaz de confiar em outras lideranças. Há um eleitorado que,
se não se pode dizer que é mais
crítico, tem ao menos um horizonte mais livre para escolher.
E em nenhuma outra ocasião a
oposição esteve tão fortemente
organizada", completa.
O analista político Edwin
Britez pouco destoa: "Eles [os
colorados] já estiveram ameaçados outras vezes, mas desta
vez há um desgaste maior do
partido e do governo. Essa seqüência provocou um cansaço
na cidadania. Mais do que na
oposição, a população está votando contra o coloradismo".
Cheiro de mudança
As urnas serão fechadas às
16h (17h de Brasília). A Justiça
Eleitoral estima que, graças a
um sistema de tabulação rápida, poderá divulgar o resultado
por volta das 22h locais, quando mais de 90% dos votos estarão contabilizados.
A pequena diferença entre os
três principais candidatos, denúncias de fraudes e troca de
acusações especialmente entre
os partidários de Blanca e Lugo
transformaram a reta final da
campanha numa guerra de nervos e baixarias, cujo último capítulo foi a declaração do presidente Nicanor Duarte de que
agitadores de países vizinhos
simpáticos a Lugo chegariam
ao país para promover distúrbios violentos em caso de derrota do ex-bispo.
O clima não desanimou os
eleitores que apostam que hoje
farão história. "Tenho 59 anos,
nasci com o Partido Colorado.
Já realizei vários sonhos na vida: vi o Olímpia campeão, tive
um filho, assisti à queda da ditadura Stroessner. Só me falta
ver cair o Partido Colorado",
diz o garçom Eladio Casanova,
para quem a vitória de Lugo é
certa. "Há cheiro de mudança
no ar", cochicha, esfregando os
dedos em frente ao nariz.
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