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O NOVO PAPA
Esquerda da igreja no Brasil se frustra
Religiosos identificados com a Teologia da Libertação temem interrupção do diálogo entre religiões e retrocesso em questões sociais
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A eleição do cardeal Joseph Ratzinger foi recebida com indisfarçada frustração por religiosos
brasileiros identificados com a
Teologia da Libertação. A julgar
pelos comentários, contudo, não
acreditavam mesmo na escolha
de um pontífice que revigorasse o
espírito de Medellín, que definiu a
opção prioritária pelos pobres. O
que temem, principalmente, é a
interrupção do diálogo inter-religioso, o fechamento da Igreja Católica para os avanços da ciência e
maior retrocesso no tratamento
de questões sensíveis, como o
dogmatismo da moral sexual.
Há sinais de fragilidade nesse
movimento mais voltado para os
desassistidos, ainda que lideranças como o irmão marista Antonio Cechin, 77, que se dedica a
acompanhar catadores de papel
na periferia de Porto Alegre, afirmem que "sua igreja" continuará
atuante, mesmo distante da igreja
maior. "O novo pontificado será
mais conservador e mais fechado.
Mas o projeto das Comunidades
Eclesiais de Base continuará firme", diz Cechin. Ele mesmo reconhece que diminuiu o número de
padres e irmãs morando em comunidades pobres da região. E
atribui o assassinato da irmã Dorothy Stang à falta de retaguarda
da chamada igreja progressista.
"Eu temo muito pelo retrocesso
no diálogo ecumênico e inter-religioso", diz o padre Benedito Ferraro, da pastoral de Campinas. Ele
se baseia na carta "Dominus Iesus", em que Ratzinger sustenta
que a Igreja Católica é a única.
O irmão Marcelo Barros, que foi
censurado por criticar essa epístola (fez trocadilho, afirmando
que o cardeal Ratzinger queria
"dominar Jesus"), sofreu restrições no período de João Paulo 2º,
acusado de sincretismo e por
acreditar que a missão da igreja é
a comunhão de todas as culturas.
O beneditino tem esperança de
que o novo papa -por não ser a
figura carismática do papa anterior- "seja apenas o bispo de Roma", respeitando as igrejas locais.
Mas o rigor exercido por Ratzinger nas questões de fé não permitiriam imaginar um estímulo à
prática do irmão Barros, que desafiou a linha dura da Cúria do
Vaticano ao se inserir na religião
afro-brasileira. "Eu acredito nesse
ecumenismo", diz ele.
Para o padre redentorista Márcio Fabri, 61, a eleição revela uma
continuidade e reflete também "o
desejo de não se repetir um pontificado muito longo". "Mostra
uma disposição da igreja de continuar com um discurso forte para
a sociedade, com solidez e grande
articulação da doutrina", diz. A
expectativa de Fabri é que Ratzinger "perceba pontos mencionados por dom Cláudio Hummes,
como o maior diálogo com a ciência e as mudanças na sociedade".
A longa lista de punições, restrições e advertências que marcaram a passagem do cardeal Ratzinger como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé não
alimentaria a expectativa de uma
maior abertura da igreja.
O pontificado de João Paulo 2º
deixou marcas profundas entre os
progressistas no país. O franciscano Leonardo Boff foi proibido,
por duas vezes, de emitir opiniões
e de publicar suas idéias. A punição alcançou amigos de Boff,
afastados da cátedra de teologia.
Ivone Gebara, uma teóloga que
defendeu a descriminalização do
aborto, foi punida com o "silêncio obsequioso" e teve de sair do
país. D. Pedro Casaldáliga foi instado a abandonar São Félix do
Araguaia (MT), para não constranger o sucessor. Mesmo esperando que Bento 16 reconduza a
igreja "à sua secularidade", o irmão Barros prevê que "ele será o
continuador, no sentido institucional, de uma igreja que é moralista, medieval, que num certo limite desconfia da ciência e não
dialoga com a sociedade".
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