|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Polarização dificultará reformas
DO ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
A clara divisão do eleitorado
entre a direita e a esquerda dificultará a introdução das reformas
necessárias para dar novo alento à
economia alemã, que tem apresentado níveis pífios de crescimento há anos, sobretudo se, ao
final das negociações para formar
o governo, triunfar a grande coalizão entre os grandes partidos.
Embora menos de 11% dos eleitores tenham votado em partidos
contrários às reformas (8,7% no
Partido da Esquerda e 2% em legendas que não terão representação no Bundestag -Câmara Baixa)-, a polarização do cenário
político tornará a aplicação de
medidas imprescindíveis para
fortalecer a atividade econômica
uma tarefa árdua para a CDU e
para o SPD.
O discurso dos dois partidos na
campanha, que visava atrair seu
eleitorado tradicional, já deixou
nítido a que ponto eles terão problemas -principalmente na esfera política-, apesar de seu conteúdo programático não ser tão
distante quanto parece.
Assim, os democrata-cristãos
cansaram de vender a idéia de que
a flexibilização do mercado de
trabalho precisa ser aprofundada
para cortar os custos que pesam
sobre as empresas instaladas na
Alemanha e para atrair investimentos internacionais e a de que
os custos do Estado do Bem-Estar
Social são elevados demais para
um país cuja população tem uma
média de idade avançada e é alvo
da concorrência externa em razão
da cada vez maior globalização
das relações comerciais.
Já os social-democratas, que,
nos últimos anos, introduziram a
maior redução do escopo da rede
de proteção social da história da
Alemanha, foram compelidos a
adotar, particularmente no fim da
campanha, um tom bem mais à
esquerda do que o utilizado em
2002.
Com isso, os temas domésticos
prediletos do chanceler (premiê)
Gerhard Schröder foram "a continuidade das reformas, mas com a
manutenção da economia social
de mercado".
Ninguém deve imaginar que
Angela Merkel, a oponente conservadora de Schröder, pretenda
desmantelar consideravelmente o
Estado do Bem-Estar Social alemão, introduzindo reformas
bruscas.
Embora seus adversários políticos tenham insistido na tecla de
que, se eleita, ela seria uma nova
Margaret Thatcher -a primeira-ministra britânica que realizou
profundas reformas na década de
80-, isso não é verdade.
A Alemanha não tem as mesmas características socioeconômicas que o Reino Unido, e sua
população jamais aceitaria um cenário do gênero -mesmo boa
parte de quem vota na centro-direita ou na direita não defende
uma drástica redução da rede de
proteção social, que remonta ao
chanceler Otto von Bismarck, na
segunda metade do século 19.
Se chegar ao poder, cada um
dos dois componentes da grande
coalizão enfrentará, portanto, o
enorme desafio de convencer sua
base eleitoral de que não se afastará demais de suas promessas de
campanha.
A CDU se verá atacada pelos liberais por "abrir mão de reformas
mais ousadas", pois precisará do
apoio do SPD.
Este será alvo de duras críticas
do Partido da Esquerda, composto em parte por ex-membros da
ala mais esquerdista da legenda
social-democrata, por "aceitar as
medidas liberalizantes dos conservadores" e, em menor escala,
até pelos Verdes, seus parceiros
na coalizão governamental que se
despedirá em breve do poder.
Haverá, assim, o perigo de que,
não querendo distanciar-se demais de sua base tradicional, ambos não consigam introduzir nem
as medidas que seus programas
têm em comum -ou quase.
Para Carsten-Patrick Meier, do
Instituto de Política Mundial da
Universidade de Kiel (norte), seria preciso ao menos "simplificar
o sistema fiscal e reduzir certas
subvenções que prejudicam o
bom andamento da economia social de mercado" alemã.
Para piorar esse quadro, segundo o cientista político Elmar Altvater, "Merkel encontra-se enfraquecida por causa da vitória com
gosto de derrota dos democrata-cristãos, e Schröder se sente fortalecido", o que "deverá dificultar a
formação da coalizão governamental e, conseqüentemente, o
trabalho conjunto".
Deve-se ressaltar que 51,5% dos
eleitores votaram em legendas à
esquerda do centro do espectro
político, incluindo o Partido da
Esquerda, e que 45% preferiram
as que se situam à direita dele.
A continuidade do bloqueio político que motivou Schröder a
buscar a realização das eleições
constitui, portanto, um grande
risco para a grande coalizão, embora, se chegar ao poder, ela vá ter
quase 75% das cadeiras do Bundestag e maioria absoluta no Bundesrat (Câmara Alta).
(MSM)
Texto Anterior: Lei eleitoral e desvantagem pequena explicam "arrogância" de Schröder Próximo Texto: Alemanha vota: Impasse provoca reações dúbias na Europa Índice
|