São Paulo, sexta-feira, 20 de novembro de 2009

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ANÁLISE

Karzai diz o que os EUA querem ouvir

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Centenas de mortos depois, acabou a farsa eleitoral que o Ocidente montou no Afeganistão para fingir que transformou o país numa democracia. Mas não sem estilo. O presidente Hamid Karzai foi reempossado para mais cinco anos no poder falando exatamente o que seus tutores em Washington gostariam que ele falasse. Se vai cumprir o prometido, essa é outra história.
Desejar que o Exército afegão controle o país em cinco anos é exatamente o que os comandantes militares ocidentais querem. E o que, apesar da relutância em decidir sua estratégia de reforçar a presença por lá, quer a Casa Branca.
A dúvida é como isso vai acontecer. A força afegã é composta de 100 mil homens, que mal conseguem garantir a segurança do gabinete de Karzai, quanto mais enfrentar a ameaça do Taleban país afora.
Mesmo que a força atinja o número de 260 mil que a administração Obama defende, não há garantias de que Cabul controlará todas as unidades. É sabido que em muitas regiões remotas do Afeganistão, os soldados têm vida dupla como mercenários a serviço de traficantes ou aliados ao Taleban.
Karzai prometeu também um rigoroso combate à corrupção, que soa como piada quando as denúncias começam contra seu irmão e ministros de seu governo. Disse que todo servidor do governo terá de declarar seus bens. Como um deputado que ganha cerca de R$ 3.000 mensais irá explicar sua picape japonesa blindada de R$ 200 mil será algo curioso de ver.
Houve acenos à unidade nacional e elogios a adversários como o candidato derrotado Ashraf Ghani. Nada mais natural: ex-ministro da Fazenda, Ghani é visto nos EUA como um herói liberal, com acesso às rodinhas do poder em Washington. Pega bem elogiá-lo, de preferência providenciando um cargo no governo.
Mas o antípoda do presidente na reta final, Abdullah Abdullah, não estava por lá. Ele desistiu do segundo turno com Karzai quando viu que a vitória era impossível, e sua ausência pode ter sido apenas simbólica -o que não é aferível agora.
Fica evidente a necessidade de Karzai de fazer amigos. Daí a deferência ao único chefe de Estado relevante presente, o paquistanês Asif Ali Zardari. Até anteontem, na corte de Cabul ele era visto como um fomentador de insurgência porque temia ver a Índia associada a um Afeganistão estável, abrindo uma segunda fronteira hostil para seu país.
A pressão sobre Karzai explica isso. Diplomatas americanos vazaram para sua imprensa que deram seis meses para que o discurso de ontem tenha algum resultado prático. O cronômetro está correndo.


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