São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2008

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Oposição não aceita proposta de Morales

Governadores mantêm diálogo com base em pré-acordo com o vice-presidente

Líder boliviano quer manter cronograma para aprovar Carta; movimentos sociais rejeitam mudanças em novo texto constitucional

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A COCHABAMBA

O bloco de governadores oposicionistas da Bolívia decidiu ignorar a proposta de mudança na agenda de negociação feita anteontem pelo presidente Evo Morales, que insistiu na "viabilização" dos dois referendos que faltam para promulgar o novo texto constitucional, sua principal bandeira política.
Os opositores anunciaram que, por ora, vão se limitar a seguir os pontos do pré-acordo fechado na terça-feira, entre o vice-presidente, Álvaro García Linera, e o governador opositor de Tarija, Mario Cossío, representante também dos departamentos rebeldes de Santa Cruz, Beni, Chuquisaca e Pando -este último em estado de sítio desde o dia 13.
Por esse pré-acordo, a análise, pelo Congresso, dos referendos que abrem caminho para a nova Carta ficaria congelada por pelo menos um mês, prazo que seria prorrogável.
Com a decisão dos governadores -anunciada ainda na madrugada de ontem, ao final de uma primeira e maratônica rodada de negociações-, ontem foram montadas duas mesas temáticas com representantes do governo e dos opositores, ante a presença de observadores nacionais e internacionais, num centro de eventos da cidade de Cochabamba (centro da Bolívia).
A primeira mesa discutirá a distribuição do IDH às regiões -parte do imposto sobre o gás foi redirecionado por Morales para pagar um programa a idosos. A segunda tratará de compatibilizar a exigência dos departamentos por autonomia administrativa e o novo texto constitucional.

Pressões
A proposta de Morales de insistir com os referendos da Carta em troca da "pacificação" do país, com a contenção dos movimentos sociais que cercam a cidade opositora de Santa Cruz, desagradou os governadores oposicionistas, que a consideraram um desrespeito ao pré-acordo.
Mas, a avaliação é que, ainda assim, vale a pena seguir com as mesas de diálogo na presença dos observadores internacionais. Segundo Cossío, eles trazem a oportunidade de o bloco oposicionista ser ouvido internacionalmente e funcionam como pressão para que o governo "cumpra sua palavra" depois de tantos "fracassos" nas negociações. Ontem, chegou ao país para participar da rodada o presidente da OEA (Organização dos Estados Americanos), José Miguel Insulza.
Para o senador por Tarija Roberto Ruiz (Podemos, direita), a proposta de Morales significa "um retrocesso". "Mas ele está falando para sua própria base quando fala de levar adiante a Carta, para não desagradar os movimentos sociais, numa tentativa de desmobilizá-los. É um instrumento."
Ruiz, porém, critica o discurso duplo: "O governo brinca de aprendiz de feiticeiro. Está mexendo com forças que não controla totalmente".
Nos últimos dias, vários dirigentes de amplos movimentos camponeses e sindicais, base de apoio de Morales, têm repetido que não se pode "mexer nem uma vírgula" do texto constitucional aprovado por constituintes governistas em 2007, que toca em temas como reforma agrária e reeleição presidencial (uma vez só).
Já o governo comprometeu-se a "melhorar" o capítulo sobre a autonomia administrativa para os departamentos. Ministros também mantêm discurso dúbio quando questionados se Morales toparia mexer no tema de regime fundiário -as mais produtivas terras do país estão nas mãos de grandes proprietários nos departamentos rebeldes. "Vamos chegar a um consenso primeiro sobre autonomias. Depois, veremos", disse Carlos Romero, ministro do Desenvolvimento Rural e integrante de uma das mesas de negociação.
Após o trabalho técnico das comissões temáticas, Morales deve voltar a Cochabamba para se reunir com os negociadores. O presidente deixou o país na madrugada de ontem para viajar ao Panamá, onde recebeu o título de doutor honoris causa em uma universidade.


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