São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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ORIENTE MÉDIO

Jovens ocidentalizados afirmam ter os mesmos problemas dos israelenses, como o terror, mas não os mesmos direitos

Elite palestina reclama de "exclusão"

GUSTAVO CHACRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE JERUSALÉM

A morte do árabe-israelense George Khoury em um atentado terrorista quando ele praticava jogging em Jerusalém, em março, afetou um grupo que pouco aparece no conflito israelo-palestino. São os jovens palestinos e árabes-israelenses de uma elite, em geral moderada e que não comparte dos hábitos da sociedade islâmica, mas convive em paz com ela. E discordam de grande parte da elite israelense, na qual, muitas vezes, se sentem excluídos.
Eles são ocidentalizados, estudaram com filhos de diplomatas e de executivos estrangeiros em escolas internacionais da cidade, usam roupas caras, bebem, dançam e falam pelo menos inglês, árabe e hebraico com fluência. Muitos estudam em universidades estrangeiras e somente visitam o país no verão e no Natal.
Quase todos esses jovens moram na parte oriental de Jerusalém, onde a população é majoritariamente muçulmana e conservadora para os padrões ocidentais. "Quando vou à casa de uma amiga muçulmana, não visto roupa decotada", diz Jihan Abdallah, 18, que escreve em uma revista de integração entre israelenses (judeus e árabes) e palestinos.

Barreira psicológica
À noite, não há praticamente nada para fazer na parte oriental de Jerusalém. Não há boates, bares ou cinemas. Para assistir a um filme, é preciso ir para o lado ocidental -e judaico-, o que muitas vezes é uma barreira psicológica quase intransponível.
Os pais desses jovens não gostam que os filhos atravessem para Jerusalém Ocidental, porque, assim como os pais israelenses, temem os ataques terroristas.
Os alvos do terror palestino são as áreas mais movimentadas da cidade, como as ruas Jaffa e Ben Yehuda e a região de Nahalat Shiva, onde se reúne a juventude de Jerusalém sobretudo no sábado à noite, após o fim do shabat -dia judaico de descanso e orações.
Era por isso que o advogado Elias Khoury ficava tenso quando um de seus filhos queria passear em algum bar no lado ocidental. Seu pai morrera em um atentado do Fatah (grupo político do líder palestino Iasser Arafat) nos anos 70 na praça Zion, no lado ocidental. E o mesmo aconteceu com seu filho George neste ano, mais uma vez pelas mãos do Fatah.
Além disso, os jovens não gostam da maneira como são tratados pelos soldados e pela polícia israelense. "Não me sinto bem indo lá", diz David Khoury, irmão de George e estudante da Universidade Saint Andrews, na Escócia. "Dá uma sensação ruim, pedem a carteira de identidade o tempo todo." Os jovens dizem que, quando os soldados percebem que eles são árabes, começam a tratá-los mal e a fazer perguntas.
Os militares israelenses agem dessa maneira porque vários terroristas suicidas são jovens que se disfarçam para passar por judeus, inclusive ortodoxos. Mas os jovens árabes e palestinos dizem que a generalização dessa suspeita é uma forma de punição coletiva.
David lembra que duas pessoas em sua família foram vítimas dos terroristas, a quem ele classifica como estúpidos e prejudiciais também à vida dos palestinos.

Obstáculos
Jihan Abdallah diz que só vai ao lado israelense em casos extremos e que prefere ficar no lado palestino ou então ir passear em Ramallah, na Cisjordânia, cidade que é controlada pelos palestinos.
A Folha acompanhou uma viagem da estudante até Ramallah e observou todos os obstáculos. Os soldados, jovens, são simpáticos quando pegam o passaporte brasileiro no posto de controle de Qalandia, que separa Jerusalém de Ramallah. Fazem piadas sobre futebol e rapidamente liberam a passagem, sem muitas perguntas.
Quando chega a vez dos palestinos, a situação muda. Jihan, mesmo vestindo jeans, tênis e camiseta, vestimenta muito similar à de qualquer israelense de Tel Aviv, é parada para interrogatório. Ela possui uma carteira de identidade israelense que a descreve como palestina de 1967 -ela pode circular livremente por Israel, mas não goza de direitos civis como voto, diferentemente dos árabes-israelenses de 1948. Após responder a uma série de perguntas, sua passagem e a de seu irmão George, 20, que estuda em Indiana (EUA), são autorizadas.
Na cidade palestina, eles se encontram com dois amigos, pertencentes a um dos sete clãs cristãos tradicionais de Ramallah. Shaden Khalaf, 18, e Bassam Khalaf, 20, podem ir ao cinema e a festas sem cruzar com soldados israelenses. Uma vida invejável, de acordo com Jihan e o irmão. Mas eles não podem aproveitar muito. Às 21h, o posto de controle de Qalandia é fechado, tornando-se impossível retornar a Jerusalém.
A porcentagem dos jovens palestinos que têm esses hábitos ocidentais é pequena, não chega a 5%, segundo o professor Munther Dajani, da universidade palestina Al Quds. Seria algo como a elite da classe média alta paulistana.
Eles são os poucos que têm a oportunidade de estudar fora. "E os que estão aqui têm cada vez mais dificuldades para chegar à universidade", diz Dajani.
Ele teme que o número de palestinos com educação superior se reduza. Para agravar, os palestinos jovens que estudam no exterior, possivelmente a futura elite intelectual, "podem não querer voltar a morar aqui, para não precisarem conviver com o muro e os checkpoints", diz o professor. Dajani obriga o seu filho, que faz faculdade em Ohio, a vir para Jerusalém todos os verões. "Assim ele não perde a ligação com a terra."


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