São Paulo, quarta-feira, 20 de maio de 2009

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ANÁLISE

Em Londres, é mais difícil se lixar para opinião pública

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Tem um bom argumento quem afirma que os políticos são iguais em toda parte do planeta. Mesmo legisladores britânicos, forjados em 700 anos de parlamentarismo, não se distinguem muito de seus pares brasileiros: quando surge a ocasião, não hesitam em empurrar para as burras públicas contas relativas a despesas pessoais.
Até a lista de aquisições apresenta similaridades. Os casos mais bizarros revelados pelo "Daily Telegraph" incluem pedidos de ressarcimento por gastos em papel higiênico, comida de cachorro e móveis de luxo. Não há como deixar de evocar a tapioca do ministro Orlando Silva, o transporte da cadela do ex-ministro Antonio Magri ao veterinário e o faustoso apartamento do ex-reitor da UnB Timothy Mulholland.
Um observador desapaixonado não vacilaria em classificar tudo isso como irrelevâncias, seja pelos valores envolvidos, seja pelo caráter moralista de que se revestem as críticas.
Ocorre que o eleitor é tudo menos um ser desapaixonado. E, se há algo a que ele é especialmente sensível, são rupturas no que imagina ser o tipo de relacionamento que mantém com seu representante.
Apanhados com a boca na botija nesse gênero de malfeitoria, políticos invariavelmente repetem não ter cometido nenhum crime. Se a lei não impõe limites a ressarcimento de gastos, cota de passagens aéreas etc., seu uso está autorizado.
É verdade. Só que esse discurso, plenamente legítimo para contribuintes, consumidores e empresas, por exemplo, está vedado a políticos.
Isso porque, quando o candidato pede votos a eleitores, ele não propõe uma troca comercial, mas estabelece um relacionamento regido por normas sociais, que diferem de regras de mercado e preceitos legais. Relacionamentos sociais são marcados por valores como confiança, lealdade e até amizade.
O político, que se elegeu com base nesse tipo de lógica, não pode, ao primeiro sinal de apuro, buscar abrigo no registro mercadístico-legal. Tal mudança é imediatamente percebida como traição. É o equivalente de tentar pagar a sogra pelo almoço de Dia das Mães que ela ofereceu: escândalo familiar.
Embora a genealogia dos escândalos seja semelhante, britânicos reagem com mais determinação que brasileiros. Ao que tudo indica, é mais difícil lixar-se para a opinião pública num país com séculos de tradição democrática -onde cada cidadão sabe muito bem qual é o político que o representa.


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