São Paulo, segunda-feira, 20 de setembro de 2004

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JUAN CARLOS BLUMBERG

Pai do jovem Axel, morto em seqüestro na Argentina, quer redução da idade penal para 14 anos

"Vou cumprir o que prometi a meu filho em seu túmulo"

CLAUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

O aumento da violência e, principalmente, do número de seqüestros na Argentina depois que o país entrou na mais profunda crise econômica de sua história fez surgir um novo líder. Juan Carlos Blumberg encampou uma "cruzada contra a insegurança" após perder o filho Axel seqüestrado. Desde então, mergulhou em uma frenética campanha para mudar o funcionamento da Justiça e o código penal na Argentina e tornou-se um "xerife" de seqüestros, ao negociar com criminosos.
Em apenas seis meses, reuniu, em três marchas, milhares de pessoas que lotaram o centro de Buenos Aires com velas em punho e passou a estar diariamente na mídia. Já foi recebido pelo papa e pelo presidente Néstor Kirchner.
Com as petições que entregou ao Congresso, com 5,174 milhões de assinaturas, conseguiu elevar o tempo máximo de cumprimento da pena de prisão para 50 anos, tornar lei o trabalho em presídios e o registro de celulares. Quer reduzir a idade de imputabilidade penal para 14 anos e acha que o Brasil deveria fazer o mesmo.
Não conseguiu tudo isso sem gerar polêmica. Suas declarações foram consideradas conservadoras e foi chamado de "radical de direita" e "piqueteiro da classe média". Descendente de alemães, Blumberg se autodefine como "católico fervoroso de centro-esquerda". Entre seus colaboradores estão o ex-ditador argentino general Jorge Rafael Videla, o escritor Mário Vargas Llosa e o prefeito de Santiago, Joaquín Lavín, que foi colaborador do ex-ditador chileno Augusto Pinochet.
Blumberg nega que pretenda usar seu incrível poder de convocar multidões para candidatar-se a cargos públicos. Mas apresentou novas petições exigindo a eliminação de listas fechadas nas eleições parlamentares, o voto eletrônico e a transparência no financiamento de campanhas.
Na semana passada, concedeu a seguinte entrevista à Folha em sua casa, em um elegante bairro de classe média alta nos arredores de Buenos Aires. Dois dias depois, ajudou a polícia a desbaratar um grupo de seqüestradores, ao receber uma denúncia por fax.

Folha - Em seis meses, seu rosto tornou-se um dos mais conhecidos da Argentina e o sr. passou a ser uma das pessoas mais procuradas pela mídia. O que pretende fazer com tanta fama?
Juan Carlos Blumberg -
Meu objetivo é lutar para que não aconteça com outros meninos o que aconteceu com o meu filho. O que queremos é que nossos filhos tenham segurança e justiça, mas também educação e saúde. É por isso que fizemos as marchas e apresentamos petições ao Congresso assinadas por 5,174 milhões de pessoas. Estamos quase terminando os preparativos para montar a Fundação Axel [nome de seu filho, seqüestrado e morto no início do ano em Buenos Aires]. Por ora, trabalhamos na minha casa. Na primeira das três marchas havia 350 mil pessoas. Mas o governo diz que eram 150 mil, o que não é verdade. Tiramos fotos e calculamos por metro quadrado. Na segunda marcha houve 120 mil pessoas e, na terceira, entre 120 e 130 mil. Os números do governo, é claro, são diferentes.

Folha - O sr. tem concedido muitas entrevistas?
Blumberg -
Muitas. Todos os dias. Houve uma vez que falei com 170 rádios em um único dia.

Folha - As petições que o sr. entregou ao Congresso incluem pontos polêmicos, como a redução da imputabilidade penal para 14 anos. O que o senhor já conseguiu?
Blumberg -
Foi aprovado no Congresso cerca de 70% do que havia na petição, ou seja, o aumento da pena máxima para 50 anos, conseguimos que o delito de porte de armas não seja mais afiançável, introduzimos o somatório de penas, que antes não existia, conseguimos que aprovassem a introdução do trabalho nas prisões e o registro de celulares. Falta a imputabilidade de menores e a informatização dos DNIs [carteiras de identidade], para que não possam ser falsificados. Hoje é feito à mão, não há a segurança de um sistema de código de barras. Já há prisões no sul do país onde os reclusos trabalham fazendo doces, macarrão. Em outros lugares fazem mesas e cadeiras.

Folha - A imputabilidade de menores é um tema muito polêmico. É também uma discussão no Brasil. O sr. acha que o Brasil também deveria baixar a idade penal?
Blumberg -
Certamente. É um tema polêmico, mas tem que ser feito. Muitos menores matam e não são detidos. O ideal seria que eles fossem recolhidos em institutos especiais, onde tenham assistência psicológica, espiritual e possam trabalhar e estudar, de maneira que amanhã possam se reinserir na sociedade.

Folha - O sr. usará a popularidade e o poder de influência que adquiriu para iniciar carreira política?
Blumberg -
De jeito nenhum. A idéia é trabalhar na fundação, com foco em segurança e Justiça. No futuro, podemos ampliar o foco. Mas é preciso concentrar esforços para conseguir resultados.

Folha - Ampliar o foco pode incluir política?
Blumberg -
Não acredito.

Folha - Mas o sr. já estendeu o foco para a área política. Na última marcha, entregou ao Congresso nova petição. Desta vez o sr. pediu reformas políticas.
Blumberg -
Pedi isso porque essas 5,174 milhões de pessoas pedem. Querem que sejam eliminadas as listas fechadas, para que possam votar em seus candidatos, e não receber uma lista de nomes. Fui um porta-voz. Também pediam que fosse introduzido voto eletrônico e mais transparência no financiamento de campanhas.

Folha - Com tantas atividades e entrevistas, o sr. deve ter deixado de trabalhar, imagino. Como se financia? Recebe ajuda?
Blumberg -
Não, não. Eu sou engenheiro têxtil e continuo trabalhando como consultor. Hoje mesmo fui visitar uma fábrica. As viagens ao exterior são pagas pelas fundações ou pelas pessoas que nos convidam. Mas também usamos dinheiro próprio. Como ainda não temos uma conta corrente da fundação, não recebemos ajuda de ninguém. Acho que gastamos uns US$ 30 mil, US$ 15 mil até agora.

Folha - O sr. diz nós. Quem são as outras pessoas?
Blumberg -
São pais de amigos de Axel. Nós nos conhecemos quando os meninos estavam no jardim da infância. Há muitos anos somos um grupo íntimo de mais ou menos 40 pessoas.

Folha - O sr. prepara um mapa do delito na Argentina. O que é?
Blumberg -
Queremos ter estatísticas certas de tudo o que acontece por zonas, quantos roubos, violações, assassinatos, seqüestros. Quantificar todos os delitos, como progridem ou diminuem e controlar quais são os recursos e as limitações da Justiça. Na Argentina, 98% do Orçamento vai para o Poder Executivo, para a Justiça vai apenas 1%. A média no resto do mundo é de 3%. Na última petição, também exigimos aumento do orçamento da Justiça.

Folha - Por que acha que o presidente Néstor Kirchner o ouve tanto. O sr. foi recebido por ele duas vezes. De que falaram?
Blumberg -
Nos ouvem porque pedimos coisas que têm lógica e sobre questões onde há falhas. Talvez sejam coisas que não foram feitas antes porque faltou mais pressão da cidadania. Estive com ele duas vezes. Mas devo encontrá-lo de novo porque há coisas pendentes, como a rede informatizada entre os tribunais. Isso custa US$ 49 milhões para os 849 tribunais. Ele disse que pode implementar o sistema em dois anos, mas nós pedimos para já. Pedimos a implementação do sistema ISO nos processos, para dar mais eficiência. Isso custa cerca de US$ 5 milhões, mas reduz muito o tempo da Justiça. Pedi também 28 passagens para que os chefes de polícia possam fazer cursos na Academia de Polícia de Miami.

Folha - Há políticos que tentam usar seu palanque?
Blumberg -
Sim. Todos os partidos. Mas somos apolíticos, o que queremos é juntar todas as diferentes idéias e ter um objetivo comum. Se nos aliarmos a um partido, só teremos esse grupo. Precisamos de todos, da esquerda, da direita, para sermos muitos.

Folha - O sr. esteve com o papa. O que disse a ele?
Blumberg -
Ele me disse que Axel está no céu e para que continue lutando. Foi um encontro muito rápido, mas depois tive um encontro de uma hora e meia com Monsenhor Leonardo Sandri, o terceiro da hierarquia eclesiástica do Vaticano. Falamos sobre como na Argentina se perdeu o sentido de família. Consegui o encontro através de uma pessoas que conhecia. Sou um católico fervoroso, foi de grande valor espiritual.

Folha - O sr. é identificado com a direita mais radical.
Blumberg -
Não sei por quê. Eu sou de centro, mas para a esquerda. Diria que sou de centro-esquerda, sempre fui.

Folha - Mas o sr. tem um advogado, Roberto Durrieu, que trabalhou para ex-general Jorge Rafael Videla na época da ditadura.
Blumberg -
Ele é um criminalista. Procurei vários escritórios famosos que disseram que poderiam ir atrás dos assassinos de meu filho, desde que não houvesse polícias ou políticos envolvidos. O escritório dele foi o único a não impor esse tipo de restrição.

Folhas - Suas declarações sobre direitos humanos também geraram polêmica.
Blumberg -
O que eu disse é que os direitos humanos têm que ser para todos. Às vezes cuidam mais dos direitos humanos dos delinqüentes. Por outro lado, o primeiro que não teve direitos humanos foi Axel, porque lhe tiraram a vida. Desnutrição e falta de medicamentos em hospitais também são questões de direitos humanos. O que eu digo é que direitos humanos têm que ser para todos.

Folha - O que o sr. acha dos piqueteiros?
Blumberg -
Eles têm o direito de reclamar porque estão sem trabalho, mas eu não aceito os métodos. Às vezes vão para as manifestações com paus e com a cara coberta, interrompendo ruas e avenidas e prejudicando outros cidadãos. Eu digo a eles que peçam dinheiro ao governo, pintem um hospital, por exemplo, e coloquem um cartaz dizendo "Isso foi feito pelos piqueteiros". Dessa forma as pessoas vão gostar deles.

Folha - O chefe de governo Alberto Fernandez disse que a classe média só se mexe quando problemas chegam a ela. O que acha disso?
Blumberg -
São palavras desafortunadas. Isso é um disparate. O que aconteceu é que chegamos a tal ponto de falta de segurança que as pessoas saem às ruas para realizarem manifestações. Entre os 350 mil que foram à primeira marcha havia gente de todas as classes sociais e os que mais sofrem são os pobres.

Folha - O sr. chegou a orientar famílias vítimas de seqüestros?
Blumberg -
Sim. Venho tentando estar com as famílias nesse momento difícil. Mas são os psicólogos que devem fazer esse papel. Tenho recebido telefonemas de seqüestradores. Já telefonaram para minha casa para negociar.

Folha - Quantas vezes isso aconteceu?
Blumberg -
Algumas vezes, mas eu não quero ser negociador de seqüestro. Este não é o meu trabalho. Há muita gente que não denuncia à polícia por medo. Mas isso é grave, porque as pessoas precisam fazer essas denúncias para que as instituições públicas nos protejam.

Folha - Mas, no caso do seqüestro de seu filho, as instituições falharam, não foi isso?
Blumberg -
Sim. Mas temos que fortalecer as instituições para que, de alguma maneira, elas se fortaleçam. Isso não é um trabalho para os civis, mas para as instituições. No caso de Axel, o erro foi dos promotores que cuidavam do caso, que deram ordem de interceptar o veículo dos seqüestradores, que era blindado, e não disseram nada nem à Side (serviço de inteligência argentino). Houve um tiroteio. Eu havia ido lá para pagar o resgate, mas eles interceptaram antes. Os fiscais foram afastados, mas os estamos processando. Os bandidos foram presos, são 13. Kirchner colocou a Side para resolver o caso, mas só após a realização da primeira marcha.

Folha - O sr. tem tido contato com outras pessoas em outros países, no Brasil, por exemplo?
Blumberg -
Do Brasil não. Tive contato com fundações do Chile, da Bolívia, da Colômbia. A idéia é estarmos todos unidos e estender a causa. Quanto mais unidos, mais vamos conseguir. Vamos fazer uma viagem à Holanda e à Alemanha, para nos reunir com as academias de polícia e funcionários da Justiça. Há especialistas em tratamento de seqüestros que pediram para serem sócios honorários da Fundação Axel, como também será Mário Vargas Llosa, o escritor peruano, e o prefeito de Santiago, Joaquim Lavín. E vamos buscar outras pessoas que possam ajudar.

Folha - No Brasil, os índices de violência são altíssimos, muito mais elevados do que os da Argentina. O que o sr. teria a dizer aos brasileiros?
Blumberg -
Que, lamentavelmente, temos que exigir que a Justiça funcione. A única forma de fazer isso é reclamando, procurando as instituições. Eu vou continuar até cumprir o que prometi a Axel no seu túmulo, que lutaria para que não aconteça a outros meninos o que aconteceu com ele.


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