São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2010

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"Confrontação com o Irã é ruim para todos"

À Folha chanceler turco confirma disposição de receber urânio iraniano e diz que EUA ainda podem aceitar solução diplomática

Ministro repele comparação entre ação israelense em Gaza e ataques de seu país a bases curdas no Iraque e cita elo entre Brasil e Turquia


CLAUDIA ANTUNES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

A Turquia está "assumindo riscos" ao tentar fazer a mediação entre o Ocidente e o Irã, mas acredita ter essa "responsabilidade" devido aos laços históricos com os vizinhos iranianos e à necessidade de garantir a estabilidade na região, disse o ministro das Relações Exteriores turco, Ahmet Davutoglu. "Não haverá vencedores numa confrontação", afirmou.
Davutoglu falou à Folha depois de se reunir com o chanceler Celso Amorim em Brasília, na última sexta. Ele confirmou que Ancara está disposta a atuar como depositária do estoque de urânio iraniano, se houver acordo entre o país e as potências do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha. Ele destacou ainda que a Turquia será prejudicada por sanções a Teerã.

 

FOLHA - O senhor se dá conta das coincidências entre Brasil e Turquia, no que diz respeito às respectivas posições em suas regiões e mesmo às críticas que as duas diplomacias recebem por "hiperativismo"?
AHMET DAVUTOGLU
- Há muitas similaridades nas orientações de política externa. O Brasil é líder de processos regionais na América Latina, e a Turquia tem esse papel no Oriente Médio, nos Bálcãs e na Ásia Central. Se tiverem cooperação estratégica, podem se complementar. Mais importante, os dois países são ativos também em temas globais. Temos a responsabilidade de não ser espectadores passivos, mas de liderar os acontecimentos.

FOLHA - O senhor já foi criticado por parecer fazer muito, com poucos resultados. Como responde?
DAVUTOGLU
- Há muitos resultados tangíveis da política externa turca. A Turquia foi o único país que conseguiu levar Síria e Israel a conversações indiretas nos últimos dez anos. Também ajudou na reconciliação política no Iraque em 2005. Além disso, contribuiu para obter do Hamas uma garantia de cessar-fogo na guerra de Gaza [2008-2009]. Junto com o Qatar, ajudamos a resolver a crise política que impedia a eleição de um presidente no Líbano [2008]. Recentemente, ajudamos a promover a abertura do diálogo entre Bósnia e Sérvia, com a nomeação de um embaixador bósnio em Belgrado. Posso dar outros exemplos.

FOLHA - O senhor esteve com a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Os EUA ainda estão dispostos a aceitar um acordo sobre o programa nuclear iraniano?
DAVUTOGLU
- Claro que a melhor opção é uma solução diplomática, em que todos ganhem. O Irã, porque não enfrentará sanções e sua economia vai se recuperar. O governo Obama, porque será um sucesso de sua política de engajamento. Será uma vitória para os vizinhos do Irã, porque, com sanções, eles (e sobretudo) a Turquia, serão os mais prejudicados. Com sanções, todos perderão. Por isso temos que focar numa solução diplomática.

FOLHA - Mas os EUA estão dispostos a aceitar?
DAVUTOGLU
- Apesar de estarem trabalhando por sanções, eles ao menos não excluem uma solução diplomática, e dizem que ficarão satisfeitos se houver uma.

FOLHA - O chanceler Amorim sugeriu que a Turquia seja a fiel depositária do estoque de urânio com baixo enriquecimento dos iranianos, até que eles possam receber de França e Alemanha o combustível para seu reator médico. Isso é fato?
DAVUTOGLU
- A Turquia está assumindo riscos ao se dispor a isso. Não queremos obter prestígio ou vantagens. É uma questão de responsabilidade. Queremos ajudar a resolver essa questão, do contrário todos sofrerão. É preciso entender isso. Não haverá vencedores numa confrontação.

FOLHA - Então vocês estariam dispostos a ser os depositários?
DAVUTOGLU
- Claro.

FOLHA - E os iranianos estão prontos a aceitar o acordo?
DAVUTOGLU
- Em princípio eles aceitam, mas precisam de mais detalhes sobre modalidades.

FOLHA - Ahmadinejad, o presidente iraniano, não é bem visto no Brasil. Houve críticas quando o presidente Lula o recebeu. Isso também é um problema para a Turquia?
DAVUTOGLU
- O Irã, para nós, é um vizinho. Temos laços históricos. Nossas fronteiras não mudaram nos últimos 350 anos. É uma relação estável, e vemos [a questão nuclear] nessa perspectiva. Não achamos certo julgar os líderes vizinhos, isso cabe ao povo iraniano.

FOLHA - A Turquia liderou críticas a Israel na ofensiva a Gaza. Os israelenses dizem que vocês têm um padrão duplo, porque atacam as bases do PKK (guerrilha independentista curda) no Iraque. Como responde?
DAVUTOGLU
- Não há comparação. Em primeiro lugar, não somos invasores em nenhum lugar. Respeitamos a integridade territorial do Iraque. No caso da Palestina, há territórios ocupados e os palestinos estão tentando defendê-los. Sim, houve operações [turcas] no norte do Iraque porque eles [o PKK] estavam atacando a Turquia e cidadãos turcos. Mas não houve vítimas civis.

Leia a íntegra da entrevista

www.folha.com.br/1010916



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