São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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Poder da droga é imbatível, diz mexicano

Para autor de best-sellers sobre o tema, guerra declarada pelo presidente Calderón aos cartéis está fadada ao fracasso

Governo precisa recuperar autoridade no território, diz Ricardo Ravello; "hoje é o narcotráfico que decide onde a polícia pode atuar"

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Operações especiais com mais de 30 mil soldados foram despachadas para oito Estados mexicanos pelo presidente Felipe Calderón em seus primeiros cinco meses de governo. O combate aos sete poderosos cartéis, que são responsáveis por milhares de assassinatos e seqüestros e dominam regiões inteiras do México, viraram a prioridade número um do governo Calderón. Nas operações, mil pessoas morreram em confrontos, 1.500 foram presas e houve centenas de apreensões de armas e drogas. Pela primeira vez, o México extraditou vários chefões do narcotráfico para os Estados Unidos.
Para vários especialistas, o México vive hoje o que a Colômbia viveu no final dos anos 1980 e início dos 1990: uma queda-de-braço entre o poder da droga e o Estado. Cartéis como os de Sinaloa, Golfo e Juárez têm até mais dinheiro hoje que em seu tempo tiveram os de Cali e Medellín. O jornalista Ricardo Ravello escreve há 12 anos sobre o tema na revista "Proceso", a maior do país, e é autor de três best-sellers, que falam sobre os chefões, os advogados dos cartéis e a "herança maldita" que Calderón terá que enfrentar.
Leia trechos da entrevista que ele deu à Folha, por telefone, da Cidade do México.

 

FOLHA - A guerra que Calderón declarou ao narcotráfico trouxe resultados? A reação violenta é sinal de que os cartéis foram atingidos?
RICARDO RAVELLO -
Acho essa estratégia fadada ao fracasso. É uma guerra sem fim. Você mata, prende e extradita, e os cartéis substituem essas peças que caíram com uma facilidade enorme. O negócio continua intocado. A maior violência é contra a polícia. Não acontece na repressão aos narcotraficantes. Eles morrem por ajuste de contas. A polícia garante impunidade. Uma corporação de mil policiais pode servir a três cartéis diferentes. Entram em choque entre si.

FOLHA - No Brasil, há receio de se colocar o Exército na luta contra o narcotráfico. O argumento é o de que os soldados não estão preparados para atuar como policiais e, se corrompidos, seria a perda do último elo de segurança. No México, não há esse temor?
RAVELLO -
É verdade que é o último elo e eu também acho questionável, mas Calderón não tinha alternativa. Ele não tem uma polícia confiável. Metade da polícia está infiltrada. No fim dos anos 90 tivemos uns 30 militares cooptados. Se o Exército fracassar e Calderón perder a batalha, o governo, seu partido e o Estado estarão ameaçados. O governo precisa recuperar a autoridade no território. Hoje é o narcotráfico que decide onde a polícia pode atuar e onde ela não entra.
A violência é o tema mais debatido no país, mais que desemprego, saúde ou economia. É a prioridade de qualquer agenda.

FOLHA - Calderón aumentou o salário dos militares. Isso pode ajudar?
RAVELLO -
O Exército é menos corrompido que a polícia. Os policiais ganham salários de US$ 600, US$ 700, e um cabo ganha US$ 800. Mas não adianta aumentar salários, não dá para competir com o dinheiro da droga. É uma questão moral. A droga corrompe vários elos. O camponês, que ganha mais vendendo sua terra para a plantação de papoula ou cannabis do que recebendo subsídio do governo para plantar milho. Do policial ao juiz, do fiscal da alfândega àquele que permite uma pista de pouso clandestina. Essa larga cadeia de investimentos e propinas deixa a droga cara e imbatível.

FOLHA - Não há nada que Calderón possa fazer?
RAVELLO -
O governo tem mais poder e dinheiro que o narcotráfico, mas parte do Estado é cúmplice da droga, esse é o problema. Para operar, o narcotráfico precisa da cumplicidade do Estado. O mais importante chefão do narcotráfico mexicano, Joaquín Chapo Guzmán, escapou de uma prisão de segurança máxima durante o governo de Vicente Fox (2000-2006). Enquanto a batalha se centrar na proibição e repressão, estará fadada ao fracasso

FOLHA - Há muito consumo interno no México?
RAVELLO -
Vivemos o auge do "narcovarejo". Há barraquinhas ou lojinhas de drogas em mercados, nos fundos de oficinas mecânicas, garagens. Só no porto de Veracruz há 2.000 "lojinhas". Em Cancún e Acapulco, ainda mais com o dinheiro dos turistas, há "dealers" e "delivery" em cada esquina.

FOLHA - Os EUA são o grande mercado consumidor. Não falta uma autocrítica dos americanos?
RAVELLO -
Os EUA usam a mesma estratégia há quase 40 anos e o resultado é um fiasco. Eles se sentem vítimas e culpam México e Colômbia, que são os países que mais sofrem. O México é um país doente. É preciso um debate sério, honesto, sobre o consumo das drogas. Os EUA não reconhecem seus "capos". E é claro que há redes de distribuição lá com conexões com os cartéis mexicanos. Seria impossível para um cartel mexicano ter a distribuição em todas as grandes cidades americanas sem cúmplices locais.


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