São Paulo, terça-feira, 20 de setembro de 2005

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ANÁLISE

Polarização dificultará reformas

DO ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

A clara divisão do eleitorado entre a direita e a esquerda dificultará a introdução das reformas necessárias para dar novo alento à economia alemã, que tem apresentado níveis pífios de crescimento há anos, sobretudo se, ao final das negociações para formar o governo, triunfar a grande coalizão entre os grandes partidos.
Embora menos de 11% dos eleitores tenham votado em partidos contrários às reformas (8,7% no Partido da Esquerda e 2% em legendas que não terão representação no Bundestag -Câmara Baixa)-, a polarização do cenário político tornará a aplicação de medidas imprescindíveis para fortalecer a atividade econômica uma tarefa árdua para a CDU e para o SPD.
O discurso dos dois partidos na campanha, que visava atrair seu eleitorado tradicional, já deixou nítido a que ponto eles terão problemas -principalmente na esfera política-, apesar de seu conteúdo programático não ser tão distante quanto parece.
Assim, os democrata-cristãos cansaram de vender a idéia de que a flexibilização do mercado de trabalho precisa ser aprofundada para cortar os custos que pesam sobre as empresas instaladas na Alemanha e para atrair investimentos internacionais e a de que os custos do Estado do Bem-Estar Social são elevados demais para um país cuja população tem uma média de idade avançada e é alvo da concorrência externa em razão da cada vez maior globalização das relações comerciais.
Já os social-democratas, que, nos últimos anos, introduziram a maior redução do escopo da rede de proteção social da história da Alemanha, foram compelidos a adotar, particularmente no fim da campanha, um tom bem mais à esquerda do que o utilizado em 2002.
Com isso, os temas domésticos prediletos do chanceler (premiê) Gerhard Schröder foram "a continuidade das reformas, mas com a manutenção da economia social de mercado".
Ninguém deve imaginar que Angela Merkel, a oponente conservadora de Schröder, pretenda desmantelar consideravelmente o Estado do Bem-Estar Social alemão, introduzindo reformas bruscas.
Embora seus adversários políticos tenham insistido na tecla de que, se eleita, ela seria uma nova Margaret Thatcher -a primeira-ministra britânica que realizou profundas reformas na década de 80-, isso não é verdade.
A Alemanha não tem as mesmas características socioeconômicas que o Reino Unido, e sua população jamais aceitaria um cenário do gênero -mesmo boa parte de quem vota na centro-direita ou na direita não defende uma drástica redução da rede de proteção social, que remonta ao chanceler Otto von Bismarck, na segunda metade do século 19.
Se chegar ao poder, cada um dos dois componentes da grande coalizão enfrentará, portanto, o enorme desafio de convencer sua base eleitoral de que não se afastará demais de suas promessas de campanha.
A CDU se verá atacada pelos liberais por "abrir mão de reformas mais ousadas", pois precisará do apoio do SPD.
Este será alvo de duras críticas do Partido da Esquerda, composto em parte por ex-membros da ala mais esquerdista da legenda social-democrata, por "aceitar as medidas liberalizantes dos conservadores" e, em menor escala, até pelos Verdes, seus parceiros na coalizão governamental que se despedirá em breve do poder.
Haverá, assim, o perigo de que, não querendo distanciar-se demais de sua base tradicional, ambos não consigam introduzir nem as medidas que seus programas têm em comum -ou quase.
Para Carsten-Patrick Meier, do Instituto de Política Mundial da Universidade de Kiel (norte), seria preciso ao menos "simplificar o sistema fiscal e reduzir certas subvenções que prejudicam o bom andamento da economia social de mercado" alemã.
Para piorar esse quadro, segundo o cientista político Elmar Altvater, "Merkel encontra-se enfraquecida por causa da vitória com gosto de derrota dos democrata-cristãos, e Schröder se sente fortalecido", o que "deverá dificultar a formação da coalizão governamental e, conseqüentemente, o trabalho conjunto".
Deve-se ressaltar que 51,5% dos eleitores votaram em legendas à esquerda do centro do espectro político, incluindo o Partido da Esquerda, e que 45% preferiram as que se situam à direita dele.
A continuidade do bloqueio político que motivou Schröder a buscar a realização das eleições constitui, portanto, um grande risco para a grande coalizão, embora, se chegar ao poder, ela vá ter quase 75% das cadeiras do Bundestag e maioria absoluta no Bundesrat (Câmara Alta). (MSM)


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