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Abbas quer que Lula dê recado a Teerã
Líder palestino pedirá ao Brasil que interceda junto ao presidente do Irã por fim de apoio ao grupo radical islâmico Hamas
À Folha presidente da ANP diz que país pode agir mais pela paz no Oriente Médio; em Salvador, ele se reúne com o colega brasileiro hoje
Ricardo Stucker/PR
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Presidente Lula come acarajé em jantar em Salvador com o líder da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas (esq.), e um tradutor
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR
O presidente da Autoridade
Nacional Palestina (ANP),
Mahmoud Abbas, quer que
Luiz Inácio Lula da Silva use
suas boas relações com o iraniano Mahmoud Ahmadinejad
para pedir que Teerã pare de
apoiar o grupo radical Hamas,
seu maior rival interno.
A declaração de Abbas foi feita ontem em entrevista exclusiva à Folha na véspera de seu
encontro oficial com Lula (os
dois líderes tiveram um jantar
privado ontem) e quatro dias
antes da visita de Ahmadinejad
ao Brasil. Em conversa com a
reportagem, o presidente da
ANP acusou Israel de alimentar as divisões entre palestinos
e disse que o atual governo israelense é o primeiro da história a não querer a paz.
Abbas, que viaja em avião cedido pelo governo do Marrocos, defendeu que o projeto de
proclamação da independência
palestina seja levado à ONU.
FOLHA - O que o sr. dirá ao presidente Lula?
MAHMOUD ABBAS - Há muito
tempo que temos relações com
Lula. Acreditamos que o Brasil
deveria ter um papel no processo de paz e pediremos que ele
tome a oportunidade de assumir esse papel. Sei que é respeitado por israelenses e árabes,
palestinos em particular. Não
estamos falando de coisas específicas, mas de aspectos gerais.
O Brasil, como país importante,
e o presidente Lula, como líder
respeitado, podem ter um papel importante. Há muitas maneiras de atuar pela paz.
FOLHA - O sr. quer o apoio do Brasil
a uma declaração unilateral de independência palestina?
ABBAS - Não dizemos que proclamaremos independência
unilateralmente. O que planejamos é que a Liga Árabe leve a
questão de um Estado palestino ao Conselho de Segurança
[da ONU]. Trabalharemos com
os países árabes para chegar a
um projeto concreto. Mas não
agora, nem unilateralmente.
FOLHA - É coincidência o sr. vir ao
Brasil poucos dias após a visita do
presidente de Israel, Shimon Peres?
ABBAS - Sim. Perguntamos ao
governo brasileiro qual data seria mais conveniente para nossa visita e foi essa que eles ofereceram. Não planejamos nada.
FOLHA - O Brasil gostaria que o sr.
recuasse da decisão de não tentar a
reeleição. Existe essa chance?
ABBAS - Não serei candidato. A
decisão que tomei é definitiva.
Temos instituições, governo,
autoridade, gabinete, aparato
policial e estabilidade. Não
acho que minha decisão levará
ao fim da Autoridade Palestina
[como sugerido por analistas].
FOLHA - O sr. crê que o Irã apoia o
Hamas? Gostaria que o Brasil intercedesse sobre a questão junto ao
presidente Ahmadinejad?
ABBAS - Sim. O Irã apoia o Hamas com dinheiro. As decisões
do Hamas estão nas mãos de
Teerã. Espero que ele [Lula]
possa lhe dizer [a Ahmadinejad] algumas coisas a respeito
de tudo o que acontece no
Oriente Médio. Acho que o presidente o fará.
FOLHA - As divisões entre palestinos servem aos interesses de Israel?
ABBAS - Isso é claro. As divisões entre palestinos são um
pretexto que serve para reforçar o argumento de Israel de
que não se sabe quem são os interlocutores do nosso lado.
Não acho que os israelenses o
tenham provocado [o racha],
mas eles o estimulam e o mantêm para benefício próprio.
FOLHA - O que mudou após a posse
do atual governo israelense?
ABBAS - Este governo não acredita na paz. Os anteriores, especialmente o de Ehud Olmert,
conversavam com a gente sobre todos os temas da negociação. Estivemos muito perto de
alcançar uma solução final,
mas isso não foi possível devido
a problemas internos em Israel
[acusações de corrupção contra
o governo]. Olmert caiu, e sua
sucessora [a então chanceler
Tzipi Livni] não conseguiu formar um governo, e perderam as
eleições. Hoje há no poder uma
coalizão que não crê na paz.
FOLHA - Israel alega que são os palestinos que travam o diálogo ao
exigir o congelamento das assentamentos na Cisjordânia sem considerar seu crescimento natural.
ABBAS - Israel deveria cumprir
com o que está determinado no
Mapa do Caminho, que diz claramente: Israel deve cessar a
expansão de todo tipo de assentamento, incluindo a expansão
natural. É obrigação dos israelenses. Aliás, nós cumprimos
com todas as nossas obrigações, os americanos e israelenses reconhecem isso. Israel não
cumpriu nenhuma das suas.
FOLHA - Quando o sr. voltará a se
encontrar com o atual premiê israelense, Binyamin Netanyahu?
ABBAS - Quando ele aceitar
dois princípios: o fim dos assentamentos e a retirada israelense até as fronteiras de 1967.
Voltaremos a conversar no
mesmo dia em que ele concordar com isso. Antes disso não
há razão alguma para vê-lo. Estive com ele nos EUA, não passou de uma formalidade.
FOLHA - Como o sr. vê a política de
Barack Obama no Oriente Médio?
ABBAS - No início ele chegou a
dizer que Israel deveria pôr fim
à expansão dos assentamentos,
mas infelizmente mudou de
ideia. Mesmo assim, ainda cremos que ele acredita na paz e
tem boas intenções para resolver os problemas na região.
FOLHA - Cresce o coro dos que advogam pela solução de um Estado
para dois povos. O que sr. acha?
ABBAS - Acreditamos na solução de dois Estados. Também
não acreditamos na solução das
fronteiras provisórias. Nosso
Estado deveria ser criado dentro dos limites anteriores à
guerra de 1967, com Jerusalém
sendo a capital. São essas as
fronteiras do Estado palestino.
É a única maneira de podermos
conviver com os israelenses em
paz e segurança.
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