São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

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ENTREVISTA DA 2º

JIMMY CARTER NOBEL DA PAZ

Brasil pode ser um dos líderes do processo de paz no Oriente Médio

GANHADOR DO PRÊMIO EM 2002, EX-PRESIDENTE DOS EUA DIZ QUE SEU PAÍS NÃO É MAIS CAPAZ DE INTERMEDIAR SOZINHO ACORDO NA REGIÃO E MINIMIZA EFEITO WIKILEAKS

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

O Brasil tem capacidade de influir no Oriente Médio, e seu envolvimento crescente na região é bem-vindo.
A opinião é do ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter (1977-1981). Ele elogiou a iniciativa do governo brasileiro de reconhecer o Estado palestino e exortou outros países a fazerem o mesmo.
De Atlanta, Carter conversou por telefone com a Folha sobre o impasse no processo de paz entre palestinos e israelenses. Ele tem experiência no assunto. Seu governo intermediou o mais importante acordo de paz assinado na região, o de Camp David (1978), entre Israel e Egito.
Hoje com 86 anos, Carter continua mergulhado no assunto. É parte do grupo de "sábios" The Elders (mais velhos, em inglês), por meio do qual tenta promover a paz ao lado de personalidades como o bispo sul-africano Desmond Tutu e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
É crítico contumaz da ocupação israelense dos territórios ocorrida em 1967, que comparou ao apartheid -o antigo regime segregacionista da África do Sul. Para o ex-presidente, os recentes fracassos mostram que os EUA sozinhos não são capazes de intermediar um acordo. "Negociações só com o patrocínio dos EUA não funcionarão", disse o ex-presidente, em seu forte sotaque sulista.
Sobre as revelações do site WikiLeaks, Carter está menos preocupado que a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, para quem o vazamento foi um "ataque" à comunidade internacional.
"Nenhum dano permanente foi causado", disse Carter.

 

Folha - Washington admitiu que fracassou em convencer Israel a congelar a construção nos territórios ocupados. Foi um erro dos EUA insistir nesse ponto?
Jimmy Carter
- Foi um bom esforço, mas fracassou. Agora, minha esperança é que EUA, UE e ONU unam esforços para reconhecer o fato de que Israel se recusa a cumprir o mandato das resoluções da ONU, as Convenções de Genebra e as decisões das cortes internacionais de Justiça e a Declaração Universal dos Direitos Humanos e que os palestinos estão sofrendo sob a contínua ocupação.

Os EUA ofereceram um pacote de benefícios políticos e militares a Israel, mas tiveram seu pedido rejeitado. Acha que só a pressão sobre Israel pode trazer resultados?
A única forma de obter progresso é com os líderes mundiais apoiando uma solução que honre os compromissos da comunidade internacional e leve ao cumprimento do plano de paz árabe.
Precisamos usar toda a nossa influência para induzir israelenses e palestinos a aceitarem essa proposta.
Temos que buscar o apoio de outros países. Fiquei muito feliz ao ver que o Brasil reconheceu o Estado palestino nas fronteiras de 1967.

Em 1988, a proclamação de independência palestina foi aprovada na ONU com o apoio de 104 países, incluindo o Brasil, mas até hoje não há um Estado palestino. Por que um novo reconhecimento teria efeito diferente?
Tudo depende de haver um apoio maciço. É preciso haver um esforço coordenado na Assembleia Geral para que mais e mais países reconheçam a Palestina. E usar essa alavanca para fazer com que os israelenses aceitem a solução de dois Estados.
Agora, Israel se move para uma solução de um Estado, o que seria um desastre para os próprios israelenses.

A Câmara dos Deputados dos EUA aprovou na semana passada resolução contrária ao reconhecimento da Palestina e que defende o veto americano à iniciativa no Conselho de Segurança. Sem o apoio dos EUA, essa campanha internacional pode avançar?
O Congresso dos EUA apóia a posição de Israel, seja ela correta ou incorreta. A alternativa a isso é levar a questão à Assembleia Geral.

O fracasso dos EUA indica que outros países deveriam participar das negociações, como defende o Brasil?
Concordo com o Brasil. Não se pode contar com os EUA sozinhos para trazer a paz, pois concordam com quase tudo o que Israel faz. O Brasil pode ajudar, porque tem muita influência entre os países em desenvolvimento.
Na verdade, tem muita em todos os países, incluindo os EUA. O Brasil pode ser um dos líderes desse processo.

O sr. ajudou a mediar o acordo de paz de Camp David, que se mantém sólido. Que lições aplicaria para resolver o conflito entre Israel e palestinos?
O acordo de Camp David não só estabelece a paz entre Israel e Egito mas reconhece a aplicação das resoluções 242 e 338. Israel concordou que iria retirar seu controle político e militar dos territórios palestinos e que os palestinos têm o direito de estabelecer seu próprio governo.
Foi o que o Acordo de Camp David declarou e o que o governo de Israel aceitou em 78. Mas não cumpriu seu compromisso.

Os palestinos continuam divididos entre Fatah e Hamas...
[A divisão palestina] é um grande obstáculo. Com mediação do Egito, EUA e Israel tentaram se comunicar com o Hamas. Isso é importante.

O que acha da opinião de Hillary Clinton sobre os vazamentos do WikiLeaks?
Não causaram nenhum dano real à diplomacia mundial. Os diplomatas terão mais cuidado com a linguagem e talvez líderes não queiram compartilhar o que pensam com o Departamento de Estado. Haverá mais cautela, mas não causou nenhum dano permanente.


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