São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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Cidade em Portugal convida brasileiros para repovoá-la

Quatro primeiras famílias desembarcaram neste mês de Maringá; plano prevê chegada de 250 paranaenses até 2008

Sob protestos de grupos nacionalistas, presidente da Câmara Municipal atrai possíveis migrantes com oferta de casa e emprego


VITORINO CORAGEM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
EM VILA DE REI (PORTUGAL)


Amigos, família e emprego ficaram do outro lado do Atlântico. Na bagagem, veio o sonho de maior segurança, mais dinheiro e uma porta para a Europa. Oito adultos e seis crianças chegaram, há duas semanas, a Vila de Rei, região central de Portugal, vindos da cidade paranaense de Maringá. Até 2008, devem ser 250 os brasileiros com a missão de repovoar essa região envelhecida, queimada por incêndios recentes e sob risco de desertificação
Os novos "bandeirantes" mostram-se satisfeitos com a escolha. Pedro Ramos, 50, professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira chegou com a mulher e os dois filhos. Trocou os livros por um emprego em um hotel. Nem tanto pelo salário equivalente a R$ 1.230 (salário mínimo português) que vai receber -a segurança e a cultura européia foram os motivos da decisão.
Os filhos também dão os primeiros passos na nova rotina. Laudina, 7, passa o dia todo na escola com as novas colegas. "Eu e minha mulher estamos muito contentes com o fato de as crianças estarem ocupadas durante todo o dia. Está sendo muito mais fácil do que eu esperava. Já fizemos muitos amigos, e a escola tem dado todo o apoio possível", diz.
Estão todos alojados em uma casa emprestada pelos próximos seis meses. Ao todo têm seis quartos, três banheiros, duas salas, uma cozinha e uma lavanderia. Com árvores frutíferas, o jardim é mais um espaço de convívio. Os vizinhos batem à porta todo dia, trazendo batatas, cenouras e laranjas.
A curiosidade é mútua, e a cultura brasileira trazida pelas novelas ajuda a quebrar as fronteiras entre desconhecidos. Em breve terão um Fiat Uno, o que irá ajudar no rápido trajeto até o trabalho.

Recomeço
"Trata-se de começar tudo do zero", explica a jornalista Cecília Fraga, 42. Enquanto prepara um dos dois filhos para dormir, lembra que foi uma decisão muito difícil. "Além de vir para um continente diferente, viver em grupo implica uma grande capacidade de adaptação. Temos de fazer as refeições todos juntos", pondera.
A segurança foi a razão principal que trouxe Marcelo, 30, técnico de contabilidade. "O ambiente aqui é muito calmo. Quero ficar durante muito tempo. Fico descansado quando os meus filhos estão fora de casa. O Mateus tem seis anos e já freqüenta uma escolinha de futebol. Talvez um dia possa vir a ser um grande jogador."
Vila de Rei, que tem menos de 5.000 habitantes, está encolhendo. Desde 1974, o número de mortes é superior ao de nascimentos, e um terço da população tem mais de 65 anos.
No ano passado, a freguesia de São João de Peso, onde vivem os primeiros paranaenses, registrou apenas um nascimento. Ante tal cenário, a presidente da Câmara Municipal, Irene Barata, decidiu convidar as famílias brasileiras.
Para atrai-los, prometeu trazer as famílias completas, legalmente, e com contrato de trabalho. Ela realça que "o desemprego na autarquia é praticamente inexistente, de modo que o projeto não prejudica a população". Os imigrantes vão receber ações de formação do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) na área da hotelaria, para depois trabalharem nos investimentos privados em curso na cidade.
A iniciativa surgiu de uma parceria feita entre as duas cidades, incentivada pela forte presença de imigrantes portugueses no Paraná. A seleção foi realizada pelo Programa do Voluntariado Paranaense (Provopar), que recebeu mais de 700 candidatos e teve de encerrar mais cedo as inscrições.

Polêmica
"É fácil perceber que foi feito tudo o que era possível para trazer portugueses de outras regiões para cá. Nós só estamos aqui porque eles não quiseram vir para o interior do país", afirma Pedro Ramos.
No último dia 13, 60 pessoas concentraram-se em frente ao prédio da Câmara de Vila de Rei em um protesto promovido pelo Partido Nacional Renovador (PNR), de extrema-direita, contra o projeto.
A ação, intitulada "Colonatos estrangeiros não. Alto à invasão" foi anunciada pelo PNR como um protesto "contra a colonização promovida por Irene Barata com o dinheiro de impostos" dos portugueses.
Segundo Mamadu Ba, representante da associação portuguesa SOS Racismo, esta iniciativa não pode ser levada a sério e foi condenada pela opinião pública. Mas ele não esconde a preocupação. "Apesar de achar que a vinda de estrangeiros para o nosso país é sempre positiva, não deixa de ser uma contratação de mão-de-obra barata. Espero, sinceramente, que todos os direitos de cidadania sejam assegurados e que os brasileiros possam melhorar as suas condições de vida."


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