|
Próximo Texto | Índice
PESQUISA
Segundo estudo da ONU, quase 55% dos latino-americanos ouvidos aceitariam autoritarismo se isso melhorasse a economia
Maioria na AL apoiaria ditadura "eficiente"
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Você apoiaria um governo autoritário se ele pudesse resolver os
problemas econômicos? A pedido
da ONU, pesquisadores fizeram
essa pergunta a 18.643 pessoas. A
maioria (54,7%) disse que sim.
Os entrevistados são todos latino-americanos. Une-os, além da
vizinhança, o fato de respirarem
ares democráticos. Une-os também o desalento com a democracia.
Para 56,3%, desenvolvimento
econômico é mais importante do
que democracia; 43,9% acham
que democracia não resolve os
problemas de seus países.
As constatações sobressaem em
estudo do Pnud (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento). Chama-se "A Democracia na América Latina". Será
divulgado hoje.
O trabalho entrelaça dados recolhidos em 18 países da região.
Entre eles Brasil, México, Chile,
Argentina, Uruguai, Venezuela,
Colômbia e Paraguai.
Em duas décadas, os valores democráticos irradiaram-se pela
América Latina. Nos países sob
análise realizaram-se 70 eleições
nacionais entre 1990 e 2002.
São remotos e localizados os riscos de intervenções militares. O
perigo agora é outro. O sonho de
combinar liberdade política e
prosperidade econômica é envenenado pelos índices de pobreza e
desigualdade social.
No curso da década de 90, o
continente contraiu a febre das
"reformas estruturais". O estudo
da ONU a chama pelo apelido:
"Consenso de Washington".
Prometia-se desenvolvimento.
Produziu-se frustração. Foram
pífios os avanços do PIB, o indicador que mede a riqueza que as
economias nacionais são capazes
de produzir.
Em 1980, o PIB per capita da região era de US$ 3.739. Em 2000,
decorridas duas décadas, passou
a US$ 3.952. "Avanço quase irrelevante", anota a ONU.
Foi assegurado por "melhorias
relativas" observadas no Brasil,
no Chile e no México. Insuficientes para deter a marcha da pobreza.
Em 1990, havia 190 milhões de
miseráveis na América Latina.
Em 2001, quando a população era
de 496 milhões de pessoas, os pobres somavam 209 milhões.
Em 2003, quase metade da população (43,9%) vivia abaixo da
linha de pobreza. Uma legião de
225 milhões de bocas, cuja renda
não paga uma cesta mínima de
alimentos.
Aprofundaram-se, de resto, os
desníveis de renda. Em 1997, os
20% de cidadãos mais ricos embolsaram 55% da renda produzida na região. Os 20% mais pobres
amargaram 4,8%.
Há mais: nos últimos 15 anos, "o
desemprego e a informalidade
aumentaram significativamente",
escreveu a ONU. Em 2002, o índice médio de desemprego na região foi de 9,2%. Um dos mais altos do planeta. Dobra se for considerada apenas a população jovem.
O estudo lança sobre a América
Latina uma nuvem de dúvidas.
São especialmente aflitivas no caso do Brasil, o "país do futuro",
segundo vaticínio do título do célebre livro de Stefan Zweig, publicado em 1941.
O escritor austríaco dizia que o
Brasil "quase não deveria ser qualificado como um país, mas antes
de um continente, um mundo
com espaço para 300, 400 milhões
de habitantes, e uma riqueza
imensa sob este solo opulento e
intacto, da qual apenas a milésima parte foi aproveitada". Zweig,
um dos autores mais lidos de sua
época, relatou assim a impressão
que teve ao passar pelo Brasil:
"Percebi que havia lançado um
olhar para o futuro do mundo".
O futuro farejado há 63 anos
adia sistematicamente a sua chegada. Em 2003, primeiro ano da
gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, período não coberto pelo estudo da ONU, o PIB nacional registrou um recuo de 0,2%.
A economia brasileira, que já foi
a oitava maior do mundo, hoje
ocupa a 15ª posição no ranking. E
segue asfixiada por juros altos e
política fiscal restritiva.
Próximo Texto: Política tem de recobrar relevância no continente, defende estudo Índice
|