São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Farc deveriam propor paz a Uribe"

Para o jornalista Carlos Lozano, oferta desmontaria argumentos militaristas do presidente colombiano

Esquerdista diz que grupo "está longe de destruído" e que a única solução para o conflito colombiano é por meio de negociação política


SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Jornalista de esquerda, diretor do semanário "Voz" e ex-mediador dos conflitos entre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo da Colômbia, Carlos Lozano, 60, defende que a guerrilha apresente publicamente uma proposta de paz, como forma de se confrontar à opção militarista do governo do presidente Álvaro Uribe.
Em entrevista à Folha, o membro do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista Colombiano e da Junta Nacional do Pólo Democrático Alternativo (PDA), frente de esquerda do país, usa dois adjetivos para definir como deveria ser essa proposta de paz: "clara" e "realista".
Para ele, a proposição guerrilheira seria o modo "de questionar a atual política justamente quando o governo colombiano quer fortalecer a guerra, a confrontação".
No Brasil para participar de um encontro mundial de comunistas, Lozano falou à Folha na noite de quarta passada, por cerca de 90 minutos, na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), no Rio. Leia os principais trechos da conversa.

 

FOLHA - Com o sucesso do governo Uribe nas investidas recentes contra as Farc, a guerrilha está perto do fim?
CARLOS LOZANO
- Na Colômbia, hoje, não há solução para o conflito que não seja a solução negociada. As Farc deveriam neste momento fazer uma proposta clara e realista de paz, que é a maneira de questionar a atual política justamente quando o governo colombiano quer fortalecer a guerra, a confrontação. Cabe a todos nós trabalharmos pela paz, convencermos o governo, convencermos a guerrilha. A guerrilha é a mais afetada pela guerra. A guerrilha tem que fazer uma proposição muito realista, para uma paz digna, que permita à Colômbia fortalecer a democracia, fortalecer a justiça social, que são as causas do conflito.

FOLHA - A decisão de Uribe de privilegiar a força tem tido êxito. A guerrilha está enfraquecida?
LOZANO
- Uribe vem há seis anos tentando a derrota militar da guerrilha. Deu golpes muito fortes na guerrilha, como a morte de Raúl Reyes em território equatoriano e de outros chefes guerrilheiros importantes, além do resgate dos 15 reféns. Mas não significaram a derrota da guerrilha, que continua por todo o país, estabilizada na vida nacional, com presença territorial. O que demonstra que na Colômbia não há solução militar possível. A única saída é política, e isso vale para o governo. É um conflito de natureza política, econômica e social, assim deve ser tratado. Não é um conflito estritamente militar.

FOLHA - As Farc vão conseguir substituir os líderes recentemente mortos?
LOZANO
- São golpes morais na guerrilha, mas ela tem demonstrado capacidade para rechaçá-los de imediato. Seu secretariado está funcionando completo. [Manuel] Marulanda morreu [em março passado] e imediatamente nomearam Alfonso Cano. Creio que mesmo sendo afetada pela persistente ação do Exército, a guerrilha está longe de ser destruída, como dizem os militares há 50 anos.

FOLHA - Qual sua participação nas negociações entre o governo e as Farc?
LOZANO
- Comecei a participar das negociações de paz quando do diálogo da guerrilha e do governo do presidente Andrés Pastrana, entre 1998 e 2002. Fui designado por acordo do governo com as Farc como membro da comissão de notáveis, pluralista, heterogênea politicamente. Tinha a finalidade de produzir informes para a mesa de diálogo para que a guerrilha e o governo buscassem a solução política do conflito, uma perspectiva certa de paz na Colômbia. Depois da ruptura do processo de paz e a vitória de Álvaro Uribe trabalhei em comissão criada para promover a troca das pessoas que estavam nos cárceres colombianos, guerrilheiros, por reféns em poder das Farc.

FOLHA - Até quando o sr. participou dessa comissão extra-oficial?
LOZANO
- Esse grupo não foi designado por ninguém, nem pelo governo nem pela guerrilha. Participaram algumas personalidades da vida nacional e parentes dos reféns, sobretudo Yolanda Pulecio, mãe de Ingrid Betancourt, e Marlene Oruela, presidente da Associação de Familiares de membros da Força Pública em poder das Farc. Trabalhamos na maioria das vezes sem o respaldo de Uribe. Por uma razão: Uribe tem mais interesse em uma saída de força, em operações militares de resgate e na derrota militar da guerrilha.

FOLHA - Por que o governo colombiano o acusa de colaboração com as Farc?
LOZANO
- Cada vez que falava nas contradições do governo de Uribe ele publicamente respondia que eu era porta-voz das Farc. Morto Reyes, seu famoso computador se converteu em uma espécie de caixa de Pandora. Surgem acusações contra todo mundo, até contra mim. Tenho uma investigação preliminar pela Procuradoria Geral da nação. A Procuradoria diz que eu tinha que ser um mediador, mas que me converti em conselheiro político das Farc, pois falava com eles de política e criticava Uribe. É absurdo pensar que numa mediação com a guerrilha não se falará de política. Essa é a investigação contra mim.

FOLHA - A versão oficial do governo para o resgate de Ingrid e outros 14 reféns, no dia 2 de julho, é real?
LOZANO
- Não creio no governo, a versão é muito cinematográfica. Creio que o grupo que tinha a vigilância dos seqüestrados foi convencido por dinheiro. Independentemente se foi uma ou outra coisa, se a versão correta é do governo ou das Farc, o resultado é o mesmo: o governo realizou uma operação audaz, inteligente, que logrou soltar os reféns mais importantes da guerrilha. Mas a versão do governo é mentirosa, é como se fosse um filme.


Texto Anterior: Obama começa tour com visita a Cabul
Próximo Texto: Intervenção humanitária perde credibilidade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.