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JUAN CARLOS BLUMBERG
Pai do jovem Axel, morto em seqüestro na Argentina, quer redução da idade penal para 14 anos
"Vou cumprir o que prometi a meu filho em seu túmulo"
CLAUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES
O aumento da violência e, principalmente, do número de seqüestros na Argentina depois que
o país entrou na mais profunda
crise econômica de sua história
fez surgir um novo líder. Juan
Carlos Blumberg encampou uma
"cruzada contra a insegurança"
após perder o filho Axel seqüestrado. Desde então, mergulhou
em uma frenética campanha para
mudar o funcionamento da Justiça e o código penal na Argentina e
tornou-se um "xerife" de seqüestros, ao negociar com criminosos.
Em apenas seis meses, reuniu,
em três marchas, milhares de pessoas que lotaram o centro de Buenos Aires com velas em punho e
passou a estar diariamente na mídia. Já foi recebido pelo papa e pelo presidente Néstor Kirchner.
Com as petições que entregou
ao Congresso, com 5,174 milhões
de assinaturas, conseguiu elevar o
tempo máximo de cumprimento
da pena de prisão para 50 anos,
tornar lei o trabalho em presídios
e o registro de celulares. Quer reduzir a idade de imputabilidade
penal para 14 anos e acha que o
Brasil deveria fazer o mesmo.
Não conseguiu tudo isso sem
gerar polêmica. Suas declarações
foram consideradas conservadoras e foi chamado de "radical de
direita" e "piqueteiro da classe
média". Descendente de alemães,
Blumberg se autodefine como
"católico fervoroso de centro-esquerda". Entre seus colaboradores estão o ex-ditador argentino
general Jorge Rafael Videla, o escritor Mário Vargas Llosa e o prefeito de Santiago, Joaquín Lavín,
que foi colaborador do ex-ditador
chileno Augusto Pinochet.
Blumberg nega que pretenda
usar seu incrível poder de convocar multidões para candidatar-se
a cargos públicos. Mas apresentou novas petições exigindo a eliminação de listas fechadas nas
eleições parlamentares, o voto
eletrônico e a transparência no financiamento de campanhas.
Na semana passada, concedeu a
seguinte entrevista à Folha em
sua casa, em um elegante bairro
de classe média alta nos arredores
de Buenos Aires. Dois dias depois,
ajudou a polícia a desbaratar um
grupo de seqüestradores, ao receber uma denúncia por fax.
Folha - Em seis meses, seu rosto
tornou-se um dos mais conhecidos
da Argentina e o sr. passou a ser
uma das pessoas mais procuradas
pela mídia. O que pretende fazer
com tanta fama?
Juan Carlos Blumberg - Meu objetivo é lutar para que não aconteça com outros meninos o que
aconteceu com o meu filho. O que
queremos é que nossos filhos tenham segurança e justiça, mas
também educação e saúde. É por
isso que fizemos as marchas e
apresentamos petições ao Congresso assinadas por 5,174 milhões de pessoas. Estamos quase
terminando os preparativos para
montar a Fundação Axel [nome
de seu filho, seqüestrado e morto
no início do ano em Buenos Aires]. Por ora, trabalhamos na minha casa. Na primeira das três
marchas havia 350 mil pessoas.
Mas o governo diz que eram 150
mil, o que não é verdade. Tiramos
fotos e calculamos por metro quadrado. Na segunda marcha houve
120 mil pessoas e, na terceira, entre 120 e 130 mil. Os números do
governo, é claro, são diferentes.
Folha - O sr. tem concedido muitas entrevistas?
Blumberg - Muitas. Todos os
dias. Houve uma vez que falei
com 170 rádios em um único dia.
Folha - As petições que o sr. entregou ao Congresso incluem pontos polêmicos, como a redução da
imputabilidade penal para 14
anos. O que o senhor já conseguiu?
Blumberg - Foi aprovado no
Congresso cerca de 70% do que
havia na petição, ou seja, o aumento da pena máxima para 50
anos, conseguimos que o delito de
porte de armas não seja mais
afiançável, introduzimos o somatório de penas, que antes não existia, conseguimos que aprovassem
a introdução do trabalho nas prisões e o registro de celulares. Falta
a imputabilidade de menores e a
informatização dos DNIs [carteiras de identidade], para que não
possam ser falsificados. Hoje é feito à mão, não há a segurança de
um sistema de código de barras.
Já há prisões no sul do país onde
os reclusos trabalham fazendo
doces, macarrão. Em outros lugares fazem mesas e cadeiras.
Folha - A imputabilidade de menores é um tema muito polêmico. É
também uma discussão no Brasil. O
sr. acha que o Brasil também deveria baixar a idade penal?
Blumberg - Certamente. É um
tema polêmico, mas tem que ser
feito. Muitos menores matam e
não são detidos. O ideal seria que
eles fossem recolhidos em institutos especiais, onde tenham assistência psicológica, espiritual e
possam trabalhar e estudar, de
maneira que amanhã possam se
reinserir na sociedade.
Folha - O sr. usará a popularidade
e o poder de influência que adquiriu para iniciar carreira política?
Blumberg - De jeito nenhum. A
idéia é trabalhar na fundação,
com foco em segurança e Justiça.
No futuro, podemos ampliar o foco. Mas é preciso concentrar esforços para conseguir resultados.
Folha - Ampliar
o foco pode incluir política?
Blumberg - Não
acredito.
Folha - Mas o sr.
já estendeu o foco para a área política. Na última
marcha, entregou ao Congresso
nova petição.
Desta vez o sr. pediu reformas políticas.
Blumberg - Pedi isso porque
essas 5,174 milhões de pessoas
pedem. Querem
que sejam eliminadas as listas fechadas, para que
possam votar em seus candidatos,
e não receber uma lista de nomes.
Fui um porta-voz. Também pediam que fosse introduzido voto
eletrônico e mais transparência
no financiamento de campanhas.
Folha - Com tantas atividades e
entrevistas, o sr. deve ter deixado
de trabalhar, imagino. Como se financia? Recebe ajuda?
Blumberg - Não, não. Eu sou engenheiro têxtil e continuo trabalhando como consultor. Hoje
mesmo fui visitar uma fábrica. As
viagens ao exterior são pagas pelas fundações ou pelas pessoas
que nos convidam. Mas também
usamos dinheiro próprio. Como
ainda não temos uma conta corrente da fundação, não recebemos ajuda de ninguém. Acho que
gastamos uns US$ 30 mil, US$ 15
mil até agora.
Folha - O sr. diz nós. Quem são as
outras pessoas?
Blumberg - São pais de amigos
de Axel. Nós nos conhecemos
quando os meninos estavam no
jardim da infância. Há muitos
anos somos um grupo íntimo de
mais ou menos 40 pessoas.
Folha - O sr. prepara um mapa do
delito na Argentina. O que é?
Blumberg - Queremos ter estatísticas certas de tudo o que acontece por zonas, quantos roubos,
violações, assassinatos, seqüestros. Quantificar todos os delitos,
como progridem ou diminuem e
controlar quais são os recursos e
as limitações da Justiça. Na Argentina, 98% do Orçamento vai
para o Poder Executivo, para a
Justiça vai apenas 1%. A média no
resto do mundo é de 3%. Na última petição, também exigimos aumento do orçamento da Justiça.
Folha - Por que acha que o presidente Néstor Kirchner o ouve tanto. O sr. foi recebido por ele duas
vezes. De que falaram?
Blumberg - Nos ouvem porque pedimos
coisas que têm lógica e
sobre questões onde
há falhas. Talvez sejam
coisas que não foram
feitas antes porque faltou mais pressão da cidadania. Estive com
ele duas vezes. Mas devo encontrá-lo de novo porque há coisas
pendentes, como a rede informatizada entre os tribunais. Isso
custa US$ 49 milhões
para os 849 tribunais.
Ele disse que pode implementar o sistema
em dois anos, mas nós
pedimos para já. Pedimos a implementação
do sistema ISO nos
processos, para dar mais eficiência. Isso custa cerca de US$ 5 milhões, mas reduz muito o tempo
da Justiça. Pedi também 28 passagens para que os chefes de polícia
possam fazer cursos na Academia
de Polícia de Miami.
Folha - Há políticos que tentam
usar seu palanque?
Blumberg - Sim. Todos os partidos. Mas somos apolíticos, o que
queremos é juntar todas as diferentes idéias e ter um objetivo comum. Se nos aliarmos a um partido, só teremos esse grupo. Precisamos de todos, da esquerda, da
direita, para sermos muitos.
Folha - O sr. esteve com o papa. O
que disse a ele?
Blumberg - Ele me disse que
Axel está no céu e para que continue lutando. Foi um encontro
muito rápido, mas depois tive um
encontro de uma hora e meia com
Monsenhor Leonardo Sandri, o
terceiro da hierarquia eclesiástica
do Vaticano. Falamos sobre como
na Argentina se perdeu o sentido
de família. Consegui o encontro
através de uma pessoas que conhecia. Sou um católico fervoroso, foi de grande valor espiritual.
Folha - O sr. é identificado com a
direita mais radical.
Blumberg - Não sei por quê. Eu
sou de centro, mas para a esquerda. Diria que sou de centro-esquerda, sempre fui.
Folha - Mas o sr. tem um advogado, Roberto Durrieu, que trabalhou
para ex-general Jorge Rafael Videla na época da ditadura.
Blumberg - Ele é um criminalista. Procurei vários escritórios famosos que disseram que poderiam ir atrás dos assassinos de
meu filho, desde que não houvesse polícias ou políticos envolvidos. O escritório dele foi o único a
não impor esse tipo de restrição.
Folhas - Suas declarações sobre
direitos humanos também geraram polêmica.
Blumberg - O que eu disse é que
os direitos humanos têm que ser
para todos. Às vezes cuidam mais
dos direitos humanos dos delinqüentes. Por outro lado, o primeiro que não teve direitos humanos
foi Axel, porque lhe tiraram a vida. Desnutrição e falta de medicamentos em hospitais também são
questões de direitos humanos. O
que eu digo é que direitos humanos têm que ser para todos.
Folha - O que o sr. acha dos piqueteiros?
Blumberg - Eles têm o direito de
reclamar porque estão sem trabalho, mas eu não aceito os métodos. Às vezes vão para as manifestações com paus e com a cara coberta, interrompendo ruas e avenidas e prejudicando outros cidadãos. Eu digo a eles que peçam dinheiro ao governo, pintem um
hospital, por exemplo, e coloquem um cartaz dizendo "Isso foi
feito pelos piqueteiros". Dessa
forma as pessoas vão gostar deles.
Folha - O chefe de governo Alberto Fernandez disse que a classe média só se mexe quando problemas
chegam a ela. O que acha disso?
Blumberg - São palavras desafortunadas. Isso é um disparate. O
que aconteceu é que chegamos a
tal ponto de falta de segurança
que as pessoas saem às ruas para
realizarem manifestações. Entre
os 350 mil que foram à primeira
marcha havia gente de todas as
classes sociais e os que mais sofrem são os pobres.
Folha - O sr. chegou a orientar famílias vítimas de seqüestros?
Blumberg - Sim. Venho tentando estar com as famílias nesse
momento difícil. Mas são os psicólogos que devem fazer esse papel. Tenho recebido telefonemas
de seqüestradores. Já telefonaram
para minha casa para negociar.
Folha - Quantas vezes isso aconteceu?
Blumberg - Algumas vezes, mas
eu não quero ser negociador de
seqüestro. Este não é o meu trabalho. Há muita gente que não denuncia à polícia por medo. Mas
isso é grave, porque as pessoas
precisam fazer essas denúncias
para que as instituições públicas
nos protejam.
Folha - Mas, no caso do seqüestro
de seu filho, as instituições falharam, não foi isso?
Blumberg - Sim. Mas temos que
fortalecer as instituições para que,
de alguma maneira, elas se fortaleçam. Isso não é um trabalho para os civis, mas para as instituições. No caso de Axel, o erro foi
dos promotores que cuidavam do
caso, que deram ordem de interceptar o veículo dos seqüestradores, que era blindado, e não disseram nada nem à Side (serviço de
inteligência argentino). Houve
um tiroteio. Eu havia ido lá para
pagar o resgate, mas eles interceptaram antes. Os fiscais foram afastados, mas os estamos processando. Os bandidos foram presos,
são 13. Kirchner colocou a Side
para resolver o caso, mas só após
a realização da primeira marcha.
Folha - O sr. tem tido contato com
outras pessoas em outros países,
no Brasil, por exemplo?
Blumberg - Do Brasil não. Tive
contato com fundações do Chile,
da Bolívia, da Colômbia. A idéia é
estarmos todos unidos e estender
a causa. Quanto mais unidos,
mais vamos conseguir. Vamos fazer uma viagem à Holanda e à
Alemanha, para nos reunir com
as academias de polícia e funcionários da Justiça. Há especialistas
em tratamento de seqüestros que
pediram para serem sócios honorários da Fundação Axel, como
também será Mário Vargas Llosa,
o escritor peruano, e o prefeito de
Santiago, Joaquim Lavín. E vamos
buscar outras pessoas que possam ajudar.
Folha - No Brasil, os índices de
violência são altíssimos, muito
mais elevados do que os da Argentina. O que o sr. teria a dizer aos
brasileiros?
Blumberg - Que, lamentavelmente, temos que exigir que a Justiça funcione. A única forma de
fazer isso é reclamando, procurando as instituições. Eu vou continuar até cumprir o que prometi
a Axel no seu túmulo, que lutaria
para que não aconteça a outros
meninos o que aconteceu com ele.
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