São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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Papa pede em carta perdão por abusos na Irlanda

Bento 16 lamenta "falhas graves" de suspeitos de pedofilia, mas não fala em punir culpados

Texto, primeiro dedicado ao tema por pontífice, vem depois de revelações de décadas de moléstias que vitimaram 15 mil menores

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

Perturbação profunda, pavor, traição. As palavras usadas por vítimas de abuso sexual para descrever a sensação quanto ao crime foram evocadas pelo papa Bento 16 ontem em uma carta aos fiéis na Irlanda, país cuja comunidade católica foi abalada pela exposição nos últimos meses de seis décadas de estupros, abusos psicológicos e violência física em instituições regidas pela Igreja Católica.
No texto de oito páginas, que termina com uma oração pedindo a Deus "perdão e renovação interior" pela igreja na Irlanda, o papa chama os episódios envolvendo mais de 15 mil crianças e adolescentes entre os anos 30 e 90 de "atos pecaminosos e criminosos".
"Possam a nossa tristeza e lágrimas, o nosso esforço sincero por corrigir os erros do passado e o nosso firme propósito de correção dar abundantes frutos de graça para o aprofundamento da fé nas nossas famílias, paróquias, escolas e associações e para o progresso espiritual da sociedade irlandesa", escreveu.
O líder religioso cita as "falhas graves" de alguns bispos irlandeses e seus predecessores, que ajudaram a ocultar os crimes. Em fevereiro, ele convocou o episcopado irlandês ao Vaticano para tratar da crise. Mas embora evoque o direito canônico e peça "uma ação decidida, levada em frente com total honestidade e transparência", o papa não menciona punição. Tampouco o faz no trecho em que se dirige aos sacerdotes e religiosos que abusaram das crianças, a quem acusa de trair a confiança de vítimas inocentes e de "causar grande dano" à Igreja Católica.
Isso levou um grupo que representa as vítimas na Irlanda a declarar-se "decepcionado" com o texto. "A carta só chega à beira de tratar das preocupações das vítimas", disse Maeve Lewis, diretor do Um em Quatro, segundo a agência Reuters.
Desde que um relatório divulgado em maio de 2009, após nove anos de investigação, expôs a rede de abusos e acobertamento em igrejas, escolas, reformatórios e orfanatos, têm crescido os pedidos pela renúncia do cardeal Sean Brady, chefe da igreja na Irlanda.
Na quarta, dia do padroeiro irlandês, ele se desculpou por ter ajudado a acobertar casos nos anos 70, quando era padre, mas rechaçou a renúncia.
A carta de Bento 16 -seu primeiro texto a lidar exclusivamente com esse tema em seus quase cinco anos de pontificado- é objetiva e contrita. Nela, o papa compartilha da vergonha das vítimas e de suas famílias, diz entender a desilusão de muitos fiéis e sacerdotes e afirma ser necessária a revisão e atualização constante das regras para a tutela de jovens.
Bento 16 ainda enfatiza que o ocorrido não se restringe à Igreja Católica nem à Irlanda. É uma alusão ao fato de o escândalo ter espoucado em diversas partes da Europa, sobretudo em sua Alemanha natal, onde mais de 200 casos emergiram em orfanatos e escolas jesuítas.
O líder da Conferência Episcopal Alemã, Robert Zollitsch, disse entender "a advertência do papa aos bispos da Irlanda como uma advertência a nós [alemães] também", ainda que o país não tenha sido citado. Abusos disseminados também estão em investigação na Áustria, na Suíça e na Holanda.
Escândalo semelhante abalou profundamente as arquidioceses americanas de Boston e Los Angeles na última década, culminando com a renúncia do cardeal Bernard Law e com o pagamento de quase US$ 3 bilhões (cerca de R$ 5,5 bilhões) em indenizações e acordos.

Leia a íntegra da carta, em português

www.folha.com.br/100791

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