São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2007

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Crise de Uribe faz de Betancourt prioridade

Família de candidata seqüestrada há cinco anos acusa presidente colombiano de só agir após escândalo paramilitar e mal-estar com EUA

Presidente francês levou campanha por refém ao G8; Farc se recusam a libertá-la se não houver área sem militares para negociar

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

A família de Ingrid Betancourt acredita que a libertação da ex-candidata presidencial colombiana só chegou ao topo da agenda do presidente Álvaro Uribe graças à crise que ele enfrenta nas últimas semanas.
"Uribe não fez quase nada durante os cinco anos em que ela tem sido refém da guerrilha", disse sua irmã, a advogada Astrid Betancourt, à Folha. "Agora que ele está em baixa nos Estados Unidos e sofre com escândalos internos, começou a falar de acordo humanitário", diz.
Betancourt, 45, foi seqüestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc) em 23 de fevereiro de 2002, quando fazia campanha na selva colombiana. Sua última comunicação com a família foi por um vídeo, distribuído pela guerrilha há quatro anos.
As Farc exigem que o governo colombiano desmilitarize dois vilarejos onde ocorreriam a negociação e a entrega de 56 reféns, entre políticos, militares e policiais, em troca de guerrilheiros presos.
Até agora, Uribe não aceitou esse acordo, sempre citando o fracasso de uma negociação parecida, quando seu antecessor, Andrés Pastrana, deixou uma área de 40 mil km2 nas mãos das Farc.
Nas últimas semanas, porém, essa atitude mudou. Uribe libertou unilateralmente 193 guerrilheiros presos, esperando uma atitude de reciprocidade por parte da guerrilha. As Farc insistem em ter uma área sem o Exército por perto para fazer a negociação.
"Uribe vive uma crise séria e se deu conta que Ingrid pode ser um trunfo", diz Astrid, em relação aos últimos percalços do presidente colombiano.
Por causa de denúncias de abuso aos direitos humanos e por ligações de aliados de Uribe com os paramilitares, os democratas, que detêm maioria no Congresso americano, querem cortar parte da ajuda financeira dos EUA ao país, além de barrar um tratado de livre comércio com a Colômbia.

Celebridade na França
A pressão do novo presidente francês, Nicolas Sarkozy, é outra forte razão para que Betancourt vire prioridade na Colômbia. Criada na França, graças a seu primeiro casamento com um francês, a senadora tem dupla cidadania.
Na França, Betancourt é celebridade desde 2001, quando lançou sua autobiografia, "Coração enfurecido". Nela, conta como entrou na política e no caos colombianos, ao voltar à terra natal, após seu divórcio.
Participou de diversos programas de televisão, e seu livro virou um best-seller, com 300 mil cópias vendidas. Um ano depois do lançamento, ela foi seqüestrada. Sua libertação virou questão nacional.
Do ex-presidente Jacques Chirac ao ex-premiê Dominique de Villepin, amigo dela na faculdade, todos se envolveram em negociações na Colômbia.
Nessa época, a família organizou uma campanha internacional pela sua libertação com muito apelo na França. Sua filha, Mélanie, 21, encontrou-se com todos os candidatos a presidente da França e pediu que se comprometessem a interceder por sua liberdade.
Mais de mil cidades francesas declararam Betancourt "cidadã honorária", além de Roma, Bruxelas e San Francisco. Celebridades como os atores Alain Delon e Isabelle Adjani, além do prefeito parisiense, Bertrand Delanoë, participaram de manifestações a favor de sua libertação.

Prova de vida
O governo francês também protestou contra a vontade de Uribe de arriscar uma operação militar para resgatar a ex-senadora. "Ela poderia morrer. Preferimos uma negociação", diz Astrid. "Mesmo livre, Ingrid não vai descansar até libertar todos os companheiros de cativeiro, que sofreram com ela."
Na semana passada, o ex-marido de Betancourt, Fabrice Delloye, pai de seus dois filhos, cobrou das Farc uma nova prova de vida. "Queremos poder continuar a ter fé", pediu.


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