São Paulo, quinta-feira, 20 de agosto de 2009

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Temor faz de Cabul uma cidade-fantasma

Ruas onde movimentação normalmente é intensa ficam desertas; afegãos com familiares no norte deixaram a capital

Taleban distribui cartilhas criticando "eleição dos americanos" para intimidar cidadãos que pretendem ir às urnas na votação de hoje


DO ENVIADO A CABUL

O medo e o reforço na segurança transfiguraram ontem a geralmente caótica Cabul em uma cidade sem trânsito -e sem liberdade de locomoção também. Moradores com familiares na mais tranquila região norte do Afeganistão iniciaram o que parece ser uma pequena migração.
Depois de dois atentados suicidas, dois ataques de morteiros e um tiroteio misterioso em apenas cinco dias, os cabulitas aparentemente ouviram a ameaça do Taleban.
"Não vou ficar aqui. Vou para Baghlan [norte], onde tenho primos. Lá, posso até votar tranquilamente", disse Muhammad Jaillani, que tem uma pequena pousada na sempre movimentada rua Sarang. Pela lei eleitoral, é possível votar para presidente em qualquer Província, mas para as assembleias locais é necessário estar no próprio território.
A rua Sarang, assim como várias outras ontem em Cabul, passou o dia deserta. Poucos carros enfrentaram os diversos bloqueios policiais, que, se já eram muitos nos dias anteriores, se multiplicaram ontem.
A exceção era encontrada na saída norte da cidade, que leva a regiões em que o Taleban não tem presença expressiva. Moradores faziam fila para entrar em vans e táxis compartilhados para rumar país acima.
"Hoje tive um movimento impressionante, todo mundo dizendo que ia para o norte", afirmou Ali, que cuida do posto de gasolina One Star, o último na saída de Cabul.
Praticamente todo o comércio da cidade fechou ontem. Perto do mercado de Shoh, ponto nevrálgico em que convergem ambulantes, lojas típicas, casas de câmbio e de joias, parecia que uma bomba de nêutrons havia sido jogada.
Mais adiante, perto do canal central já seco da cidade, apenas vendedores de carne na rua. E as onipresentes moscas que os acompanham.
Ontem foi feriado no Afeganistão, comemoração da independência dos britânicos em 1919. Mas as lojas nunca fecham em feriados, quando o movimento cresce.

Cartilha do Taleban
"Estamos com medo mesmo", disse Jaillani. Numa loja fechada a que a Folha foi levada, dentro do mercado de Shoh, um dos motivos da preocupação: em plena capital estão sendo distribuídas cartilhas atribuídas ao Taleban criticando as "eleições dos americanos".
Uma brochura com 20 páginas coloridas e repletas de fotos de crianças mutiladas e outras crueldades é encimada por palavras pedindo para que ninguém vote. Não há assinatura, mas o comerciante disse que era coisa do Taleban.
Seja qual for a autoria, o tom é fiel ao que o Taleban vem dizendo, embora não haja ameaça direta de morte para quem votar, como em outros comunicados do grupo extremista. Resta saber se tudo isso será vencido pelo que a Comissão Independente Eleitoral chama de "coragem dos afegãos contra a violência".
(IGOR GIELOW)


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