|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
análise
Secretário tenta resgatar organização
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A desenvoltura com que
Kofi Annan, secretário-geral
da ONU em fim de mandato,
vem agindo, sobretudo em
oposição aos Estados Unidos, resulta na previsão de
dias talvez mais afirmativos
para a organização.
O pano de fundo é uma história triste. A rivalidade Leste-Oeste paralisou a ONU
durante 40 anos, a partir de
um pecado original. A idéia
de um multilateralismo que
ao mesmo tempo, graças ao
poder de veto das grandes
potências, escapasse dos mecanismos que destruíram a
Liga das Nações produziu o
que o historiador Geoffrey
Barraclough chamou de "falso internacionalismo da
Guerra Fria".
Os anos que se seguiram ao
fim do bloco soviética teriam
sido uma "idade de ouro" da
ONU. Mas uma só superpotência salientou contradições. Antes do 11 de Setembro, o governo Bush já vinha
exercitando seu unilateralismo. Ignorou acordos de desarmamento envolvendo armas químicas e a proibição
de mísseis antifoguetes, fiadores do "equilíbrio pelo terror". Uma defesa eficiente
contra foguetes criaria a sedução do primeiro tiro, já
que seria possível absorver o
ataque e retaliar com armas
de destruição maciça.
A ONU foi afinal posta na
lona com a invasão do Iraque
sem autorização do Conselho de Segurança. O governo
Bush colocou em prática a
sua doutrina do "ataque preventivo". Henry Kissinger,
ex-cruzado da Guerra Fria,
observou que fora massacrado um princípio de cinco séculos, o da não-intervenção.
Surgiu juntamente com os
Estados nacionais, sofreu
adaptações ao longo dos
tempos e se incorporou ao
artigo da Carta da ONU que
define agressões. Na época,
Annan não conseguiu ir além
de declarar que o Iraque foi
invadido ilegalmente, o que
deixou furiosos Bush e seus
falcões, os neoconservadores. Bush quer Annan "fora",
disse Bill O'Reilly em programa na Fox News.
Com o Iraque ladeira abaixo, Annan foi elevando o tom
de suas "observações". Disse
agora, diante de Condoleezza Rice, o que Bush menos
gosta de ouvir, que o Iraque
está à beira da guerra civil e
desestabiliza a região.
Visitou dez países, incluindo Síria e Irã, tratando de implementar resolução do
Conselho de Segurança de
cessar-fogo no Líbano. Procura afirmar o caráter universal da ONU. O pecado original permanece e comanda
a própria escolha de quem
ocupará a Secretaria-Geral.
A ONU tem 191 membros e
o eleito sairá de negociações
entre os cinco membros permanentes, com direito a vetar qualquer resolução. Há
um reaquecimento da idéia
de "parlamentarizar" a ONU,
dando mais poderes à Assembléia Geral. A ONU continua, no entanto, submetida
a um sistema de potências. A
sobrevivência e a língua mais
solta de Annan, no entanto,
são contabilizados como
avanços.
O jornalista NEWTON CARLOS é analista de
questões internacionais
Texto Anterior: Na ONU, Bush exorta povo iraniano a trocar regime Próximo Texto: Annan se despede traçando retrato mundial sombrio Índice
|