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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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QUESTÃO AGRÁRIA

Movimento boliviano homônimo do brasileiro ocupa terras e pressiona o governo; MST é "referência" na região

MST inspira sem-terra na América Latina

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Em uma nova onda de invasões, cinco propriedades rurais foram tomadas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), entre elas uma fazenda pertencente a um familiar do presidente da República. Tudo isso não aconteceu no Brasil, mas na vizinha Bolívia, onde uma organização homônima à brasileira vem atuando desde 1999.
O MST boliviano, inspirado no brasileiro, segundo seus próprios fundadores, é mais um exemplo da influência sobre os demais grupos camponeses da América Latina vinda do MST brasileiro, considerado por todos como "uma referência".
O MST brasileiro é a "estrela" dos principais órgãos internacionais que congregam organizações camponesas, como a Via Campesina (ONG internacional que realiza uma campanha global pela reforma agrária) e a Cloc (Coordenação Latino-Americana de Organizações Camponesas). O movimento brasileiro é co-organizador, com a Cloc, de uma escola para militantes latino-americanos que organiza cursos anuais desde 1998 (leia texto na página A20).
"Conhecíamos o MST brasileiro por meio de informações jornalísticas. Isso nos inspirou a organizar o nosso movimento aqui", afirma o fundador e presidente do grupo boliviano, Ángel Durán.
Segundo Durán, os primeiros contatos diretos entre os dois grupos, "para trocar experiências", ocorreu cerca de um ano após o nascimento do movimento boliviano, quando um grupo de dirigentes do MST brasileiro foi até a Bolívia para conhecê-los.
Desde então, a proximidade cresceu. "Ficamos felizes por termos inspirado eles na Bolívia, mas são dois movimentos diferentes, com características próprias", afirma Itelvina Masioli, coordenadora nacional do MST que esteve na Bolívia por duas vezes, a última delas em junho.
"Claro que existe uma influência, porque o MST, como parte de organizações internacionais como a Via Campesina, tem sido uma referência internacional", diz Masioli. "Mas são influências indiretas, mesmo porque o MST nem tem condições de colaborar financeiramente, por exemplo."
O vice-ministro de Terras da Bolívia, Henry Oporto, também vê uma influência do MST brasileiro sobre seu homônimo boliviano. "Não há dúvida de que houve uma inspiração do MST brasileiro. Não é uma coincidência que eles aqui tenham adotado o mesmo nome", afirma.
Ele considera, porém, que os dois movimentos têm características distintas. "Ao contrário do MST brasileiro, o boliviano é composto basicamente por pessoas que abandonaram o campo há muito tempo ou que são filhos de camponeses e que pedem terras porque têm dificuldades de conseguir empregos nas cidades."
O MST boliviano tem também uma organização bem diferente da do brasileiro, cuja estrutura é horizontalizada, com a direção pulverizada entre coordenadores nacionais. "Eles têm uma organização mais ao estilo das organizações sindicais, com uma estrutura mais vertical e um presidente no comando", diz Itelvina Masioli.
A estrutura do MST boliviano acabou por gerar uma cisão, com uma dissidência que acusa a facção liderada por Ángel Durán de ser subserviente ao governo. A onda de invasões deste mês é vista como uma tentativa de Durán de mudar sua imagem.
No sábado retrasado, o governo anunciou a assinatura de um pré-acordo, no qual o MST admitia deixar pacificamente as propriedades ocupadas, entre elas a fazenda Collana, próxima a La Paz, pertencente a uma cunhada da primeira-dama do país, Ximena Sánchez de Lozada.
Mas o MST acusa o governo de não cumprir o acordo e ameaça com novas invasões, entre elas a de uma fazenda do próprio presidente da República, Gonzalo Sánchez de Lozada, no Departamento (Estado) de Santa Cruz (leste).
Anteontem, o movimento denunciou o desaparecimento de dois lavradores durante uma operação policial para reintegração de posse em uma fazenda ocupada, em San Cayetano (leste).
Durán diz ter identificado outros 30 latifúndios supostamente improdutivos passíveis de serem ocupados se o governo não atender as reivindicações do movimento. Neste ano, até agora, já foram 18 invasões.
Ángel Durán diz representar cerca de 250 mil camponeses "que não têm nem um palmo de terra", entre uma população de 8,5 milhões de pessoas. O Inra (Instituto Nacional de Reforma Agrária) diz ter solicitações formais de terras de apenas 10 mil famílias.
"Não temos estatísticas confiáveis sobre a demanda real de terras", diz o vice-ministro Henry Oporto. "Pode ser até mais do que o MST diz, mas eles não mostram nenhum estudo técnico que sustente sua informação", diz.
Apesar de a Bolívia ter passado, em 1953, por uma ampla reforma agrária, considerada até hoje a maior já feita em toda a América do Sul, a concentração de terras ainda é considerada alta.
Segundo dados da Fian, uma organização internacional pelo direito à alimentação que é parceira da Via Campesina na campanha global pela reforma agrária, 80% das famílias proprietárias de terra possuem 2,6% do solo cultivável do país, enquanto os grandes proprietários, que representam 1,8% da população, detêm 85,3% da terra cultivável.
O Inra também contesta esses dados, afirmando que há uma distorção pelo fato de as grandes propriedades do leste do país, dedicadas a culturas extensivas, não poderem ser comparadas com as pequenas propriedades familiares do oeste, onde predomina a agricultura de subsistência.

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