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ENTREVISTA DA 2ª
MARCO POLITI
Liderança errática de Bento 16 gera crise na igreja
Para o vaticanista Marco Politi, papa governa a Igreja Católica de forma "solitária" e inábil; estilo contrasta com sua atuação intelectual
MARCO POLITI, vaticanista do jornal italiano "La Repubblica" e um dos maiores conhecedores da política interna
da Igreja Católica, diz que o pontificado de Bento 16 é errático, e que o ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé se comporta de modo
"paradoxal" em relação à sua conhecida clareza intelectual. Para o jornalista, tal estilo tem gestado uma
"crise subterrânea" entre os católicos desde que Joseph Ratzinger, que completou ontem quatro anos à
frente da instituição, foi eleito papa.
GINA DE AZEVEDO MARQUES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM ROMA
"O paradoxo deste pontificado é que Ratzinger, como teólogo e pensador, é muito claro.
Mas, como governante, dá passos falsos e depois é sempre
obrigado a pedir desculpas, a se
justificar e se explicar", afirma
o vaticanista.
Para Politi, o padrão existe
em parte por causa do estilo de
"governo solitário" próprio a
Bento 16. O papa, ele diz, "não
considera as consultas e não
presta atenção aos sinais que
vêm do exterior". "Ele, na realidade, tende a decidir tudo sozinho." Autor de diversos livros
sobre a igreja -o mais recente,
publicado na Itália, é "A Igreja
do Não" (La Chiesa del No)-,
Politi recebeu a Folha em Roma para esta entrevista.
FOLHA - Qual é sua avaliação de
Bento 16?
MARCO POLITI - Desde as primeiras intervenções, ele nunca delineou um programa. Insiste no
ponto de que é preciso tutelar a
integridade da fé. E quer mostrar que o cristianismo é uma fé
jovial, não um pacote de regras.
Essa é sua convicção profunda,
sua linha de pregador, e no entanto sua linha como líder timoneiro, nesses anos, foi a de
um constante ziguezague.
FOLHA - Falta união na Cúria?
POLITI - É errado dizer que o
papa não consegue governar
porque há uma oposição na Cúria [espécie de "ministério" da
igreja, formado por cardeais]. A
Cúria, por tendência, segue
sempre o papa que reina. Mas
há uma desorientação dentro
da Cúria porque durante o pontificado de Bento 16 houve diversos incidentes que não deveriam ter acontecido. Como,
por exemplo, aquele com o
mundo islâmico depois do discurso na Universidade de Regensburg [Alemanha], com os
lefebvrianos e tantos outros.
FOLHA - Por que o sr. acha que Bento 16 sofre de "solidão"?
POLITI - Bento 16 está sozinho.
Não porque exista um partido
que trabalhe contra ele. Mas
por causa de seu governo solitário, que não considera as consultas e não presta atenção aos
sinais que vêm do exterior. O
problema é que o papa, na realidade, tende a decidir tudo sozinho. Ele não escuta antecipadamente as sugestões que poderiam evitar a explosão de certos casos.
FOLHA - A decisão de Bento 16 de
reabilitar o missal anterior ao Concílio Vaticano 2, que inclui a prece da
Sexta-Feira Santa para a conversão
dos judeus, provocou críticas do judaísmo. Como o sr. analisa a relação
de Bento 16 com os judeus?
POLITI - A questão dos judeus é
um exemplo da esquizofrenia
que existe neste pontificado.
Quero dizer, desde o ponto de
vista do governo da igreja, porque, pessoalmente, Bento 16 é
muito ligado ao mundo hebraico e à tradição hebraica. Durante a missa de inauguração do
seu pontificado, ele falou dos
cristãos, dos judeus, mas não
falou dos muçulmanos.
Porém o seu desejo de encontrar um compromisso com os
lefebvrianos fez com que ele, na
liturgia pré-conciliar tridentina, admitisse para a Sexta-Feira Santa uma fórmula ambígua
que, embora de maneira suave,
volta a sublinhar a necessidade
da conversão dos judeus.
Isso naturalmente provocou
mau humor que em seguida explodiu com o caso Williamson.
O paradoxo é que ele procurou
sempre um compromisso com
os lefebvrianos e acabou não
conseguindo convencê-los a
aceitar o Concílio Vaticano 2.
FOLHA - Bento 16 admitiu falhas
na reversão da excomunhão dos lefebvrianos, enviando uma carta aos
bispos católicos, na qual reconheceu
que existe uma batalha dentro da
Igreja "que morde e devora". O senhor acha que há um problema de
comunicação dentro da Igreja?
POLITI - O paradoxo deste pontificado é que Ratzinger, como
teólogo e pensador, é muito claro. Mas, como governante, dá
passos falsos e depois é sempre
obrigado a pedir desculpas, a se
justificar e se explicar.
Foi o que aconteceu com os
muçulmanos no discurso em
Regensburg. Também aconteceu na viagem ao Brasil, quando afirmou que a evangelização
não foi imposta aos índios pelos
conquistadores. Igualmente
com o caso dos lefebvrianos.
A carta que ele escreveu aos
bispos do mundo inteiro é um
documento da sua sinceridade
e também de transparência da
sua alma. Ao mesmo tempo é
um sinal de fragilidade da sua
liderança. Porque quando se
diz que na igreja há católicos
prontos a atacar o papa, então
os casos são dois: ou o pontífice
vê cada crítica como um ataque, e isso para um líder é um
erro, ou realmente existe abaixo da superfície uma crise profunda da sua liderança.
FOLHA - Bento 16 nomeou o padre
Gerhard Maria Wagner como bispo
de Linz, na Áustria, e depois recuou.
Porque o papa fez essa nomeação?
POLITI - Esse é o caso mais grave, do ponto de vista eclesiástico, da situação problemática da
liderança de Bento 16. Porque
nos tempos modernos nunca
aconteceu que um papa, que
para o direito eclesiástico é onipotente, nomeasse um bispo e,
depois, a oposição de um episcopado nacional inteiro o obrigasse a cancelar a nomeação.
Esse foi o sinal mais grave da
crise subterrânea que existe na
Igreja Católica.
FOLHA - É possível comparar Bento
16 a Pio 12 que, em 1949, recebeu
duras criticas pela excomunhão dos
comunistas e outras posições políticas durante a Guerra Fria?
POLITI - Eu não faria esta comparação porque Pio 12, do ponto de vista da liderança, era um
papa forte. Ele poderia ser criticado, e foi, mas a máquina do
Vaticano funcionava perfeitamente. Enquanto que com
Bento 16 temos a impressão de
desorientação e estagnação.
O papa sente os problemas
entre igreja e mundo moderno.
Mas é indeciso em fazer escolhas para reformas. Há anos ele
tem projetos na gaveta, desde
quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Um desses era a reforma para a
anulação do casamento, deixando mais poder aos bispos ao
invés de centralizar todo o procedimento em Roma como instância final.
Esses projetos de reforma
também poderiam resolver o
problema da comunhão negada
aos divorciados que se casaram
de novo. Mas Bento 16 parece
que não tem a coragem de fazer
essas reformas.
FOLHA - O sr. pode comentar o caso
brasileiro do arcebispo de Olinda e
Recife, que excomungou os adultos
envolvidos no aborto em uma menina de 9 anos. O Vaticano reagiu tarde demais?
POLITI - É urgente que a igreja
tenha uma atitude mais humana, mais misericordiosa com
problemas como o divórcio, o
aborto, a pesquisa científica.
Uma tomada de posição como a
do bispo de Recife, que num
primeiro momento foi confirmada pelo Vaticano, é absolutamente impensável e vai contra o sentimento comum dos
fiéis. Muitas pessoas devotas e
apaixonadas pela própria fé se
sentem incompreendidas e distantes da igreja hierárquica.
Existe um buraco entre igreja
hierárquica e fiéis comuns, e
essa não é uma questão de direita ou esquerda.
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