São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2004

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PESQUISA

Segundo estudo da ONU, quase 55% dos latino-americanos ouvidos aceitariam autoritarismo se isso melhorasse a economia

Maioria na AL apoiaria ditadura "eficiente"

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Você apoiaria um governo autoritário se ele pudesse resolver os problemas econômicos? A pedido da ONU, pesquisadores fizeram essa pergunta a 18.643 pessoas. A maioria (54,7%) disse que sim.
Os entrevistados são todos latino-americanos. Une-os, além da vizinhança, o fato de respirarem ares democráticos. Une-os também o desalento com a democracia.
Para 56,3%, desenvolvimento econômico é mais importante do que democracia; 43,9% acham que democracia não resolve os problemas de seus países.
As constatações sobressaem em estudo do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Chama-se "A Democracia na América Latina". Será divulgado hoje.
O trabalho entrelaça dados recolhidos em 18 países da região. Entre eles Brasil, México, Chile, Argentina, Uruguai, Venezuela, Colômbia e Paraguai.
Em duas décadas, os valores democráticos irradiaram-se pela América Latina. Nos países sob análise realizaram-se 70 eleições nacionais entre 1990 e 2002.
São remotos e localizados os riscos de intervenções militares. O perigo agora é outro. O sonho de combinar liberdade política e prosperidade econômica é envenenado pelos índices de pobreza e desigualdade social.
No curso da década de 90, o continente contraiu a febre das "reformas estruturais". O estudo da ONU a chama pelo apelido: "Consenso de Washington".
Prometia-se desenvolvimento. Produziu-se frustração. Foram pífios os avanços do PIB, o indicador que mede a riqueza que as economias nacionais são capazes de produzir.
Em 1980, o PIB per capita da região era de US$ 3.739. Em 2000, decorridas duas décadas, passou a US$ 3.952. "Avanço quase irrelevante", anota a ONU.
Foi assegurado por "melhorias relativas" observadas no Brasil, no Chile e no México. Insuficientes para deter a marcha da pobreza.
Em 1990, havia 190 milhões de miseráveis na América Latina. Em 2001, quando a população era de 496 milhões de pessoas, os pobres somavam 209 milhões.
Em 2003, quase metade da população (43,9%) vivia abaixo da linha de pobreza. Uma legião de 225 milhões de bocas, cuja renda não paga uma cesta mínima de alimentos.
Aprofundaram-se, de resto, os desníveis de renda. Em 1997, os 20% de cidadãos mais ricos embolsaram 55% da renda produzida na região. Os 20% mais pobres amargaram 4,8%.
Há mais: nos últimos 15 anos, "o desemprego e a informalidade aumentaram significativamente", escreveu a ONU. Em 2002, o índice médio de desemprego na região foi de 9,2%. Um dos mais altos do planeta. Dobra se for considerada apenas a população jovem.
O estudo lança sobre a América Latina uma nuvem de dúvidas. São especialmente aflitivas no caso do Brasil, o "país do futuro", segundo vaticínio do título do célebre livro de Stefan Zweig, publicado em 1941.
O escritor austríaco dizia que o Brasil "quase não deveria ser qualificado como um país, mas antes de um continente, um mundo com espaço para 300, 400 milhões de habitantes, e uma riqueza imensa sob este solo opulento e intacto, da qual apenas a milésima parte foi aproveitada". Zweig, um dos autores mais lidos de sua época, relatou assim a impressão que teve ao passar pelo Brasil: "Percebi que havia lançado um olhar para o futuro do mundo".
O futuro farejado há 63 anos adia sistematicamente a sua chegada. Em 2003, primeiro ano da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, período não coberto pelo estudo da ONU, o PIB nacional registrou um recuo de 0,2%.
A economia brasileira, que já foi a oitava maior do mundo, hoje ocupa a 15ª posição no ranking. E segue asfixiada por juros altos e política fiscal restritiva.


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