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ANÁLISE
Esquecendo o Iraque enquanto ele explode
ROBERT DREYFUSS
O coração da capital iraquiana está em choque. No Ministério das Relações Exteriores, um
funcionário declarou ao "New
York Times" que "o ministério
todo está destruído". Trata-se
provavelmente dos mais significativos atentados a bomba em
Bagdá desde os ataques à Embaixada da Jordânia e ao edifício da ONU, em 2003.
É impossível superestimar a
importância desses ataques.
Enquanto o presidente Barack
Obama e o Pentágono se concentram no Afeganistão, a
guerra no Iraque mostra sinais
de intensificação -e rápida.
Não é um desfecho inesperado. Árabes e curdos do país estão quase em guerra ao longo
da extensa linha que separa a
região curda do resto do Iraque,
sobretudo na Província de Nínive, cuja capital é Mossul, e na
de Tamim, cuja capital, Kirkuk,
é cobiçada pelos curdos expansionistas.
Enquanto isso, a minoria
árabe sunita se sente cada vez
mais distanciada do regime do
premiê Nuri al Maliki, que vem
se recusando firmemente a
transigir diante das exigências
oposicionistas quanto a seu regime cada vez mais autoritário.
Por mais de um ano, eu e outros temos alertado que o movimento iraquiano de resistência, com seu núcleo nacionalista e elementos mais perversos e
próximos à Al Qaeda, poderia
voltar a eclodir. Talvez o processo já tenha começado.
Existe outro fator, além disso. Depois da eleição de 12 de
junho, EUA e Irã voltaram a se
aproximar perigosamente de
um conflito, e não é impossível
que o regime de Khamenei e
Ahmadinejad, em Teerã, esteja
pensando em intensificar a violência no Iraque como parte da
resistência às ameaças americanas de novas sanções, bem
como outras formas de pressão.
A despeito das bravatas de
Maliki, é improvável que as
Forças Armadas ou o serviço de
informações iraquianos, bem
como a unidade secreta de
combate ao terrorismo que se
reporta diretamente ao premiê,
sejam capazes de enfrentar a
espécie de violência que deve
inflamar o Iraque quando as
tropas americanas se forem.
Não existe nada no Iraque
que não esteja sob dúvida. É
possível que as eleições marcadas para janeiro nem mesmo
aconteçam, caso a violência se
intensifique. Enquanto isso,
Maliki sugeriu um plano para
realizar um referendo sobre o
tratado de segurança entre Iraque e EUA, em janeiro, submetendo o acordo à população do
país para aprovação. Caso o tratado seja rejeitado, os EUA se
veriam forçados a retirar todas
as suas forças em 2010, e não
em 2011, como planejado.
O jornal "Wall Street Journal" reporta que autoridades
dos EUA e da Síria chegaram a
um acordo para restringir as
atividades da resistência iraquiana e dos militantes do Partido Baath em território sírio,
na semana passada. As avaliações trilaterais de fronteira
propostas sob o acordo podem
reforçar a segurança iraquiana
e firmar uma das linhas de falha
mais instáveis da região.
A Síria alegou ter detido mais
de 1.700 militantes, impedido
potenciais combatentes de passar pelo país a caminho do Iraque e imposto um regime mais
rigoroso de patrulha de fronteira. A Síria também parece ter
tomado medidas de repressão
contra antigos membros do regime de Saddam Hussein refugiados em Damasco após a invasão americana.
"Os baathistas vêm sofrendo
forte pressão nos últimos meses", diz importante diplomata
ocidental. "Alguns deles foram
expulsos do país, outros foram
instruídos a fechar a matraca."
A rede britânica de TV BBC
também questionou a estabilidade iraquiana e indagou se os
responsáveis pelos mais recentes episódios de violência são
simplesmente terroristas ou
agentes políticos que querem
enviar mensagem a Maliki.
Obama fingiu por tempo demais que o Iraque não existe.
Como venho afirmando repetidamente, durante a campanha
ele prometeu pedir ajuda às
Nações Unidas e às demais potências para um grande esforço
internacional de reorganização
da equação política iraquiana.
Até agora, nada fez quanto a
isso, e permitiu que a situação
iraquiana se inflamasse sob a
ocupação militar e a tutela política dos EUA, com pouco ou nenhum envolvimento de parte
do resto do mundo, especialmente Europa, Rússia e as nações vizinhas do Iraque.
Dentro da Casa Branca e do
Departamento de Estado, é difícil identificar alguém que responda pelos assuntos iraquianos. O assunto parece ter desaparecido de vista.
Os EUA já
não têm a opção de desacelerar
ou reverter sua retirada, mas
envolvimento internacional e
da ONU na reconstrução política do Iraque é urgentemente
necessário. As explosões que
destruíram os ministérios do
Exterior e Finanças iraquianos
enfatizam o fato.
ROBERT DREYFUSS é colaborador da revista
"Nation" e autor de "Devil's Game: How the United States Helped Unleash Fundamentalist Islam" [o jogo do diabo: como os Estados Unidos
ajudaram a despertar o fundamentalismo islâmico]. Artigo distribuído pela Agence Global
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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