São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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Eleição hoje no Paraguai é ameaça a Partido Colorado

Votação presidencial pode colocar fim em seis décadas de hegemonia da sigla

Aparelhamento do Estado pela "maior agremiação da América do Sul" não freia mais vontade do eleitor de mudança democrática

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO

Não faz muitos anos, dirigentes do Partido Colorado, do Paraguai, diziam com galhofa que, se o Pato Donald ou até um objeto inanimado, como uma garrafa d'água, fossem candidatos a presidente pela sigla, venceriam facilmente. Algo mudou. Apesar de ainda ter o controle do Estado, o autoproclamado "maior partido da América do Sul" enfrenta, na eleição de hoje, o maior risco de deixar o poder em 61 anos de hegemonia.
As pesquisas no país variam de acordo com o interesse de quem as encomenda, mas quase todas mostram a liderança do ex-bispo Fernando Lugo, com a colorada Blanca Ovelar em segundo e logo atrás o general reformado Lino Oviedo -um ex-colorado.
Os números da Associação Nacional Republicana, nome oficial do partido, impressionam: 1,6 milhão de filiados, mais da metade dos 2,8 milhões de eleitores. No Brasil, 127 milhões de eleitores, só o PMDB tem mais filiados, 2 milhões.
A manutenção por tanto tempo do comando do país, um recorde no mundo ocidental, se deu graças principalmente a um esquema de aparelhamento da máquina pública que torna difícil distinguir as fronteiras entre partido e Estado.
Segundo o diário "ABC Color", que apóia Lugo, há 121,8 mil funcionários públicos filiados ao partido, ou 66% dos servidores federais. Sistematicamente, e há muitos anos, vêm à tona denúncias de pressões para que esses funcionários e seus familiares votem no Colorado.
Mas a votação dos "oficialistas", como são chamados no Paraguai, minguou nos últimos anos. Em 1998, o colorado Raúl Cubas Grau teve 55,4% dos votos, contra 43,9% de uma aliança opositora. Ele renunciaria após sete meses, acusado de tramar o assassinato do vice, Luis María Argaña, uma das tantas crises do país desde a redemocratização, em 1989, que incluem tentativas de golpe, conspirações e corrupção.
Em 2003, o atual presidente, Nicanor Duarte, venceu com 37,1%, menos que a soma dos outros três principais candidatos (58,8%), o que é possível, pois não há segundo turno.
A impopularidade de Nicanor, apesar de alguns avanços macroeconômicos de sua gestão, é outro reflexo do descontentamento dos paraguaios com os colorados. "Há um clima psicológico geral de busca por mudança e uma efervescência social, gerada pelo fracasso das políticas de Estado. O país cresceu 6,4%, mas isso não chega aos setores populares", analisa o sociólogo Domingo Rivarola, professor da Universidade Nacional de Assunção.
"Com 20 anos de democracia, o eleitor se sente mais capaz de confiar em outras lideranças. Há um eleitorado que, se não se pode dizer que é mais crítico, tem ao menos um horizonte mais livre para escolher. E em nenhuma outra ocasião a oposição esteve tão fortemente organizada", completa.
O analista político Edwin Britez pouco destoa: "Eles [os colorados] já estiveram ameaçados outras vezes, mas desta vez há um desgaste maior do partido e do governo. Essa seqüência provocou um cansaço na cidadania. Mais do que na oposição, a população está votando contra o coloradismo".

Cheiro de mudança
As urnas serão fechadas às 16h (17h de Brasília). A Justiça Eleitoral estima que, graças a um sistema de tabulação rápida, poderá divulgar o resultado por volta das 22h locais, quando mais de 90% dos votos estarão contabilizados.
A pequena diferença entre os três principais candidatos, denúncias de fraudes e troca de acusações especialmente entre os partidários de Blanca e Lugo transformaram a reta final da campanha numa guerra de nervos e baixarias, cujo último capítulo foi a declaração do presidente Nicanor Duarte de que agitadores de países vizinhos simpáticos a Lugo chegariam ao país para promover distúrbios violentos em caso de derrota do ex-bispo.
O clima não desanimou os eleitores que apostam que hoje farão história. "Tenho 59 anos, nasci com o Partido Colorado. Já realizei vários sonhos na vida: vi o Olímpia campeão, tive um filho, assisti à queda da ditadura Stroessner. Só me falta ver cair o Partido Colorado", diz o garçom Eladio Casanova, para quem a vitória de Lugo é certa. "Há cheiro de mudança no ar", cochicha, esfregando os dedos em frente ao nariz.


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