São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 2006

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análise

Secretário tenta resgatar organização

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A desenvoltura com que Kofi Annan, secretário-geral da ONU em fim de mandato, vem agindo, sobretudo em oposição aos Estados Unidos, resulta na previsão de dias talvez mais afirmativos para a organização.
O pano de fundo é uma história triste. A rivalidade Leste-Oeste paralisou a ONU durante 40 anos, a partir de um pecado original. A idéia de um multilateralismo que ao mesmo tempo, graças ao poder de veto das grandes potências, escapasse dos mecanismos que destruíram a Liga das Nações produziu o que o historiador Geoffrey Barraclough chamou de "falso internacionalismo da Guerra Fria".
Os anos que se seguiram ao fim do bloco soviética teriam sido uma "idade de ouro" da ONU. Mas uma só superpotência salientou contradições. Antes do 11 de Setembro, o governo Bush já vinha exercitando seu unilateralismo. Ignorou acordos de desarmamento envolvendo armas químicas e a proibição de mísseis antifoguetes, fiadores do "equilíbrio pelo terror". Uma defesa eficiente contra foguetes criaria a sedução do primeiro tiro, já que seria possível absorver o ataque e retaliar com armas de destruição maciça.
A ONU foi afinal posta na lona com a invasão do Iraque sem autorização do Conselho de Segurança. O governo Bush colocou em prática a sua doutrina do "ataque preventivo". Henry Kissinger, ex-cruzado da Guerra Fria, observou que fora massacrado um princípio de cinco séculos, o da não-intervenção.
Surgiu juntamente com os Estados nacionais, sofreu adaptações ao longo dos tempos e se incorporou ao artigo da Carta da ONU que define agressões. Na época, Annan não conseguiu ir além de declarar que o Iraque foi invadido ilegalmente, o que deixou furiosos Bush e seus falcões, os neoconservadores. Bush quer Annan "fora", disse Bill O'Reilly em programa na Fox News. Com o Iraque ladeira abaixo, Annan foi elevando o tom de suas "observações". Disse agora, diante de Condoleezza Rice, o que Bush menos gosta de ouvir, que o Iraque está à beira da guerra civil e desestabiliza a região.
Visitou dez países, incluindo Síria e Irã, tratando de implementar resolução do Conselho de Segurança de cessar-fogo no Líbano. Procura afirmar o caráter universal da ONU. O pecado original permanece e comanda a própria escolha de quem ocupará a Secretaria-Geral.
A ONU tem 191 membros e o eleito sairá de negociações entre os cinco membros permanentes, com direito a vetar qualquer resolução. Há um reaquecimento da idéia de "parlamentarizar" a ONU, dando mais poderes à Assembléia Geral. A ONU continua, no entanto, submetida a um sistema de potências. A sobrevivência e a língua mais solta de Annan, no entanto, são contabilizados como avanços.


O jornalista NEWTON CARLOS é analista de questões internacionais


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