São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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Guantánamo é ferida aberta para o Iêmen

País tem a maior quantidade de cidadãos presos na base naval americana (94), muitos deles sem nenhuma acusação formal

Diferentemente do governo saudita, que já repatriou todos os seus presos, Sanaa ainda não conseguiu acerto sobre tema com Washington

DO ENVIADO A SANAA

Em setembro de 2002, o empresário iemenita Abdus Salam Al Hilal disse à mulher e aos dois filhos que ia ao Egito a negócios e desapareceu. Após um ano e meio sem notícias, a família soube que ele estava na prisão de Guantánamo, em Cuba, paradeiro dos capturados na guerra americana ao terror. Al Hilal está detido até hoje sem acusação formal.
A história de Al Hilal se assemelha a muitas outras no Iêmen, o país que mais teve cidadãos presos em Guantánamo desde a abertura da prisão, após o 11 de Setembro. A maioria foi capturada no Afeganistão durante o ataque americano contra o regime Taleban, que abrigava a Al Qaeda.
O contingente iemenita chegou a um sétimo dos cerca de 700 detidos nos primeiros anos de Guantánamo. Vinte e quatro foram liberados após um acordo firmado em 2005 com o governo de Sanaa, que lhes impôs um controverso programa de reabilitação e reinserção. Restam 94 iemenitas na prisão.
A incapacidade de o presidente Barack Obama cumprir a promessa de campanha de fechar o centro frustrou as famílias dos iemenitas ainda em Guantánamo. O pior, disseram parentes de presos à Folha, é a falta de transparência envolvendo a prisão e seus trâmites.
"Se meu irmão for culpado, então que seja julgado e condenado de uma vez por todas. Mas os americanos até hoje não o indiciaram", diz Nabil, irmão mais novo de Al Hilal.
Al Hilal foi capturado no Cairo pelo serviço secreto egípcio, que o entregou à CIA. O iemenita foi parar na prisão afegã de Bagram até ser levado a Cuba.
O contato com a família se resumiu a algumas cartas até 2008, quando militares americanos permitiram telefonemas trimestrais. Num deles, Al Hilal foi informado de que seus dois filhos, de 10 e 12 anos, morreram num incêndio em casa. A mulher do preso se refugiou na fé. Ela diz que, se Deus uma vez lhe deu filhos, Ele poderá lhe dar outros dois.
Para os americanos, Al Hilal, membro de uma família de prósperos comerciantes, é suspeito de financiar grupos extremistas ligados à Al Qaeda e de falsificar passaportes para terroristas. O irmão, que recebeu a Folha na confortável casa no centro de Sanaa, é tido pelos EUA como "muito próximo" dos autores do ataque que matou 17 marinheiros do destróier americano USS Cole, em um porto do Iêmen, em 2000.

Presos sem fundamento
As acusações contra Al Hilal e a maioria dos demais iemenitas não se sustentam, martela Khaled al Ansi, advogado e diretor da ONG de direitos humanos Hood, que milita pela libertação dos presos.
Al Ansi afirma que o atentado frustrado do Natal contra um avião americano aumentará as pressões contrárias ao fechamento de Guantánamo e culpa tanto os EUA como o Iêmen pela situação dos presos.
"Os EUA capturaram após o 11 de Setembro centenas de pessoas a esmo e as mantêm presas mesmo sabendo que muitas não têm elo nenhum com terroristas. Os americanos não admitem os próprios erros, e é mais fácil empurrar com a barriga, para ao menos passar a imagem de que pessoas perigosas estão sob controle", afirma.
Já o governo iemenita, segundo Al Ansi, usa os presos como moeda de troca. "O presidente Abdullah Saleh diz que está disposto a receber os presos de volta desde que os EUA financiem supostos programas de reinserção."
Al Ansi diz que os EUA já financiam programas militares, mas relutam em aumentar a ajuda, por não confiarem plenamente no governo de Saleh. Com isso, diz o advogado, o governo não fará grandes esforços para repatriar iemenitas.
Como suposta prova da má vontade de Sanaa, Al Ansi diz que Riad trouxe de volta todos os presos sauditas de Guantánamo e que seu programa de reinserção funciona, ao contrário do iemenita.
O ministro iemenita de Assuntos Religiosos e chefe do programa de reinserção de radicais negou à Folha que Sanaa esteja chantageando os EUA e defendeu a reinserção.
"Temos mecanismos eficientes para despoluir a mente dos radicais por meio do diálogo", disse o ministro, que não quis dar detalhes.
Segundo relato de ex-prisioneiros, o diálogo consiste em um sermão de agentes de governo, após o qual os detidos são obrigados a assinar um papel se comprometendo a deixarem de ser radicais.
(SAMY ADGHIRNI)


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