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ANÁLISE
Karzai diz o que os EUA querem ouvir
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Centenas de mortos depois,
acabou a farsa eleitoral que o
Ocidente montou no Afeganistão para fingir que transformou
o país numa democracia. Mas
não sem estilo. O presidente
Hamid Karzai foi reempossado
para mais cinco anos no poder
falando exatamente o que seus
tutores em Washington gostariam que ele falasse. Se vai
cumprir o prometido, essa é
outra história.
Desejar que o Exército afegão controle o país em cinco
anos é exatamente o que os comandantes militares ocidentais querem. E o que, apesar da
relutância em decidir sua estratégia de reforçar a presença por
lá, quer a Casa Branca.
A dúvida é como isso vai
acontecer. A força afegã é composta de 100 mil homens, que
mal conseguem garantir a segurança do gabinete de Karzai,
quanto mais enfrentar a ameaça do Taleban país afora.
Mesmo que a força atinja o
número de 260 mil que a administração Obama defende, não
há garantias de que Cabul controlará todas as unidades. É sabido que em muitas regiões remotas do Afeganistão, os soldados têm vida dupla como mercenários a serviço de traficantes ou aliados ao Taleban.
Karzai prometeu também
um rigoroso combate à corrupção, que soa como piada quando as denúncias começam contra seu irmão e ministros de seu
governo. Disse que todo servidor do governo terá de declarar
seus bens. Como um deputado
que ganha cerca de R$ 3.000
mensais irá explicar sua picape
japonesa blindada de R$ 200
mil será algo curioso de ver.
Houve acenos à unidade nacional e elogios a adversários
como o candidato derrotado
Ashraf Ghani. Nada mais natural: ex-ministro da Fazenda,
Ghani é visto nos EUA como
um herói liberal, com acesso às
rodinhas do poder em Washington. Pega bem elogiá-lo, de
preferência providenciando
um cargo no governo.
Mas o antípoda do presidente na reta final, Abdullah Abdullah, não estava por lá. Ele desistiu do segundo turno com
Karzai quando viu que a vitória
era impossível, e sua ausência
pode ter sido apenas simbólica
-o que não é aferível agora.
Fica evidente a necessidade
de Karzai de fazer amigos. Daí a
deferência ao único chefe de
Estado relevante presente, o
paquistanês Asif Ali Zardari.
Até anteontem, na corte de Cabul ele era visto como um fomentador de insurgência porque temia ver a Índia associada
a um Afeganistão estável,
abrindo uma segunda fronteira
hostil para seu país.
A pressão sobre Karzai explica isso. Diplomatas americanos
vazaram para sua imprensa que
deram seis meses para que o
discurso de ontem tenha algum
resultado prático. O cronômetro está correndo.
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