São Paulo, terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

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EUA e Alemanha divergem sobre abrir arquivo nazista

ROGER COHEN
DO "NEW YORK TIMES"

A insistência dos EUA em abrir a estudiosos e pesquisadores um arquivo alemão sobre o Holocausto vem causando desentendimentos entre os dois países.
Baseados em documentos recolhidos pelas forças aliadas quando libertaram os campos de concentração nazistas, os arquivos do Serviço Internacional de Rastreamento, em Bad Arolsen, se estendem por 25 quilômetros e contêm informações sobre 17,5 milhões de pessoas - um dos maiores arquivos fechados do mundo.
A coleção também é única no detalhamento pessoal de uma catástrofe -o que torna delicado o acesso a ela. Os documentos podem revelar, por exemplo, que experimento médico sinistro foi conduzido com qual prisioneiro, que judeus colaboraram com os nazistas e como foram induzidos a fazê-lo, e quem foi acusado pelos nazistas de homossexualismo, homicídio, incesto ou pedofilia.
Desde o final da guerra, o Serviço de Rastreamento, operando como braço do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, usa os arquivos para ajudar pessoas a pesquisar o que aconteceu com seus familiares sob o terror nazista. Passados mais de 60 anos do fim da guerra, os EUA dizem que chegou a hora de abrir o arquivo.
Mas a proposta enfrenta uma muralha de objeções legais e burocráticas apresentadas por Charles Biedermann, o funcionário da Cruz Vermelha que há duas décadas dirige o serviço, e pelos governos alemão e italiano. O ambiente interno da comissão internacional de 11 países que supervisiona a operação vem se tornando extremamente rancoroso.
Representantes alemães questionam se é do interesse de qualquer pessoa trazer a público acusações de homossexualismo ou homicídio contra judeus específicos. Como as leis alemãs sobre privacidade são mais rígidas do que as americanas, as autoridades do país temem ações na Justiça.
O acesso também pode gerar novos pedidos de compensação.
Sara Bloomfield, diretora do Museu Memorial do Holocausto em Washington, disse se tratar de "um escândalo". O diretor de estudos do Holocausto do museu, Paul Shapiro, acusou a Alemanha de "sufocar o processo". "Ocultar este arquivo é uma forma de negar o Holocausto", disse.
Essas acusações não condizem com o caráter geralmente positivo das relações entre Alemanha e EUA no que toca o Holocausto.
A Alemanha reage com ultraje à sugestão de que atrasa deliberadamente o processo. "Faço objeção à alegação de que temos algo a esconder", disse o embaixador da Alemanha nos EUA, Wolfgang Ischinger. "A insinuação é falsa."
A disputa tem parte de suas raízes na complexa história e na estrutura jurídica labiríntica do Serviço de Rastreamento. Criado no fim da guerra, vem sendo administrado há anos sob os termos dos Acordos de Bonn de 1955, que restituíram a soberania alemã.
Pelo tratado, o serviço "deve tomar todas as medidas razoáveis para evitar a divulgação de informações sobre uma pessoa que possam prejudicar os interesses da pessoa em questão ou de seus parentes", o que limita o acesso às próprias pessoas perseguidas. Mas o acordo também diz que todos os governos da comissão de 11 países - EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Grécia, Israel, Polônia e Luxemburgo- têm direito de inspecionar documentos.
A Alemanha e Charles Biedermann afirmam que, para os arquivos serem abertos, o tratado deve ser mudado. Isso exigiria uma votação com resultado unânime e a subseqüente aprovação das emendas pelos Legislativos nacionais, o que levaria anos.
Mas o governo alemão, que já gastou mais de US$ 80 bilhões em reparações, quer que as questões de responsabilidade legal sejam plenamente esclarecidas antes.
"Precisamos resolver a questão de quem será autorizado a fazer o que com estes dados e de quem será legalmente responsável no caso de alguém fazer mau uso das informações", disse Ischinger.


Tradução de Clara Allain

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