|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Poder da droga é imbatível, diz mexicano
Para autor de best-sellers sobre o tema, guerra declarada pelo presidente Calderón aos cartéis está fadada ao fracasso
Governo precisa recuperar autoridade no território, diz Ricardo Ravello; "hoje é o narcotráfico que decide onde a polícia pode atuar"
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
Operações especiais com
mais de 30 mil soldados foram
despachadas para oito Estados
mexicanos pelo presidente Felipe Calderón em seus primeiros cinco meses de governo. O
combate aos sete poderosos
cartéis, que são responsáveis
por milhares de assassinatos e
seqüestros e dominam regiões
inteiras do México, viraram a
prioridade número um do governo Calderón.
Nas operações, mil pessoas
morreram em confrontos,
1.500 foram presas e houve
centenas de apreensões de armas e drogas. Pela primeira
vez, o México extraditou vários
chefões do narcotráfico para os
Estados Unidos.
Para vários especialistas, o
México vive hoje o que a Colômbia viveu no final dos anos
1980 e início dos 1990: uma
queda-de-braço entre o poder
da droga e o Estado. Cartéis como os de Sinaloa, Golfo e Juárez têm até mais dinheiro hoje
que em seu tempo tiveram os
de Cali e Medellín.
O jornalista Ricardo Ravello
escreve há 12 anos sobre o tema
na revista "Proceso", a maior
do país, e é autor de três best-sellers, que falam sobre os chefões, os advogados dos cartéis e
a "herança maldita" que Calderón terá que enfrentar.
Leia trechos da entrevista
que ele deu à Folha, por telefone, da Cidade do México.
FOLHA - A guerra que Calderón declarou ao narcotráfico trouxe resultados? A reação violenta é sinal de
que os cartéis foram atingidos?
RICARDO RAVELLO - Acho essa estratégia fadada ao fracasso. É
uma guerra sem fim. Você mata, prende e extradita, e os cartéis substituem essas peças que
caíram com uma facilidade
enorme. O negócio continua intocado. A maior violência é
contra a polícia. Não acontece
na repressão aos narcotraficantes. Eles morrem por ajuste de
contas. A polícia garante impunidade. Uma corporação de mil
policiais pode servir a três cartéis diferentes. Entram em
choque entre si.
FOLHA - No Brasil, há receio de se
colocar o Exército na luta contra o
narcotráfico. O argumento é o de
que os soldados não estão preparados para atuar como policiais e, se
corrompidos, seria a perda do último elo de segurança. No México,
não há esse temor?
RAVELLO - É verdade que é o último elo e eu também acho
questionável, mas Calderón
não tinha alternativa. Ele não
tem uma polícia confiável. Metade da polícia está infiltrada.
No fim dos anos 90 tivemos uns
30 militares cooptados.
Se o Exército fracassar e Calderón perder a batalha, o governo, seu partido e o Estado
estarão ameaçados. O governo
precisa recuperar a autoridade
no território. Hoje é o narcotráfico que decide onde a polícia
pode atuar e onde ela não entra.
A violência é o tema mais debatido no país, mais que desemprego, saúde ou economia. É a
prioridade de qualquer agenda.
FOLHA - Calderón aumentou o salário dos militares. Isso pode ajudar?
RAVELLO - O Exército é menos
corrompido que a polícia. Os
policiais ganham salários de
US$ 600, US$ 700, e um cabo
ganha US$ 800. Mas não adianta aumentar salários, não dá
para competir com o dinheiro
da droga. É uma questão moral.
A droga corrompe vários
elos. O camponês, que ganha
mais vendendo sua terra para a
plantação de papoula ou cannabis do que recebendo subsídio
do governo para plantar milho.
Do policial ao juiz, do fiscal da
alfândega àquele que permite
uma pista de pouso clandestina. Essa larga cadeia de investimentos e propinas deixa a droga cara e imbatível.
FOLHA - Não há nada que Calderón
possa fazer?
RAVELLO - O governo tem mais
poder e dinheiro que o narcotráfico, mas parte do Estado é
cúmplice da droga, esse é o problema. Para operar, o narcotráfico precisa da cumplicidade do
Estado. O mais importante
chefão do narcotráfico mexicano, Joaquín Chapo Guzmán,
escapou de uma prisão de segurança máxima durante o governo de Vicente Fox (2000-2006). Enquanto a batalha se
centrar na proibição e repressão, estará fadada ao fracasso
FOLHA - Há muito consumo interno no México?
RAVELLO - Vivemos o auge do
"narcovarejo". Há barraquinhas ou lojinhas de drogas em
mercados, nos fundos de oficinas mecânicas, garagens. Só no
porto de Veracruz há 2.000 "lojinhas". Em Cancún e Acapulco, ainda mais com o dinheiro
dos turistas, há "dealers" e "delivery" em cada esquina.
FOLHA - Os EUA são o grande mercado consumidor. Não falta uma autocrítica dos americanos?
RAVELLO - Os EUA usam a mesma estratégia há quase 40 anos
e o resultado é um fiasco. Eles
se sentem vítimas e culpam
México e Colômbia, que são os
países que mais sofrem. O México é um país doente. É preciso
um debate sério, honesto, sobre o consumo das drogas. Os
EUA não reconhecem seus "capos". E é claro que há redes de
distribuição lá com conexões
com os cartéis mexicanos. Seria
impossível para um cartel mexicano ter a distribuição em todas as grandes cidades americanas sem cúmplices locais.
Texto Anterior: Profissão perigo Próximo Texto: Guerra no México Índice
|