São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

Cardeais brasileiros defendem novo papa

Embora haja diferença entre as posições dos eleitores do Brasil no conclave, eles acreditam que Bento 16 vá ser um grande líder da igreja

DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Numa entrevista em que ficaram claras as diferenças entre os cardeais eleitores do Brasil no conclave, o cardeal d. Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo e um dos mais cotados "papáveis" do Terceiro Mundo, pediu que seja dado "um voto de confiança" ao novo papa, confiando que ele mudará sua intransigente posição em relação a vários temas devido ao "Espírito Santo, que dará os novos carismas ao papa, e ele irá acolher a todos dentro da fé".
Mais: Bento 16 foi instado pelo presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Geraldo Majella Agnelo, a fazer frente "aos desafios do mundo de hoje".
Arcebispo de Salvador, d. Geraldo disse que "uns têm preconceito [contra Joseph Ratzinger, o novo papa], mas o modo de encarar as coisas depende do feitio da pessoa, e a doutrina da igreja é a mesma".
A entrevista, dada no Colégio Pio Brasileiro, em Roma, foi sugestão de d. Geraldo, ele próprio um "papável", segundo a especulativa imprensa italiana. Falaram ele, d. Cláudio, d. Eusébio Scheid (arcebispo do Rio) e d. José Freire Falcão (arcebispo emérito de Brasília).
Dom Eusébio, um conservador à antiga, ríspido nas repostas e polemista, esperou d. Geraldo ler a mensagem protocolar da CNBB em homenagem a Bento 16 para tomar a palavra. "Não há surpresa com essa eleição. Demos um testemunho de unidade muito forte", disse, numa virtual declaração de voto.
"Na semana anterior [quando os cardeais se reuniram na Congregação Geral], muitas coisas se aclararam."
D. Geraldo e d. Cláudio não coadunaram com as posições do colega, já que se alinham ao lado derrotado no conclave, dos defensores da maior descentralização da igreja e do tratamento de temas do mundo moderno.

"Novos carismas"
Os cardeais foram instados a falar sobre a diferença entre a escolha dos cardeais e os anseios reformistas de setores da Igreja Católica. D. Cláudio foi mais ativo no que crê ser uma "convertibilidade" de Ratzinger, embora obviamente nunca tenha usado tal termo.
"Ele será um papa de todos, um pastor de uma igreja que terá unidade na pluralidade. Claro que ele tem uma história pessoal, mas há o Espírito Santo, que dará novos carismas ao papa. É um homem que está começando um papado", disse. Por carismas, entenda-se dons, capacidades -como a da comunicação, algo que Ratzinger não é famoso por ter.
Mais direto, por estilo e por estar do "lado vencedor", d. Eusébio rebateu a suposição de divisão na igreja. "Esse rótulo, de conservador e progressista, é forjado". Quando os cardeais foram perguntados sobre a famosa fala de Ratzinger sobre a Igreja Católica estar "suja" pelo contato com o mundo moderno, o arcebispo do Rio contestou até a sintaxe da frase.
Já o arcebispo de São Paulo disse que, na igreja, "estamos tentando ser santos, mas somos pecadores, e as sombras têm de ter o menor espaço possível". D. Geraldo, por sua vez, resumiu: "O papa não será um lixeiro".
Em sua homilia na última missa que rezou antes do conclave, o presidente da CNBB havia feito uma defesa enfática da descentralização da igreja e da defesa dos princípios reformista nunca inteiramente adotados do Concílio Vaticano 2º (1962-65).
Confrontado com o fato de que o grupo mais centralizador venceu a eleição papal, sempre cuidadoso com as palavras, d. Geraldo respondeu: "São 4.300 bispos, cada um na sua diocese. O papa tem a co-responsabilidade em todo o mundo. Ensinar a verdade ao mundo ao qual ele fala e frente aos desafios do mundo de hoje". "Isso [a oposição de Ratzinger ao concílio] é uma objeção incorreta, já que Ratzinger auxiliou a confecção de vários textos dele", disse d. Eusébio.
Sobre a rigidez doutrinária de Ratzinger, d. Geraldo fez um eco bem diplomático à defesa de uma igreja menor, mas mais forte, propugnada por Bento 16 enquanto cardeal. "Nós não queremos quantidade, queremos cristãos autênticos", disse. E ainda, respondendo a uma pergunta sobre a censura ao teólogo brasileiro Leonardo Boff, disse: "Muitas vezes, nossos teólogos falam opiniões como se fosse a verdade. A verdade é revelada. É importante que tenham a coragem de dizer o que é sua opinião, não a verdade de Deus". Na mesma linha conciliatória, d. Cláudio pediu que a imprensa "desse um aval" a Bento 16. "Ele será um grande papa", disse, sem demonstrar exatamente grande entusiasmo.

América Latina
Quando perguntados sobre a dificuldade de um europeu de país rico teria para passar sua mensagem aos pobres da América Latina e da África, os dois mercados de fiéis sob ameaça hoje da Igreja Católica, os cardeais tiveram reações diversas.
D. Geraldo tergiversou: "Quando eu vim para cá, não tinha a preocupação de onde seria o papa, de que região. O importante é que ele siga o conselho de Pedro a Paulo, nunca esquecer os pobres". Já d. Eusébio, descendente de alemães, fez proselitismo: "O que ninguém fala é que a Alemanha faz muito pelos pobres do mundo. A Alemanha nunca faz propagada do que ela faz e faria mais se não fosse bloqueada por outras grandes potências", disse, sem dar nome aos bois.
Mais apagado, o cardeal d. José falou pouco, basicamente exprimindo sua visão sobre a eleição e a sensação de estar no conclave. Mas fez uma defesa de Bento 16: "Os críticos o criticam porque não o conhecem". (IGOR GIELOW)


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