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Guantánamo é ferida aberta para o Iêmen
País tem a maior quantidade de cidadãos presos na base naval americana (94), muitos deles sem nenhuma acusação formal
Diferentemente do governo saudita, que já repatriou todos os seus presos, Sanaa ainda não conseguiu acerto sobre tema com Washington
DO ENVIADO A SANAA
Em setembro de 2002, o empresário iemenita Abdus Salam
Al Hilal disse à mulher e aos
dois filhos que ia ao Egito a negócios e desapareceu. Após um
ano e meio sem notícias, a família soube que ele estava na prisão de Guantánamo, em Cuba,
paradeiro dos capturados na
guerra americana ao terror. Al
Hilal está detido até hoje sem
acusação formal.
A história de Al Hilal se assemelha a muitas outras no Iêmen, o país que mais teve cidadãos presos em Guantánamo
desde a abertura da prisão,
após o 11 de Setembro. A maioria foi capturada no Afeganistão durante o ataque americano contra o regime Taleban,
que abrigava a Al Qaeda.
O contingente iemenita chegou a um sétimo dos cerca de
700 detidos nos primeiros anos
de Guantánamo. Vinte e quatro
foram liberados após um acordo firmado em 2005 com o governo de Sanaa, que lhes impôs
um controverso programa de
reabilitação e reinserção. Restam 94 iemenitas na prisão.
A incapacidade de o presidente Barack Obama cumprir a
promessa de campanha de fechar o centro frustrou as famílias dos iemenitas ainda em
Guantánamo. O pior, disseram
parentes de presos à Folha, é a
falta de transparência envolvendo a prisão e seus trâmites.
"Se meu irmão for culpado,
então que seja julgado e condenado de uma vez por todas.
Mas os americanos até hoje
não o indiciaram", diz Nabil, irmão mais novo de Al Hilal.
Al Hilal foi capturado no Cairo pelo serviço secreto egípcio,
que o entregou à CIA. O iemenita foi parar na prisão afegã de
Bagram até ser levado a Cuba.
O contato com a família se
resumiu a algumas cartas até
2008, quando militares americanos permitiram telefonemas
trimestrais. Num deles, Al Hilal foi informado de que seus
dois filhos, de 10 e 12 anos,
morreram num incêndio em
casa. A mulher do preso se refugiou na fé. Ela diz que, se
Deus uma vez lhe deu filhos,
Ele poderá lhe dar outros dois.
Para os americanos, Al Hilal,
membro de uma família de
prósperos comerciantes, é suspeito de financiar grupos extremistas ligados à Al Qaeda e
de falsificar passaportes para
terroristas. O irmão, que recebeu a Folha na confortável casa no centro de Sanaa, é tido
pelos EUA como "muito próximo" dos autores do ataque que
matou 17 marinheiros do destróier americano USS Cole, em
um porto do Iêmen, em 2000.
Presos sem fundamento
As acusações contra Al Hilal
e a maioria dos demais iemenitas não se sustentam, martela
Khaled al Ansi, advogado e diretor da ONG de direitos humanos Hood, que milita pela libertação dos presos.
Al Ansi afirma que o atentado
frustrado do Natal contra um
avião americano aumentará as
pressões contrárias ao fechamento de Guantánamo e culpa
tanto os EUA como o Iêmen
pela situação dos presos.
"Os EUA capturaram após o
11 de Setembro centenas de
pessoas a esmo e as mantêm
presas mesmo sabendo que
muitas não têm elo nenhum
com terroristas. Os americanos
não admitem os próprios erros,
e é mais fácil empurrar com a
barriga, para ao menos passar a
imagem de que pessoas perigosas estão sob controle", afirma.
Já o governo iemenita, segundo Al Ansi, usa os presos como moeda de troca. "O presidente Abdullah Saleh diz que
está disposto a receber os presos de volta desde que os EUA
financiem supostos programas
de reinserção."
Al Ansi diz que os EUA já financiam programas militares,
mas relutam em aumentar a
ajuda, por não confiarem plenamente no governo de Saleh.
Com isso, diz o advogado, o governo não fará grandes esforços
para repatriar iemenitas.
Como suposta prova da má
vontade de Sanaa, Al Ansi diz
que Riad trouxe de volta todos
os presos sauditas de Guantánamo e que seu programa de
reinserção funciona, ao contrário do iemenita.
O ministro iemenita de Assuntos Religiosos e chefe do
programa de reinserção de radicais negou à Folha que Sanaa
esteja chantageando os EUA e
defendeu a reinserção.
"Temos mecanismos eficientes para despoluir a mente dos
radicais por meio do diálogo",
disse o ministro, que não quis
dar detalhes.
Segundo relato de ex-prisioneiros, o diálogo consiste em
um sermão de agentes de governo, após o qual os detidos
são obrigados a assinar um papel se comprometendo a deixarem de ser radicais.
(SAMY ADGHIRNI)
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