São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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Iêmen passa de celeiro a base da Al Qaeda

País que sempre forneceu mão de obra à rede terrorista vê movimento florescer em seu interior com cerco fechado nos vizinhos

Bin Laden sempre viu o país mais pobre do Oriente Médio como opção para abrigar seu grupo caso ele fosse varrido do Afeganistão

25.fev.10/France Presse
Iemenita carrega mina terrestre em área destruída do norte do país; luta contra a insurgência local desviou atenções do governo e permitiu florescimento da Al Qaeda

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A SANAA (IÊMEN)

"Sempre nos restará o Iêmen", prometia Osama bin Laden a seus combatentes, meses antes do 11 de Setembro, quando eles lhe perguntavam o que aconteceria se a Al Qaeda fosse varrida de sua base no Afeganistão por inimigos.
Bin Laden, um saudita fascinado pela origem iemenita de sua família, contava aos companheiros de jihad sobre a liberdade que encontrariam nas montanhas do Iêmen e afirmava que ali seriam amparados por tribos honradas e fiéis.
As falas são relatadas por Abu Jendal, ex-guarda-costas chefe de Bin Laden, em livro que será publicado na França em abril (título indefinido, edições Michel Lafon), que teve alguns trechos antecipados à Folha com exclusividade.
Os acenos do fundador da Al Qaeda soam como proféticos à luz da atual situação do Iêmen.
O país que sempre forneceu mão de obra à organização agora serve de base operacional da Al Qaeda. A mudança de centro gravitacional ocorre à medida que os EUA e aliados fecham o cerco a militantes no Afeganistão, no Paquistão, no Iraque e na Arábia Saudita.
O alerta vermelho veio no Natal passado, quando a Al Qaeda na Península Arábica (AQPA), baseada no Iêmen, assumiu o atentado frustrado contra um voo americano que ia de Amsterdã a Detroit.
O autor da ação, um nigeriano que não conseguiu detonar os explosivos e acabou detido por passageiros, esteve no Iêmen semanas antes do ataque. Matriculou-se numa escola de línguas em Sanaa para garantir um visto de entrada e viajou até os confins do país para ser orientado sobre o ataque.

Ataques caseiros
A AQPA foi fundada em janeiro de 2009 unindo antigas células sauditas e iemenitas, que até o atentado do Natal só haviam atacado na região.
Meses antes da ação contra o voo americano, quatro turistas sul-coreanos foram mortos no interior do Iêmen quando um kamikaze de 18 anos se explodiu depois de pedir para tirar uma foto com eles.
Em 2008, a Embaixada dos EUA em Sanaa sofreu dois ataques. O mais grave deixou 18 mortos. No mesmo ano, nove europeus morreram em dois atentados. Instalações petroleiras e forças de segurança do Iêmen sofreram vários ataques.
Os laços entre o Iêmen e a jihad remontam aos anos 80, quando iemenitas atenderam em massa ao apelo saudita para combater, com apoio dos EUA, a invasão soviética do Afeganistão. Foi nesse período que Bin Laden fundou a Al Qaeda.
Após derrotarem o Exército Vermelho, os mujahedin voltaram ao Iêmen como heróis. Mas muitos seguiram Bin Laden quando ele estabeleceu a Al Qaeda no Sudão, em 1992.
A Folha teve acesso a um relatório do FBI assinado pelo agente Ali Soufan, americano de origem libanesa, detalhando o círculo iemenita de Bin Laden. Embora não ocupassem cargos de comando, estavam em posições privilegiadas. E tiveram participação importante nas guerras em que a Al Qaeda combateu nos anos 90 -na Bósnia, no Tadjiquistão e na Somália.
Um dos primeiros grandes atentados da Al Qaeda aconteceu em 2000 no porto de Áden, Iêmen, contra o destróier americano USS Cole -17 marinheiros morreram. Nessa época, Bin Laden já estava instalado no Afeganistão, sob os auspícios do regime do Taleban.

"Xeque"
Os laços entre Bin Laden e o Iêmen se estendem para a esfera familiar. O "xeque", como o chamam seguidores, escolheu uma iemenita para ser sua quarta mulher. Também ordenou que alguns de seus mais próximos colaboradores se casassem com moças do Iêmen -libertado da prisão iemenita, Abu Jendal vive hoje em Sanaa com a mulher escolhida pelo chefe. Na maioria dos vídeos em que aparece, Bin Laden veste trajes tribais iemenitas.
Embora seja improvável que o "xeque" esteja no Iêmen, o país se tornou um porto seguro para a rede. Nos últimos três anos, a Al Qaeda se aliou a clãs que dominam áreas rurais isoladas, onde instalou bases e campos de treinamento.
No país mais pobre do Oriente Médio, onde a população é ultraconservadora, o dinheiro da rede alimenta famílias e paga a alfabetização de crianças em áreas desprezadas pelo corrupto e incompetente governo central, que responde de maneira dúbia ao problema.
Sanaa está mais preocupado com as insurgências que enfrenta no sul e no norte. O governo tentou, sem sucesso, convencer o mundo de que os rebeldes eram pró-Al Qaeda.
Por outro lado, o Exército iemenita anunciou nos últimos dias a morte de vários líderes da Al Qaeda em ataques. Mas analistas dizem que Sanaa manipula a ameaça terrorista para conseguir mais dinheiro dos EUA. A ajuda americana antiterror ao país dobrou, chegando a US$ 150 milhões em 2010.


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