São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2008

Próximo Texto | Índice

Paraguai elege Fernando Lugo presidente

Vitória de ex-bispo oposicionista põe fim a 61 anos de domínio do Partido Colorado, o mais longo em vigor no mundo

Governista Blanca Ovelar admite derrota; esquerdista cuja coalizão abrange todo o espectro político convida a oposição para reerguer país

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO

O ex-bispo católico Fernando Lugo, 56, foi eleito ontem presidente do Paraguai. Às 22h50 de Brasília, com 92% das urnas apuradas, ele tinha 40,8% dos votos, contra 30,7% da candidata governista, Blanca Ovelar, e 21,9% do general reformado Lino Oviedo.
Blanca e Oviedo, assim como o presidente Nicanor Duarte, reconheceram a derrota poucas horas após Lugo ter feito as primeiras declarações como vencedor. "Hoje podemos afirmar que os pequenos também são capazes de vencer", disse o ex-bispo a correligionários que invadiram o seu QG de campanha no início da noite.
Mais tarde, no centro de Assunção, diante de uma multidão reunida no Panteão dos Heróis, mesmo lugar onde o povo comemorou em 1989 a queda da ditadura de 35 anos de Alfredo Stroessner, ele afirmou: "O Paraguai vai deixar de ser lembrado só por ser o país da corrupção. Vocês são os próceres de 20 de abril de 2008".
O êxito de Lugo, eleito pela APC (Aliança Patriótica para a Mudança, na sigla em espanhol), uma ampla coalizão com partidos de várias tendências, marca o fim de 61 anos de poder do Partido Colorado -a maior hegemonia de uma agremiação política em curso no mundo.
Significa também mais um triunfo de um candidato com propostas de esquerda na América do Sul. Dos principais países do continente, só Colômbia e Peru têm governantes ideologicamente conservadores.
Quando os primeiros resultados indicaram vitória da oposição, milhares de pessoas saíram às ruas da capital, fazendo buzinaço, se abraçando e cantando: "Se sente, se sente, Lugo presidente" e "O povo unido jamais será vencido".
"Para o paraguaio honesto, que trabalha duro todo dia, é um grande dia. Nossos compatriotas foram obrigados a ir para o exterior, porque esse partido governava o país como se fosse o pátio de sua casa. Eu estou realizada", vibrava América Perez de Palacios, 66, dançando e portando uma bandeira do movimento social Tekojoja.
Depois das palavras iniciais, e antes de discursar ao povo, Lugo, que toma posse em agosto, falou à imprensa num hotel, onde fez um chamamento aos derrotados. "Estamos convencidos de que este país tem direito a melhores condições. Faço um convite especial à toda a classe política paraguaia, a todos sem exceção, inclusive aos que não compartilham de nossos ideais, a apostar neste país, que foi grande e, com todos juntos, voltará a ser grande."
Desde o fechamento das urnas, às 17h, já se projetava a vitória de Lugo. Em cinco levantamentos de boca-de-urna, o ex-bispo, que liderou toda a campanha, derrotou Blanca.

Votação tranqüila
O temor de fraude que dominou a reta final da campanha reapareceu com menos força ontem. A Transparência Internacional denunciou compra de votos e intimidação por parte de dirigentes colorados. A missão de observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), porém, tratou os casos como "totalmente isolados" e celebrou o clima de tranqüilidade que marcou a votação.
Num sinal de descontrole e da divisão da sigla, os colorados travaram uma guerra interna verbal durante o dia, detonada pela declaração do candidato derrotado nas primárias, Luis Castiglioni, de que o partido sofre uma "infecção grave" e que ele iria curá-la.
Ao votar, às 7h10 locais, numa escola em Lambaré, cidade onde vive, na Grande Assunção, Lugo estava acompanhado do candidato a vice, Federico Franco, do frade dominicano brasileiro Frei Betto e da argentina Hebe de Bonafini, líder das Mães da Praça de Maio. Depois, ele assistiu a uma missa.
Eleito, Lugo terá ainda de lidar com sua herança religiosa. Ele renunciou à diocese de San Pedro em 2005 e ao sacerdócio no fim de 2006. A primeira foi aceita pelo Vaticano, a segunda não. Ele está suspenso "a divinis" pela Santa Sé: não pode exercer o sacerdócio nem ter cargos eclesiásticos, mas, para a Igreja Católica, ainda é bispo, sujeito à autoridade papal.


Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.