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OPINIÃO
Demonizando um presidente pós-racial
MICHAEL KEPP
COLUNISTA DA FOLHA
QUANDO , em 2004, o
então candidato ao Senado Barack Obama,
em discurso feito na convenção
do Partido Democrata, disse
que "não existe uma América
de esquerda e uma América
conservadora -existem os Estados Unidos da América"-,
aquilo soou como se ele vivesse
em outro planeta.
Semanas mais tarde, grupos
de extrema direita começaram
a sabotar a campanha do candidato presidencial de seu próprio partido em 2004, John
Kerry, com anúncios na TV que
contestavam o heroísmo militar dele na Guerra do Vietnã.
Agora esses mesmos demagogos estão procurando fazer
as iniciativas do presidente
Obama descarrilarem, com a
mais ácida campanha de difamação jamais travada contra
um presidente americano. No
fim de semana passado, grupos
ultraconservadores reuniram
75 mil manifestantes em Washington em uma marcha, em
protesto contra os gastos do governo -tudo, desde o plano de
estímulo econômico de Obama
até seu plano de reforma do sistema de saúde.
Cartazes de oposição ao plano de saúde mostravam Obama
como curandeiro africano ou
diziam "Enterrem o plano de
Obama juntamente com Kennedy", para comemorar a morte recente do senador Ted Kennedy, o principal defensor da
reforma da saúde. Na CNN, o
radialista de extrema direita
Mark Williams, um dos organizadores do protesto, admitiu
ter rotulado Obama de "racista
em chefe". E Glenn Beck, um
âncora no canal Fox News, que
promoveu a marcha, tachou
Obama de "racista" dotado de
"um ódio a pessoas brancas
profundamente arraigado".
Na semana passada a colunista do "New York Times"
Maureen Dowd escreveu que
"Obama está no centro de um
período de turbulência racial
desencadeada por sua ascensão
... um homem negro cuja legitimidade é constantemente contestada por um segmento marginal desvairado". O ex-presidente Jimmy Carter concordou, dizendo que "grande parte
da hostilidade intensa em relação ao presidente Obama é baseada no fato de ele ser negro".
"Você mente!"
Na semana passada, o Congresso repreendeu o deputado
Joe Wilson por ter gritado "Você mente!" quando Obama disse à Câmara Federal que a reforma da saúde não se aplicaria
aos imigrantes ilegais. As acusações de Wilson foram falsas e
sem precedentes. Nenhum legislador até então jamais havia
gritado calúnias a um presidente, nem mesmo ao presidente
George W. Bush quando este
mentiu ao Congresso para conseguir sua aprovação para a invasão do Iraque. Dowd escreveu que o ataque de Wilson
continha uma insinuação racista não verbalizada: "You lie,
boy!" (algo como "Você mente,
moleque!").
A eleição do primeiro presidente negro não marcou, como
esperavam alguns, o despertar
de uma era pós-racial nos EUA.
A questão racial é o elefante
branco que está na sala praticamente desde que Obama tomou posse. Em maio, grupos
conservadores tacharam a
americana de origem porto-riquenha Sonia Sotomayor, a juíza indicada por Obama para a
Suprema Corte, de racista por
ter dito que "uma mulher latina
sábia dotada da riqueza de suas
experiências normalmente, espero, chegará a uma conclusão
melhor do que um homem
branco que não viveu essa vida". Foi quando Rush Limbaugh, o mais popular radialista de extrema direita do país,
acusou Obama de racismo por
tê-la indicado.
Depois, em julho, Obama disse que um policial branco "agiu
estupidamente" ao prender o
professor negro da Universidade Harvard Henry Louis Gates
Jr. na sua própria casa simplesmente porque Gates ficara indignado quando o policial exigira provas de que ele não estava tentando arrombar a residência. A reação de Obama fez
Glenn Beck juntar-se ao coro
da extrema direita que chamava o presidente de racista.
A ironia dessa campanha de
difamação é que, como presidente, Obama não fez até agora
nada para promover os direitos
dos negros ou melhorar as condições econômicas dos negros,
como grupo minoritário. Na
verdade, seu governo boicotou
a Conferência Mundial da ONU
contra o Racismo, em Genebra,
em abril, baseado na alegação
falsa de que a conferência iria
alvejar Israel de maneira injusta. As campanhas difamatórias
se baseiam, porém, não na verdade, mas na tática aperfeiçoada por Joseph Goebbels, chefe
de propaganda política de Hitler, que disse: "Se você contar
uma mentira suficientemente
grande e repeti-la constantemente, com o tempo as pessoas
começarão a acreditar nela".
MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 26 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque- confissões e
desabafos de um gringo brasileiro", (ed. Record)
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