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"Confrontação com o Irã é ruim para todos"
À Folha chanceler turco confirma disposição de receber urânio iraniano e diz que EUA ainda podem aceitar solução diplomática
Ministro repele comparação entre ação israelense em Gaza e ataques de seu país a bases curdas no Iraque e cita elo entre Brasil e Turquia
CLAUDIA ANTUNES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
A Turquia está "assumindo
riscos" ao tentar fazer a mediação entre o Ocidente e o Irã,
mas acredita ter essa "responsabilidade" devido aos laços
históricos com os vizinhos iranianos e à necessidade de garantir a estabilidade na região,
disse o ministro das Relações
Exteriores turco, Ahmet Davutoglu. "Não haverá vencedores
numa confrontação", afirmou.
Davutoglu falou à Folha depois de se reunir com o chanceler Celso Amorim em Brasília,
na última sexta. Ele confirmou
que Ancara está disposta a
atuar como depositária do estoque de urânio iraniano, se
houver acordo entre o país e as
potências do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha.
Ele destacou ainda que a
Turquia será prejudicada por
sanções a Teerã.
FOLHA - O senhor se dá conta das
coincidências entre Brasil e Turquia,
no que diz respeito às respectivas
posições em suas regiões e mesmo
às críticas que as duas diplomacias
recebem por "hiperativismo"?
AHMET DAVUTOGLU - Há muitas
similaridades nas orientações
de política externa. O Brasil é
líder de processos regionais na
América Latina, e a Turquia
tem esse papel no Oriente Médio, nos Bálcãs e na Ásia Central. Se tiverem cooperação estratégica, podem se complementar. Mais importante, os
dois países são ativos também
em temas globais. Temos a responsabilidade de não ser espectadores passivos, mas de liderar os acontecimentos.
FOLHA - O senhor já foi criticado
por parecer fazer muito, com poucos
resultados. Como responde?
DAVUTOGLU - Há muitos resultados tangíveis da política externa turca. A Turquia foi o
único país que conseguiu levar
Síria e Israel a conversações indiretas nos últimos dez anos.
Também ajudou na reconciliação política no Iraque em
2005. Além disso, contribuiu
para obter do Hamas uma garantia de cessar-fogo na guerra
de Gaza [2008-2009]. Junto
com o Qatar, ajudamos a resolver a crise política que impedia
a eleição de um presidente no
Líbano [2008]. Recentemente,
ajudamos a promover a abertura do diálogo entre Bósnia e
Sérvia, com a nomeação de um
embaixador bósnio em Belgrado. Posso dar outros exemplos.
FOLHA - O senhor esteve com a secretária de Estado dos EUA, Hillary
Clinton. Os EUA ainda estão dispostos a aceitar um acordo sobre o programa nuclear iraniano?
DAVUTOGLU - Claro que a melhor opção é uma solução diplomática, em que todos ganhem. O Irã, porque não enfrentará sanções e sua economia vai se recuperar. O governo
Obama, porque será um sucesso de sua política de engajamento. Será uma vitória para
os vizinhos do Irã, porque, com
sanções, eles (e sobretudo) a
Turquia, serão os mais prejudicados. Com sanções, todos perderão. Por isso temos que focar
numa solução diplomática.
FOLHA - Mas os EUA estão dispostos a aceitar?
DAVUTOGLU - Apesar de estarem trabalhando por sanções,
eles ao menos não excluem
uma solução diplomática, e dizem que ficarão satisfeitos se
houver uma.
FOLHA - O chanceler Amorim sugeriu que a Turquia seja a fiel depositária do estoque de urânio com baixo
enriquecimento dos iranianos, até
que eles possam receber de França e
Alemanha o combustível para seu
reator médico. Isso é fato?
DAVUTOGLU - A Turquia está assumindo riscos ao se dispor a
isso. Não queremos obter prestígio ou vantagens. É uma
questão de responsabilidade.
Queremos ajudar a resolver essa questão, do contrário todos
sofrerão. É preciso entender isso. Não haverá vencedores numa confrontação.
FOLHA - Então vocês estariam dispostos a ser os depositários?
DAVUTOGLU - Claro.
FOLHA - E os iranianos estão prontos a aceitar o acordo?
DAVUTOGLU - Em princípio eles
aceitam, mas precisam de mais
detalhes sobre modalidades.
FOLHA - Ahmadinejad, o presidente iraniano, não é bem visto no Brasil. Houve críticas quando o presidente Lula o recebeu. Isso também é
um problema para a Turquia?
DAVUTOGLU - O Irã, para nós, é
um vizinho. Temos laços históricos. Nossas fronteiras não
mudaram nos últimos 350
anos. É uma relação estável, e
vemos [a questão nuclear] nessa perspectiva. Não achamos
certo julgar os líderes vizinhos,
isso cabe ao povo iraniano.
FOLHA - A Turquia liderou críticas a
Israel na ofensiva a Gaza. Os israelenses dizem que vocês têm um padrão duplo, porque atacam as bases
do PKK (guerrilha independentista
curda) no Iraque. Como responde?
DAVUTOGLU - Não há comparação. Em primeiro lugar, não somos invasores em nenhum lugar. Respeitamos a integridade
territorial do Iraque. No caso
da Palestina, há territórios
ocupados e os palestinos estão
tentando defendê-los. Sim,
houve operações [turcas] no
norte do Iraque porque eles [o
PKK] estavam atacando a Turquia e cidadãos turcos. Mas não
houve vítimas civis.
Leia a íntegra da
entrevista
www.folha.com.br/1010916
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