São Paulo, quinta-feira, 20 de agosto de 2009

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ANÁLISE

Esquecendo o Iraque enquanto ele explode

ROBERT DREYFUSS

O coração da capital iraquiana está em choque. No Ministério das Relações Exteriores, um funcionário declarou ao "New York Times" que "o ministério todo está destruído". Trata-se provavelmente dos mais significativos atentados a bomba em Bagdá desde os ataques à Embaixada da Jordânia e ao edifício da ONU, em 2003. É impossível superestimar a importância desses ataques.
Enquanto o presidente Barack Obama e o Pentágono se concentram no Afeganistão, a guerra no Iraque mostra sinais de intensificação -e rápida. Não é um desfecho inesperado. Árabes e curdos do país estão quase em guerra ao longo da extensa linha que separa a região curda do resto do Iraque, sobretudo na Província de Nínive, cuja capital é Mossul, e na de Tamim, cuja capital, Kirkuk, é cobiçada pelos curdos expansionistas.
Enquanto isso, a minoria árabe sunita se sente cada vez mais distanciada do regime do premiê Nuri al Maliki, que vem se recusando firmemente a transigir diante das exigências oposicionistas quanto a seu regime cada vez mais autoritário. Por mais de um ano, eu e outros temos alertado que o movimento iraquiano de resistência, com seu núcleo nacionalista e elementos mais perversos e próximos à Al Qaeda, poderia voltar a eclodir. Talvez o processo já tenha começado.
Existe outro fator, além disso. Depois da eleição de 12 de junho, EUA e Irã voltaram a se aproximar perigosamente de um conflito, e não é impossível que o regime de Khamenei e Ahmadinejad, em Teerã, esteja pensando em intensificar a violência no Iraque como parte da resistência às ameaças americanas de novas sanções, bem como outras formas de pressão.
A despeito das bravatas de Maliki, é improvável que as Forças Armadas ou o serviço de informações iraquianos, bem como a unidade secreta de combate ao terrorismo que se reporta diretamente ao premiê, sejam capazes de enfrentar a espécie de violência que deve inflamar o Iraque quando as tropas americanas se forem.
Não existe nada no Iraque que não esteja sob dúvida. É possível que as eleições marcadas para janeiro nem mesmo aconteçam, caso a violência se intensifique. Enquanto isso, Maliki sugeriu um plano para realizar um referendo sobre o tratado de segurança entre Iraque e EUA, em janeiro, submetendo o acordo à população do país para aprovação. Caso o tratado seja rejeitado, os EUA se veriam forçados a retirar todas as suas forças em 2010, e não em 2011, como planejado.
O jornal "Wall Street Journal" reporta que autoridades dos EUA e da Síria chegaram a um acordo para restringir as atividades da resistência iraquiana e dos militantes do Partido Baath em território sírio, na semana passada. As avaliações trilaterais de fronteira propostas sob o acordo podem reforçar a segurança iraquiana e firmar uma das linhas de falha mais instáveis da região.
A Síria alegou ter detido mais de 1.700 militantes, impedido potenciais combatentes de passar pelo país a caminho do Iraque e imposto um regime mais rigoroso de patrulha de fronteira. A Síria também parece ter tomado medidas de repressão contra antigos membros do regime de Saddam Hussein refugiados em Damasco após a invasão americana. "Os baathistas vêm sofrendo forte pressão nos últimos meses", diz importante diplomata ocidental. "Alguns deles foram expulsos do país, outros foram instruídos a fechar a matraca."
A rede britânica de TV BBC também questionou a estabilidade iraquiana e indagou se os responsáveis pelos mais recentes episódios de violência são simplesmente terroristas ou agentes políticos que querem enviar mensagem a Maliki. Obama fingiu por tempo demais que o Iraque não existe. Como venho afirmando repetidamente, durante a campanha ele prometeu pedir ajuda às Nações Unidas e às demais potências para um grande esforço internacional de reorganização da equação política iraquiana.
Até agora, nada fez quanto a isso, e permitiu que a situação iraquiana se inflamasse sob a ocupação militar e a tutela política dos EUA, com pouco ou nenhum envolvimento de parte do resto do mundo, especialmente Europa, Rússia e as nações vizinhas do Iraque. Dentro da Casa Branca e do Departamento de Estado, é difícil identificar alguém que responda pelos assuntos iraquianos. O assunto parece ter desaparecido de vista.
Os EUA já não têm a opção de desacelerar ou reverter sua retirada, mas envolvimento internacional e da ONU na reconstrução política do Iraque é urgentemente necessário. As explosões que destruíram os ministérios do Exterior e Finanças iraquianos enfatizam o fato.

ROBERT DREYFUSS é colaborador da revista "Nation" e autor de "Devil's Game: How the United States Helped Unleash Fundamentalist Islam" [o jogo do diabo: como os Estados Unidos ajudaram a despertar o fundamentalismo islâmico]. Artigo distribuído pela Agence Global

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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