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Temor faz de Cabul uma cidade-fantasma
Ruas onde movimentação normalmente é intensa ficam desertas; afegãos com familiares no norte deixaram a capital
Taleban distribui cartilhas criticando "eleição dos americanos" para intimidar cidadãos que pretendem ir às urnas na votação de hoje
DO ENVIADO A CABUL
O medo e o reforço na segurança transfiguraram ontem a
geralmente caótica Cabul em
uma cidade sem trânsito -e
sem liberdade de locomoção
também. Moradores com familiares na mais tranquila região
norte do Afeganistão iniciaram
o que parece ser uma pequena
migração.
Depois de dois atentados suicidas, dois ataques de morteiros e um tiroteio misterioso em
apenas cinco dias, os cabulitas
aparentemente ouviram a
ameaça do Taleban.
"Não vou ficar aqui. Vou para
Baghlan [norte], onde tenho
primos. Lá, posso até votar
tranquilamente", disse Muhammad Jaillani, que tem uma
pequena pousada na sempre
movimentada rua Sarang. Pela
lei eleitoral, é possível votar para presidente em qualquer Província, mas para as assembleias
locais é necessário estar no próprio território.
A rua Sarang, assim como várias outras ontem em Cabul,
passou o dia deserta. Poucos
carros enfrentaram os diversos
bloqueios policiais, que, se já
eram muitos nos dias anteriores, se multiplicaram ontem.
A exceção era encontrada na
saída norte da cidade, que leva a
regiões em que o Taleban não
tem presença expressiva. Moradores faziam fila para entrar
em vans e táxis compartilhados
para rumar país acima.
"Hoje tive um movimento
impressionante, todo mundo
dizendo que ia para o norte",
afirmou Ali, que cuida do posto
de gasolina One Star, o último
na saída de Cabul.
Praticamente todo o comércio da cidade fechou ontem.
Perto do mercado de Shoh,
ponto nevrálgico em que convergem ambulantes, lojas típicas, casas de câmbio e de joias,
parecia que uma bomba de
nêutrons havia sido jogada.
Mais adiante, perto do canal
central já seco da cidade, apenas vendedores de carne na
rua. E as onipresentes moscas
que os acompanham.
Ontem foi feriado no Afeganistão, comemoração da independência dos britânicos em
1919. Mas as lojas nunca fecham em feriados, quando o
movimento cresce.
Cartilha do Taleban
"Estamos com medo mesmo", disse Jaillani. Numa loja
fechada a que a Folha foi levada, dentro do mercado de Shoh,
um dos motivos da preocupação: em plena capital estão sendo distribuídas cartilhas atribuídas ao Taleban criticando as
"eleições dos americanos".
Uma brochura com 20 páginas coloridas e repletas de fotos de crianças mutiladas e outras crueldades é encimada por
palavras pedindo para que ninguém vote. Não há assinatura,
mas o comerciante disse que
era coisa do Taleban.
Seja qual for a autoria, o tom
é fiel ao que o Taleban vem dizendo, embora não haja ameaça direta de morte para quem
votar, como em outros comunicados do grupo extremista.
Resta saber se tudo isso será
vencido pelo que a Comissão
Independente Eleitoral chama
de "coragem dos afegãos contra
a violência".
(IGOR GIELOW)
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