São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ENTREVISTA MATIAS SPEKTOR

Visita desobstruiu relação Brasil-EUA, diz pesquisador

DILMA PODERIA TER ABORDADO MAIS DIVERGÊNCIAS COM OBAMA, AFIRMA DIRETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV-RJ

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

A visita de Barack Obama conseguiu "desobstruir o canal de comunicação em alto nível" entre Brasil e EUA.
É o que afirma Matias Spektor, que conhece bem os dois lados da relação bilateral: dirige os estudos de relações internacionais da FGV do Rio e já foi pesquisador do Council on Foreign Relations, em Washington.
Para ele, Dilma não foi dura demais no discurso de recepção a Obama. Ao contrário, deveria ter falado mais das divergências, inclusive sobre o Irã. "Obama já aceitou que haverá diferenças."

 

Folha - Você escreveu que Brasil e EUA precisam aprender a lidar com suas divergências. Essa visita contribui para isso?
Matias Spektor
- A visita cumpriu o que era o objetivo central: restaurar um canal de comunicação no nível mais alto, que tinha ficado deteriorado.

O discurso de Dilma foi mais contundente ao explorar divergências. O de Obama foi mais protocolar. Dilma foi dura demais?
Foi a estreia de Dilma nas altas rodas da diplomacia internacional, e ela o fez com firmeza na defesa do interesse nacional. Mas usou, ao mesmo tempo, um tom sóbrio e cordial. Não acho que ela exagerou. O tom foi coerente com o estilo pessoal dela, e a veracidade dessa escolha sempre é poderosa. Ela foi honesta com ela mesma.
Obama, por sua vez, mandou uma mensagem forte para seu governo e sua burocracia. É uma mensagem que diz que um Brasil forte e em ascensão não é um obstáculo para os EUA. Ao contrário, é do interesse dos EUA.
Não acho que a mensagem dele tenha sido vaga. É que a resistência do lado americano é tão entranhada na burocracia que esse tom geral de apoio decidido à ascensão do Brasil é fundamental. Lembre-se que ele fala também para o Congresso americano, que é resistente ao Brasil e tem uma memória viva do episódio do Irã.

Mas a repercussão da visita nos EUA foi prejudicada pela coincidência com o ataque à Líbia, não?
Nunca a viagem de um presidente americano ao Brasil faz manchetes lá. O que importa é a mensagem à burocracia e ao Congresso.
O timing foi bom porque aconteceu antes de Dilma ir à China e aos EUA. O timing da Líbia também pode ser positivo porque Obama disse que os EUA estão preparados para lidar com um Brasil que nem sempre concorda.
Os dois países não concordaram no Conselho de Segurança. E, apesar de o Obama ter autorizado o uso da força quando estava no Brasil, ele não disse que o Brasil era menor. Ao contrário, confirmou a veracidade do que disse.
Agora, a bola está com o Brasil. O importante é acertar o tom da visita de Dilma aos EUA.

O "apreço" à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança, abaixo do tom dado à Índia, não é um problema?
Não. A gente precisa interpretar isso da perspectiva da história da atitude americana em relação ao Brasil nesse quesito. Os EUA abandonaram a postura histórica de ignorar o pleito brasileiro.
Disseram três coisas importantes: os EUA querem uma reforma; essa reforma não é ampla, é restrita, como é do interesse do Brasil; e apreciam o pleito brasileiro. A [secretária de Estado] Hillary [antes da visita] disse querer um diálogo para isso.
É vitória para o Brasil porque significa que agora a bola de novo está conosco. Cabe à nossa diplomacia explorar e expandir esse diálogo. O cenário ideal vai ser quando a Dilma for aos EUA. Ela poderá dizer ao Executivo, ao Congresso e à opinião pública por que o Brasil merece uma cadeira.

O discurso de que o Brasil quer uma cadeira para promover uma "multipolaridade benigna" pode ser convincente?
Pode, mas precisa vir aliado a gestos que mostrem por que o Brasil quer fazer parte dessa multipolaridade.

Como e em que áreas?
Há quatro áreas fundamentais. A primeira é a da não proliferação nuclear. O Brasil já teve um programa nuclear secreto, já esteve fora do regime de não proliferação, depois criou um modelo muito bem sucedido para acabar com a rivalidade com a Argentina. Tem muito a dizer nesse quesito.
Me chamou atenção a Dilma não ter mencionado o Irã. Era uma boa oportunidade. O Brasil é um interlocutor válido no tema ainda agora, porque o impasse [sobre o programa nuclear iraniano] não acabou.
A segunda área é a ajuda ao desenvolvimento. O Obama se referiu à emergência do Brasil como doador de ajuda internacional para o desenvolvimento. O Brasil precisa agora mostrar a riqueza do que está fazendo.
A terceira é a questão da democracia. Precisamos mostrar como a gente operacionaliza isso nas relações internacionais.
Me chamou atenção a gente não ter falado que em Cuba estamos apoiando uma transição lenta e muito gradual, somos contrários à imposição da democracia.
Também podemos começar a trabalhar para o Brasil poder reintegrar Honduras à OEA (Organização dos Estados Americanos).

Mas os EUA estão preparados para aceitar essas diferenças de abordagem?
Isso sempre vai ser um problema, mas os EUA já sabem que o Brasil não vai concordar o tempo inteiro. O critério agora é a gente mostrar a eficácia de nossas posições. A aceitação vai depender da nossa capacidade de contribuir para uma ordem internacional mais estável.

No caso do Irã, o Brasil argumentava que sua posição era mais eficaz, mas os EUA não aceitaram.
Mas as sanções estão sendo eficazes? Não. Então qual é a proposta brasileira agora? Não há solução a não ser sentar o Irã à mesa.

E qual é a quarta área em que o Brasil precisa aprimorar sua ação?
O Brasil precisa aprender a navegar o Congresso americano. De todos os emergentes, é o que menos consegue fazer isso em favor próprio. É no Congresso que poderemos avançar no quesito comercial, mas também na reforma do Conselho de Segurança. Precisamos angariar apoio lá.

E o que faltou na visita?
Nos últimos cinco anos, as exportações americanas para o Brasil dobraram, e o Brasil virou o quarto maior credor dos EUA. Apesar disso, o marco regulatório bilateral na área econômica é quase inexistente.
Não tem acordo para evitar dupla tributação, para proteger investimentos. Não conseguimos montar acordo de compras recíprocas em defesa. O ponto mais fraco da visita é esse. Também achei que faltou uma menção explícita da Dilma às revoluções no mundo árabe, tendo em vista o interesse brasileiro na região. Era chance de dizer isso em alto e bom som, mesmo se há divergências com os EUA.

Então você acha que a Dilma deveria ter tocado mais em divergências?
Sim. Os EUA respeitam mais o Brasil quando o Brasil é duro.

Como você avalia o discurso do Obama ontem?
É um discurso que nos ajuda a entender como os americanos nos veem. Veem a sociedade brasileira como grande beneficiária da dobradinha de democracia com economia de mercado.
Do ponto de vista americano, o Brasil é um exemplo do sucesso do mundo que eles ajudaram a criar depois de 1945. Portanto, o Brasil em ascensão não vai querer quebrar as regras do jogo. Vai querer adaptá-las para ter mais voz. Mas não vai desafiá-las, como acontece com China e Rússia.
Nesse sentido, é um parceiro muito valioso para o futuro. Falta um marco conceitual comum para expressar isso. Nem Brasil nem EUA sabem ainda como montar esse marco.


Texto Anterior: Por US$ 39 bilhões, americana AT&T compra T-Mobile USA
Próximo Texto: Raio-X: Matias Spektor
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.