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ANÁLISE
O que as tropas brasileiras estão fazendo no Haiti?
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Solidariedade não é antônimo de reflexão. O imperativo
de ajudar os haitianos neste
momento extremo não deve
servir de pretexto para calar a
pergunta fundamental: o que
tropas brasileiras estão fazendo na nação caribenha?
O governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva nunca
fez segredo de que aceitou o comando da Minustah em 2004
como parte de sua estratégia
para obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU. Para alcançar
esse objetivo, calculava o Itamaraty, o Brasil precisava mostrar-se protagonista nos acontecimentos internacionais.
A principal falha desse projeto é que são extremamente reduzidas as chances de ocorrer
uma reforma da ONU nos moldes acalentados pela diplomacia brasileira. A maioria das nações até concorda com a ideia
abstrata de uma reformulação
da ONU. A instituição, afinal,
ainda opera sob o paradigma
geopolítico que imperava após
a 2ª Guerra, que deu aos cinco
países vencedores do conflito
(EUA, Rússia, Reino Unido,
França e China) poder de vetar
qualquer resolução do CS.
O acordo sobre a reforma,
entretanto, cessa assim que se
começam a detalhar as propostas de ampliação do CS.
O Japão e a Alemanha, pelo
tamanho de suas economias,
seriam candidatos óbvios a assumir uma vaga permanente.
Também o seriam, por seu porte e localização, o Brasil e a Índia. É compreensível, porém,
que a Itália não esteja tão certa
de que deva ser a Alemanha o
novo representante europeu.
De modo análogo, México e Argentina não veem com bons
olhos a reivindicação brasileira.
No Oriente, a situação é ainda
pior. É mais fácil imaginar Pequim recebendo o dalai-lama
com honras de chefe de Estado
do que concordando em dar um
assento ao arqui-inimigo histórico Japão. E a China, vale lembrar, tem poder de veto sobre
qualquer reforma. O Paquistão
prefere ver a Caxemira em chamas a entregar à Índia o bônus
de uma cadeira permanente.
Equacionar essas e muitas
outras complicações numa fórmula aceitável para todas as nações e seus respectivos aliados
com poder de veto no CS é tarefa fadada ao fracasso.
Não obstante o irrealismo do
sonho itamaratiano, a busca
por esse assento dourado tem
sido o eixo da política externa
brasileira nos últimos anos.
É em nome dessa obsessão
que nossas tropas estão no Haiti. Foi para exercer o tal do protagonismo internacional que o
Brasil, contrariando suas tradições diplomáticas, meteu-se
em enrascadas como o apoio
quase incondicional a Manuel
Zelaya em Honduras.
Foi para contentar eleitores
importantes na política da
ONU que o país repetidamente
votou no Conselho de Direitos
Humanos para livrar de condenações tiranos como o sudanês
Omar al Bashir e os governantes chineses e cubanos.
É possível que a presença do
Brasil no Haiti seja positiva.
Mas, neste caso, o governo deveria ser capaz de justificá-la
com argumentos políticos que
vão além de bandeiras eleitorais e sonhos megalomaníacos.
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