|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Em Londres, é mais difícil se lixar para opinião pública
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Tem um bom argumento
quem afirma que os políticos
são iguais em toda parte do planeta. Mesmo legisladores britânicos, forjados em 700 anos de
parlamentarismo, não se distinguem muito de seus pares
brasileiros: quando surge a ocasião, não hesitam em empurrar
para as burras públicas contas
relativas a despesas pessoais.
Até a lista de aquisições apresenta similaridades. Os casos
mais bizarros revelados pelo
"Daily Telegraph" incluem pedidos de ressarcimento por
gastos em papel higiênico, comida de cachorro e móveis de
luxo. Não há como deixar de
evocar a tapioca do ministro
Orlando Silva, o transporte da
cadela do ex-ministro Antonio
Magri ao veterinário e o faustoso apartamento do ex-reitor da
UnB Timothy Mulholland.
Um observador desapaixonado não vacilaria em classificar tudo isso como irrelevâncias, seja pelos valores envolvidos, seja pelo caráter moralista
de que se revestem as críticas.
Ocorre que o eleitor é tudo
menos um ser desapaixonado.
E, se há algo a que ele é especialmente sensível, são rupturas no que imagina ser o tipo de
relacionamento que mantém
com seu representante.
Apanhados com a boca na botija nesse gênero de malfeitoria, políticos invariavelmente
repetem não ter cometido nenhum crime. Se a lei não impõe
limites a ressarcimento de gastos, cota de passagens aéreas
etc., seu uso está autorizado.
É verdade. Só que esse discurso, plenamente legítimo para contribuintes, consumidores e empresas, por exemplo,
está vedado a políticos.
Isso porque, quando o candidato pede votos a eleitores, ele
não propõe uma troca comercial, mas estabelece um relacionamento regido por normas sociais, que diferem de regras de
mercado e preceitos legais. Relacionamentos sociais são marcados por valores como confiança, lealdade e até amizade.
O político, que se elegeu com
base nesse tipo de lógica, não
pode, ao primeiro sinal de apuro, buscar abrigo no registro
mercadístico-legal. Tal mudança é imediatamente percebida
como traição. É o equivalente
de tentar pagar a sogra pelo almoço de Dia das Mães que ela
ofereceu: escândalo familiar.
Embora a genealogia dos escândalos seja semelhante, britânicos reagem com mais determinação que brasileiros. Ao
que tudo indica, é mais difícil lixar-se para a opinião pública
num país com séculos de tradição democrática -onde cada
cidadão sabe muito bem qual é
o político que o representa.
Texto Anterior: Presidente da Câmara britânica renuncia Próximo Texto: EUA anunciam socorro civil ao Paquistão Índice
|