São Paulo, segunda-feira, 20 de agosto de 2007

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Governo peruano não sabe agir, diz analista

Marco Zileri, diretor da maior revista do país, afirma que desorganização pós-tremor evidencia falta de gestão pública

Apesar de a solidariedade popular não compensar o despreparo, que afeta até a economia do país, ação do presidente foi bem avaliada

Rodrigo Arangua/France Presse
Em San Andres, perto de Pisco, peruanos fazem fila por comida


RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

O terremoto no Peru demonstrou que solidariedade em abundância não é suficiente quando falta gestão. A opinião é de um analista privilegiado da política local, Marco Zileri Dougall, 46. Ele dirige a maior revista política do país, o semanário "Caretas", criada há 56 anos por sua avó.
Zileri diz que as recentes revoltas populares no Peru também se explicam porque não há gestão para a bonança econômica peruana, que cresce há 5 anos com taxas superiores a 5% anuais (7% no ano passado). "Há dinheiro, mas os governos nacional e regionais não sabem gastá-lo", diz. Leia a entrevista que ele concedeu à Folha.

 

FOLHA - As campanhas de arrecadação de donativos estão presentes em cada esquina de Lima, mas esses alimentos e cobertores mal chegam aos desabrigados. Por que a gestão pós-desastre é tão lenta?
MARCO ZILERI
- Vários elos da Defesa Civil não funcionaram. Fala-se mais de solidariedade, mas não adianta ter milhões de donativos se você não os sabe distribuir. Em Pisco, o prefeito desmoronou porque sua irmã está desaparecida. O vice-prefeito também está desaparecido e o governador regional estava no Brasil durante o terremoto e teve problemas com o vôo para retornar. A operação toda ficou sem líder.

FOLHA - Os prefeitos estão despreparados?
ZILERI
- Os prefeitos não são instruídos como agir, não existem planos sistemáticos. Em um país onde abalos sísmicos são freqüentes, isso é incompreensível. Não sabiam o que fazer com os mortos, que ficaram expostos em praça pública.

FOLHA - Pesquisa de ontem do jornal "El Comercio", o mais importante do país, diz que 72% dos limenhos aprovam a atuação do presidente Alan García após o tremor. Por que ele se saiu bem, apesar do caos?
ZILERI
- O fato de ele ter ido para lá, com todos os seus ministros, menos de 24 horas após a tragédia, foi muito bem-visto. O povo gosta de ver o presidente agir. Mas acho que o gesto prevaleceu em relação à ação efetiva. Há muito voluntarismo, mas pouca gestão. A maior lição que deixa o terremoto é a falência da resposta a desastres naturais. A questão é ver se agora a atitude vai mudar para profissionalizar essa gestão.

FOLHA - Há menos de um mês, Alan García enfrentou protestos, greves e sua popularidade já estava baixa, a despeito de estar há apenas um ano no cargo. Seu antecessor, Alejandro Toledo, amargou a taxa mais baixa de popularidade na região, apesar do crescimento econômico do país. O que falta para fazer a bonança chegar aos mais pobres?
ZILERI
- A baixa popularidade é mais sentida nas regiões mais pobres do país, como o Sul e a Cordilheira. O grosso dos eleitores que votaram no [oposicionista] Ollanta Humala estão lá. O governo não tem sabido aproveitar o crescimento econômico de 7% para melhorar as condições dos mais pobres. Isso é mais evidente nos governos regionais, nas prefeituras. Não surgem linhas de crédito para pequenos agricultores nem créditos hipotecários. É um caso raro de ter dinheiro, mas não saber gastá-lo.

FOLHA - Onde gastam?
ZILERI
- A prioridade têm sido obras de infra-estrutura. Elas são necessárias para o crescimento sustentável, mas têm impacto reduzido nos miseráveis. Uma nova estrada beneficia o intermediário, o caminhoneiro, o supermercado de Lima, mas o pequeno agricultor continua vendendo sua produção a preços muito baixos.

FOLHA - Há poucos protestos no país contra a assinatura do Tratado de Livre Comércio com os EUA. Ele é popular? Até García virou defensor.
ZILERI
- Há um consenso nacional de que o TLC pode ser positivo, até entre os agricultores. A agroindústria cresce sem parar aqui, desde que os produtos peruanos passaram a entrar com alíquotas mais baixas nos EUA, fruto de um acordo pelo combate à produção de cocaína. A agroindústria exportava US$ 500 milhões em 2000, hoje exporta US$ 2,5 bilhões. Espera-se que essas exportações se multipliquem. Mas o TLC não resolve se o dinheiro não for bem distribuído.


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